Gazel do Amor Imprevisto
O perfume ninguém compreendia
da escura magnĂłlia de teu ventre.
Ninguém sabia que martirizavas
entre os dentes um colibri de amor.Mil pequenos cavalos persas dormem
na praça com luar de tua fronte,
enquanto eu enlaçava quatro noites,
inimiga da neve, a tua cinta.Entre gesso e jasmins, o teu olhar
era um pálido ramo de sementes.
Procurei para dar-te, no meu peito,
as letras de marfim que dizem sempre,sempre, sempre; jardim em que agonizo,
teu corpo fugitivo para sempre,
teu sangue arterial em minha boca,
tua boca já sem luz para esta morte.Tradução de Oscar Mendes
Passagens sobre Ramos
172 resultadosO Maestro Sacode a Batuta
O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a mĂşsica rompe …Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
Atirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cĂŁo verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo …Prossegue a mĂşsica, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cĂŁo verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo…Todo o teatro Ă© o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares e a bola vem a tocar música,
Uma mĂşsica triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cĂŁo verde tornando-se jockey amarelo…
(TĂŁo rápida gira a bola entre mim e os mĂşsicos…)Atiro-a de encontra Ă minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cĂŁo verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal…
O Jardim
Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pĂ©talas, folhas, dedos, lĂnguas, sementes.
SequĂŞncias de convergĂŞncias e divergĂŞncias,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volĂşveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.
Parâmetro
Uma tarde amarela noroeste
modo nosso de amar lembrando a estrada,
que passa sempre a leste
de urna tarde espantada,de urna tarde amarela soterrada
numa caixa de pĂŞssegos, madura,
uma janela madura de bandeiras abortas
para o mar, e frias;encarcerada pelo verdoenga de pĂŞssegos
e açúcar cristalizado sobre a polpa
dos verdes apanhados na chácara. Setembro.
Ah, setembro, setembroessa menina e teus jardins sobre a cabeça
castanha e cacheada, numa tarde amarela
de vapores entrando a barra, de sinos
batendo, que reconheço de outra época,do espanto de outras torres, de outra tarde espantada,
que amarravas no inverno embora outubro:
esse rapaz que atravessa o corporal de pĂŞssegos
de urna tarde amarela,
como se fincasse a cisma de uma lança
no rosto da palavra genial
e seu ramo de rosas, sua neblina.
Luz Da Natureza
Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!
É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mĂŁe, do teu outono puro…
SĂŁo tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mĂŁe!…Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chĂŁo do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdĂŁo imenso…É noite, mĂŁe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhĂŁ me ressuscite!…
Contemplo o que nĂŁo Vejo
Contemplo o que nĂŁo vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
NĂŁo sinto, nĂŁo sou triste.
Mas triste Ă© o que estou.
Amor PacĂfico e Fecundo
NĂŁo quero amor
que nĂŁo saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisĂvel,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!Tradução de Manuel Simões
Vozes Da Morte
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!Ah! Esta noite Ă© a noite dos Vencidos!
E a podridĂŁo, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!
Os Germes da Natureza
Numa floresta, as árvores, justamente pelo facto de que uma tenta arrebatar da outra o ar e o sol, esforçam-se Ă porfia por se ultrapassarem umas Ă s outras e, portanto, crescem belas e erectas. PorĂ©m, pelo contrário, as que lançam em liberdade os seus ramos segundo a sua vontade, afastadas de outras árvores, crescem mirradas, contorcidas e curvadas. Toda a cultura, toda a arte, que ornamentam a humanidade, assim como a ordem social mais bela, sĂŁo frutos da falta de sociabilidade, que Ă© forçada por si mesma a disciplinar-se e a desabrochar com isso por completo, impondo-se tal artifĂcio, os germes da natureza.
Por muito cuidado que se tenha, educar é podar; deixar crescer com toda a força o ramo que nos agrada.
Gritar
Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propĂłsitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e
[escreviam
Demasiado baixoFiz retroceder os limites do grito
A acção simplifica-se
Porque eu arrebato Ă morte essa visĂŁo da vida
Que lhe destinava um lugar perante mimCom um grito
Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viverEstou perfeitamente seguro agora que o VerĂŁo
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes seremE o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegriaE esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e duraEis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde sĂł dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhosEstou seguro de que a todo o momento
Filha e avĂł dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu gritoPara a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
Pera quem as conchinhas ruivas cavo
Na praia, os brancos bĂşzios apanhando?
Pera quem, de mergulho no mar bravo,
Os ramos de coral venho arrancando?
Vibra o Passado em Tudo o que Palpita
Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transitaĂ€ paz dos seres a morte em seu contĂnuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento Ă© seu destino:O ceptro dos eleitos que nĂŁo cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançamsobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses tĂŞm-no em suas mĂŁos cativo
risĂvel Ă© quem eles mandam vivo.Tradução de Vasco Graça Moura
Estás Só
Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada ‘speres que em ti já nĂŁo exista,
Cada um consigo Ă© triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte Ă© dada.
Última Página
Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me… e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ă“ Laura, a vez primeira em que nos abraçamos…Veio o inverno. PorĂ©m, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor…Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estações e passam as mulheres…
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
Conheço esse Sentimento
Conheço esse sentimento
que Ă© como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.Conheço esse sentimento
que Ă© o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas sĂŁo pequenas saudades
que doem no coração da areia.Conheço esse sentimento
que Ă© o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mĂŁos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pĂł das cerejeiras
tu.
e eu.
A Mais Perfeita Imagem
Se eu varresse todas as manhĂŁs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chĂŁo
que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhĂŁs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparĂŞncia
que o nada representa, veria que o arbusto nĂŁo passa
de um inferno, ausente o decassĂlabo da chama.
Se todas as manhĂŁs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusĂŁo, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosĂłdia incerta e
descontĂnua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosĂŁo. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, nĂŁo Ă© daqui, mas se emprestou
a um neurĂ´nio meu, unia memĂłria que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.
Os Livros Representam a EssĂŞncia de um EspĂrito
As obras sĂŁo a quintessĂŞncia de um espĂrito: por conseguinte, mesmo se este for o espĂrito mais sublime, elas sempre serĂŁo, sem comparação, mais ricas de contĂşdo do que a sua companhia, e a substituirĂŁo tambĂ©m na essĂŞncia – ou melhor, ultrapassá-la-ĂŁo em muito e a deixarĂŁo para trás: AtĂ© mesmo os escritos de uma cabeça medĂocre podem ser instrutivos, dignos de leitura e divertidos, justamente porque sĂŁo sua quintessĂŞncia, o resultado, o fruto de todo o seu pensamento e estudo; enquanto a sua companhia nĂŁo nos consegue satisfazer. Sendo assim, podem-se ler livros de pessoas em cujas companhias nĂŁo se encontraria nenhum prazer, e Ă© por essa razĂŁo que uma cultura intelectual elevada nos induz pouco a pouco a encontrar o nosso prazer quase exclusivamente na leitura dos livros, e nĂŁo na conversa com as pessoas.
NĂŁo há maior refrigĂ©rio para o espĂrito do que a leitura dos clássicos antigos: tĂŁo logo temos um deles nas mĂŁos, e mesmo que seja por apenas meia hora, sentimo-nos imdediatamente refrescados, aliviados, purificados, elevados e fortalecidos; como se nos tivĂ©ssemos deleitado na fonte fresca de uma rocha. Tal facto depende das lĂnguas antigas e da sua perfeição ou da grandeza dos espĂritos,
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulĂcio, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifĂcios, com as chaminĂ©s, e a turba
Toldam-se duma cor monĂłtona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, paĂses:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetĂŁo ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, entĂŁo, as crĂłnicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu nĂŁo verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!