O Azar
Com peso tal, não me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte é larga e o Tempo Estreito.Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh’alma , tambor funéreo,
Vai rufar trechos magoados.— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde não chega o alvião;Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidãoTradução de Delfim Guimarães
Passagens sobre Profundos
625 resultadosA simplicidade de carácter é o resultado natural de profundo raciocínio.
O Sono como Condição de Saúde
Eu presto homenagem à saúde como a primeira musa, e ao sono como condição de saúde. O sono beneficia-nos principalmente pela saúde que propicia; e também ocasionalmente pelos sonhos, em cuja confusa trama uma lição divina por vezes se infiltra. A vida dá-se em breves ciclos ou períodos; depressa nos cansamos, mas rapidamente nos relançamos. Um homem encontra-se exaurido pelo trabalho, faminto, prostrado; ele mal é capaz de erguer a mão para salvar a sua vida; já nem pensa. Ele afunda-se no sono profundo e desperta com renovada juventude, cheio de esperança, coragem, pródigo em recursos e pronto para ousadas aventuras. «O sono é como a morte, e depois dele o mundo parece recomeçar de novo. Pensamentos claros surgem firmes e luminosos, como estátuas sob o sol. Refrescada por fontes supra-sensíveis, a alma escala a mais clara visão» [William Allingham].
Suavidade
Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.Hás de contar-me nessa voz tão q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves…Hão de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…
A Eterna Criança
Com a força do seu olhar intelectual e da sua penetração espiritual cresce a distância e, de certo modo, o espaço que circunda o homem: o seu mundo torna-se mais profundo, avistam-se continuamente estrelas novas, imagens novas e novos enigmas. Talvez tudo aquilo em que o olhar do espírito exercitou a sua sagacidade e profundeza tenha sido apenas um pretexto para este exercício, um jogo e uma criancice e infantilidade.
Ouvi-los a Todos, no Silêncio
Detesto a acção. A acção mete-me medo. De dia podo as minhas árvores, à noite sonho. Sinto Deus – toco-o. Deus é muito mais simples do que imaginas. Rodeia-me – não o sei explicar. Terra, mortos, uma poeira de mortos que se ergue em tempestades, e esta mão que me prende e sustenta e que tanta força tem…
Como em ti, há em mim várias camadas de mortos não sei até que profundidade. Às vezes convoco-os, outras são eles, com a voz tão sumida que mal a distingo, que desatam a falar. Preciso da noite eterna: só num silêncio mais profundo ainda, conto ouvi-los a todos.
Aprende a Ser como os Outros
Não precisamos de ler, estudar ou conhecer ninguém, quando produzimos nós próprios. Pois não basta que produzamos nós próprios? E gostemos de nós próprios? Que nos pode dar o espírito alheio, quando sobre o próprio nosso desceu em línguas de fogo a sabedoria de tudo? Melhor: A verdade é que nem precisamos nós próprios de produzir (toda a produção é uma limitação), ou mal precisamos de produzir, para usufruirmos as vantagens do criador e produtor. (…) Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas… uma anedota diverte muita gente; quatro anedotas divertem muito mais… aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, – ao cabo simplesmente maçadoras – com que pretendes sufocar (…); aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos, por a todos nos dar a reconfortante impressão de pertencermos ao mesmo meio… estarmos ao mesmo nível; não queiras ser nem sobretudo sejas mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo… numa palavra: superior. Sim, homem! aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos –
Mensagem – Mar Português
MAR PORTUGUÊS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,
A Doutrina Perfeita
Muitas vezes as pessoas dirigem-se a mim, dizendo: «você, que é independente». Não sou assim; continuamente devo ceder a pequenas fórmulas sofisticadas que corrompem, que dão um sentido inverso à nossa orientação, que fazem com que a transparência do coração se turve. Continuamente a nossa insegurança, o egoísmo, o espírito legalista, a mesquinhez, a vaidade, toda a espécie de circunstâncias que tomam o partido da vida como desfrute à sensação se sobrepõem à luz interior. Só a fé é independente. Só ela está para além do bem e do mal.
Estar para além do bem e do mal aplica-se a Cristo. «Perdoa ao teu inimigo, oferece a outra face» – disse Ele. Não é um conselho para humilhados, não é um preceito para mártires. Nisso aparece Cristo mal interpretado, a ponto de o cristianismo ter sido considerado uma religião de escravos. Mas esquecemos que Cristo, como Homem, teve a experiência-limite, uma visão do inconsciente absoluto, o que quer dizer que a sua consciência foi saturada, para além do bem e do mal. Esse homem que perdoa ao seu inimigo não o faz por contrariedade do seu instinto, por reparação dos seus pecados; mas porque não pode proceder de outra maneira.
A Felicidade Provém da Plena Posse das Suas Faculdades
O ódio à razão, tão frequente nos nossos dias, é devido em grande parte ao facto dos movimentos da razão não serem concebidos duma forma suficientemente fundamental. O homem dividido contra si mesmo procura estímulos e distracções; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentâneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a dolorosa necessidade de pensar.
Toda a paixão é para ele uma forma de intoxicação, e desde que não pode conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das suas faculdades. É nos momentos em que o espírito está mais activo, em que menos coisas são esquecidas que se sentem alegrias mais intensas. Esta é, sem dúvida, uma das melhores pedras de toque da felicidade. A felicidade que exige intoxicação de não importa que espécie, é falsa e não dá qualquer satisfação. A felicidade que satisfaz verdadeiramente é acompanhada pelo completo exercício das nossas faculdades e pela compreensão plena do mundo em que vivemos.
Qualidades de Sentimento
«Um charco», pensou, «dá-nos muitas vezes, e de forma mais intensa, a impressão de profundidade do que o oceano, pela simples razão de que a vivência dos charcos é muito mais frequente do que a dos oceanos: era, segundo ele, o que acontecia com o sentimento, e pela mesma razão os sentimentos mais banais passavam por ser os mais profundos. De facto, a preferência que se dá ao sentir, mais do que ao sentimento, que é a marca de todas as pessoas sensíveis às emoções, conduz, tal como o desejo de fazer sentir e de ser levado a sentir, comum a todas as instituições postas ao serviço do sentimento, a uma diminuição do nível e da essência do sentimento face à sua manifestação instantânea como estado de ordem pessoal, e finalmente àquela superficialidade, inibição e total insignificância para as quais não faltam exemplos. «É natural que um ponto de vista como este», pensou Ulrich, completando a sua observação, «choque todos aqueles que se sentem bem nos seus sentimentos, como o galo nas suas penas, e que ainda por cima estejam convencidos de que a eternidade recomeça com cada “personalidade”!» Tinha a nítida percepção de estar perante um erro monstruoso, à dimensão de toda a humanidade,
Lembranças Apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…
Conhecimento Maduro
Passa-se com os livros uma coisa semelhante ao que sucede com um novo conhecimento que travamos com alguém. Num primeiro momento experimentamos um profundo prazer em encontrar coincidências gerais de opinião ou ao sentirmo-nos tocados num aspecto importante da nossa existência. Só depois, quando o conhecimento se aprofunda, começam a surgir as diferenças. Nessa altura, o comportamento inteligente caracteriza-se pela capacidade de não retroceder imediatamente, como muitas vezes acontece na juventude, e de pelo contrário reter o que há de coincidente enquanto se vão esclarecendo mutuamente todas as diferenças, sem se pretender chegar a acordo absoluto.
Onde é que se pode encontrar o teu próprio eu? Sempre no mais profundo encantamento que experimentaste.
Os «profundos»: os lerdos do conhecimento imaginam que ele exige lentidão.
O Papel do Sonho na Vida
Por vezes, o homem é mais sincero e rico na desordem dos sonhos que na consciência unitária do raciocinador acordado, mas nós vivemos enquanto negamos o sonho e o tornamos inútil. O génio é a extradição do sonho, porque enriquece a consciência com as reservas e as pessoas do inconsciente. Expulsa o selvagem e o delinquente, destila a sagacidade do louco, adopta a criança e escuta o poeta. Não é autocrata surdo, como o homem vulgar, mas pai de iguais. A concórdia de se terem almas subterrâneas faz a grandeza do génio, e a sua obra é a sublimação do sonho, desenrolado na vida verdadeira, liberdade concedida aos pensamentos inocentes dos reclusos.
Escolher é próprio do homem, mas escolhe-se com a rejeição e mais com o acolhimento. Vencer não significa apenas destruir, mas incorporar. A razão será tanto mais razoável quanto maior a loucura que assumir em si; o herói será mais forte se transferir para si a energia do pecador, e a fantasia do poeta tornará mais profundos os cálculos do político.
Quando o chefe da alma é o poeta, verdadeiramente poeta, não encarcera a razão, mas condu-la consigo para cima, ao céu em que até o silogismo se torna fogo.
Minha amizade com Paulinha é profunda porque eu sempre a vi grande
O Selvagem
Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
– Passividade estupida das Cousas.Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N’um egoismo barbaro e escuro.Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, ás escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.E não vejo ninguem. Saio sómente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguem me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua…
O Vento que Decidirmos Ser
Uma das mais importantes escolhas que cada um de nós deve fazer é a de escolhermos qual o foco prin-cipal da nossa atenção e cuidado. Se o mundo à nossa volta, a fim de o mudar, ou se o interior de nós mesmos.
Quase todos os bens e males da nossa existência partem do nosso interior, pelo que será aí que importa aperfeiçoar, de forma profunda, tudo o que existe no nosso íntimo.
Um dos trabalhos mais importantes de cada um de nós será o de saber bem o que queremos. O segredo da felicidade pode estar aí: alterar em nós o que nos possa estar a causar desnecessárias ansiedades. Quantas vezes desejamos algo que está fora da nosso controlo?
Existem três tipos de coisas: as que dependem apenas de nós; as que escapam por completo à nossa decisão; e, aquelas sobre as quais temos algum controlo, mas não total.Se fizermos a nossa alegria depender de algo que não está na nossa mão, então será fácil que nos sinta-mos roubados de algo que, na verdade, nunca foi nosso. Mesmo nos casos em que o conseguimos obter, a ansiedade associada à posse, até pela iminência de o perder da mesma forma que o ganhámos,
A Sabedoria e a Alegria
Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.
Toda a gente, repito, tende para um objectivo: a alegria, mas ignora o meio de conseguir uma alegria duradoura e profunda. Uns procuram-na nos banquetes, na libertinagem; outros, na satisfação das ambições, na multidão assídua dos clientes;