Preciso de Ti
Antes de começar… Acabei de suplicar dez minutos para este bilhete… Terrivelmente, terrivelmente vivo, dorido, e sentindo absolutamente que preciso de ti. Permiti o silĂŞncio deliberadamente, sentindo uma grande necessidade de me retirar em mim mesmo, para escrever, e mil coisas prevalecendo.
Mudei para outra máquina, assustadora; a máquina francesa… maldita, e eu bĂŞbedo com o desejo de te escrever. Ouve, ligo-te de manhĂŁ: esta noite ou escrevo ou rebento, mas tenho de te ver. Vejo-te brilhante e maravilhosa e ao mesmo tempo tenho estado a escrever Ă June e todo dividido mas tu compreenderás — tens de compreender. Vou atirar-me a uma pausa e faço uma chamada. Anais, apoia-me. NĂŁo deixes que os silĂŞncios te preocupem: estás toda Ă minha volta como uma chama clara. Nada a nĂŁo ser dois pontos, nĂŁo encontro o ponto nem os apĂłstrofos. Nenhuma cĂłpia disto tambĂ©m: Ăłptimo: bĂŞbedo… bĂŞbedo de vida… Anais, por Cristo: se tu soubesses o que estou a sentir agora.
Isto foi [escrito] ao chegar [ao escritĂłrio]. Agora 3h20 da manhĂŁ no quarto do Fred… Toda a força desaparecida e destruĂda por imagens. O Fred está na cama com a Gaby do chambre 48. Está deitada como um cadáver.
Passagens sobre Pés
670 resultadosO Fim da Civilização
Quando se extinguirá esta sociedade corrompida por todas as devassidões, devassidões de espĂrito, de corpo e de alma? Quando morrer esse vampiro mentiroso e hipĂłcrita a que se chama civilização, haverá sem dĂşvida alegria sobre a terra; abandonar-se-á o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em ruĂnas, a cidade a desmoronar-se, para se ir ao encontro da Ă©gua e da loba.
Depois de ter passado a vida nos palácios e gasto os pés nas lajes das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques. A terra estará ressequida pelos incêncios que a devastaram e coberta pela poeira dos combates; o sopro da desolação que passou sobre os homens terá passado sobre ela e só dará frutos amargos e rosas com espinhos, e as raças extinguir-se-ão no berço, como as plantas fustigadas pelos ventos, que morrem antes de ter florido.
Porque tudo tem de acabar e a terra, de tanto ser pisada, tem de gastar-se; porque a imensidão deve acabar por cansar-se desse grão de poeira que faz tanto alarido e perturba a majestade do nada. De tanto passar de mãos e de corromper, o outro esgotar-se-á; este vapor de sangue abrandará, o palácio desmoronar-se-á sob o peso das riquezas que oculta,
O esperado nos mantém fortes, firmes e em pé. O inesperado nos torna frágeis e propõe recomeços.
Velho Cego, Choravas
Velho cego, choravas quando a tua vida
era boa, e tinhas em teus olhos o sol:
mas se tens já o silêncio, o que é que tu esperas,
o que Ă© que esperas, cego, que esperas da dor?No teu canto pareces um menino que nascera
sem pés para a terra e sem olhos para o mar
como os das bestas que por dentro da noite cega
– sem dia ou crepĂşsculo – se cansam de esperar.Porque se conheces o caminho que leva
em dois ou três minutos até à vida nova,
velho cego, que esperas, que podes esperar?Se pela mais torpe amargura do destino,
animal velho e cego, nĂŁo sabes o caminho,
eu que tenho dois olhos to posso ensinar.Tradução de Rui Lage
Quem nunca caiu não tem bem a noção do esforço que é preciso para se manter de pé.
SĂł o Amor me Interessa
Nesta fase em que sĂł o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdadeo estar Ă janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calmanesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braçonesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
– aqui está uma janela acolá voam as pombas –podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pĂ´r a mĂŁo sob o rosto e encher-te de luzporque o amor meu amor Ă© este equilĂbrio
esta serenidade de coração e árvores
Os pés sustentam o corpo, mas ignoram o que ele faz ou deixa de fazer.
Da Emenda
Concluido me tendo a mi comigo
De deixar o caminho que levava,
Vendo com razões claras quanto errava
Em nĂŁo me desviar do mais antigo.Pois no trabalho seu, no mor perigo,
Meu amigo consigo a mi me achava;
E quando no meu mal algum buscava,
Achava-me comigo sem amigo.Agora dei a volta por caminhos
De solitarios bosques enramados,
De feras bravas mansos passarinhos;Que ainda que entre espinhos conversados,
Mais quero pé descalço entre espinhos,
Que dos homens humanos espinhados.
As Pessoas SĂł Crescem ao Ritmo a que SĂŁo Obrigadas
Os jovens de agora parece que tĂŞm dificuldade em crescer. NĂŁo sei porquĂŞ. Se calhar as pessoas sĂł crescem ao ritmo a que sĂŁo obrigadas. Um primo meu, com dezoito anos, já tinha as insignĂas de auxiliar do xerife. Era casado e tinha um filho. Tive um amigo de infância que, com a mesma idade, já tinha sido ordenado sacerdote baptista. Era pastor de uma igrejinha rural, muito antiga. Ao fim de uns trĂŞs anos foi transferido para Lubbock e, quando disse Ă s pessoas que se ia embora, elas desataram todas a chorar, ali sentadas no banco da igraja. Homens e mulheres, todos em lágrimas. Tinha celebrado casamento, baptizados, funerais. Com vinte e um anos, talvez vinte e dois. Quando pregava os seus sermões, a assistĂŞncia era tanta que havia gente de pĂ© no adro a ouvir. Fiquei espantado. Na escola ele era sempre tĂŁo calado.
(…) A Loretta contou-me que ouviu falar na rádio de uma certa percentagem de crianças deste paĂs que está a ser criada pelos avĂłs. Já nĂŁo me lembro do nĂşmero. Era bastante alto, pareceu-me. Os pais nĂŁo querem ter esse trabalho. Conversámos sobre isso. Demos connosco a pensar que quando a prĂłxima geração crescer e tambĂ©m já nĂŁo quiser criar os filhos,
O Amor e a Morte
Canção cruel
Corpo de ânsia.
Eu sonhei que te prostrava,
E te enleava
Aos meus mĂşsculos!Olhos de ĂŞxtase,
Eu sonhei que em vĂłs bebia
Melancolia
De há séculos!Boca sôfrega,
Rosa brava
Eu sonhei que te esfolhava
PĂ©tala a pĂ©tala!Seios rĂgidos,
Eu sonhei que vos mordia
Até que sentia
Vómitos!Ventre de mármore,
Eu sonhei que te sugava,
E esgotava
Como a um cálice!Pernas de estátua,
Eu sonhei que vos abria,
Na fantasia,
Como pĂłrticos!PĂ©s de sĂlfide,
Eu sonhei que vos queimava
Na lava
Destas mãos ávidas!Corpo de ânsia,
Flor de volĂşpia sem lei!
NĂŁo te apagues, sonho! mata-me
Como eu sonhei.
Quem se ergue na ponta dos pés não pode ficar por muito tempo.
Uma Mulher sem Areia Nenhuma
Tenho o santo horror da frieza calculada, da boa educação, do prudente juĂzo duma mulher. Aos homens pertence tudo isso, e a mulher deve ser muito feminina, muito espontânea, muito cheia de pequeninos nadas que encantem e que embalem. Meu amigo, se esperas ter uma mulher sem areia nenhuma, morres de aborrecimento e de frio ao pĂ© dela e nĂŁo será com certeza ao pĂ© de mim… Comigo hás-de ter sempre que pensar e que fazer. Hás-de rir das minhas tolices, hás-de ralhar quando elas passarem a disparates (hĂŁo-de ser pequeninos…) e hás-de gostar mais de mim assim, do que se eu fosse a prĂłpria deusa Minerva com todo o juĂzo que todos os deuses lhe deram.
Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.
A estrada do monte
Não digas nada a ninguém
que eu ando no mundo triste
a minha amada, que eu mais gostava,
dançou, deixou-me da mão;
Eu a dizer-lhe que queria
ela a dizer-me que nĂŁo
e a passarada
nĂŁo se calava
cantando esta cançãoSim, foi na estrada do monte
perdi o teu grande amor
Sim ali ao pé da fonte
perdi o teu grande amorAi que tristeza que eu sinto
fiquei no mundo tĂŁo sĂł
e aquela fonte, ficou marcada
com tanto que se chorou
Se alguém aqui nunca teve
uma razĂŁo para chorar
siga essa estrada
nĂŁo diga nada
que eu fico aqui a chorarSim, foi na estrada do monte
perdi o teu grande amor
Sim ali ao pé da fonte
perdi o teu grande amor
A intimidade desta vida de aldeia é um espectáculo ao mesmo tempo repugnante e maravilhoso. Estrume da cabeça aos pés. Entre o porco e o dono não há destrinça. Mas, ao cabo, esta animalidade toda, de tão natural, acaba por ser pura e limpa como a bosta de boi.
Magro, de Olhos azuis, CarĂŁo Moreno
Magro, de olhos azuis, carĂŁo moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e nĂŁo pequeno;Incapaz de assistir num sĂł terreno,
Mais propenso ao furor do que Ă ternura,
Bebendo em nĂveas mĂŁos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;Eis Bocage, em quem luz algum talento;
SaĂram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
O que fica de pé, se cair a liberdade?
Um fato é como um saco: vazio, não fica de pé. Para que fique de pé, é preciso pôr-lhe dentro a razão e o sentimento que o determinaram.
O Anjo Da Redenção
Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.Maravilhas nos olhos e prodĂgios
Nos olhos, chega dos azuis litĂgios
Desce Ă tua caverna de bandido.E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!
CrepĂşsculo
Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lĂrios roxos e dolentes…E os lĂrios fecham… Meu Amor, nĂŁo sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mĂŁos sĂŁo maceradas
Como vagas saudades de doentes…O SilĂŞncio abre as mĂŁos… entorna rosas…
Andam no ar carĂcias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…E a tua boca rubra ao pĂ© da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…