Balada do Poema que nĂŁo HĂĄ
Quero escrever um poema
Um poema nĂŁo sei de quĂȘ
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Ăs de copas Ă s de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadasQuero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nadaUm poema nĂŁo sei de quĂȘ
Que traga a notĂcia louca
Da histĂłria que ninguĂ©m crĂȘ
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dĂłi nĂŁo sei porquĂȘQuero um poema ao contrĂĄrio
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitĂĄrio
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheçoQue venha de capa e espada
Ou de chicote na mĂŁo
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais nãoQuero um poema que diga
Que nada hĂĄ que dizer
SenĂŁo que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que nĂŁo Ă© de adormecerPoema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou nĂŁo ser eis a sorte
O resto Ă© silĂȘncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de ElsenorQuero o poema que me dĂȘ
Aquela mĂșsica antiga
Da Provença e da Toscùnia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de AquitĂąnia
Dormindo sobre um cavaloE com ele entĂŁo dizer
O meu poema estĂĄ feito
NĂŁo sei de quĂȘ nem sobre quĂȘDormindo sobre um cavalo
Quero o poema perfeito
Que ninguém hå-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidĂŁo
Ou aquela toutinegra
De CamÔes quando escrevia
SĂŽbolos rios que vĂŁoQue venha como um destino
Ăs de copas Ă s de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser serĂĄ
E nĂŁo hĂĄ cartas marcadas
SĂł assim poderĂĄ ser
O poema que nĂŁo hĂĄ
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosĂ possĂvel impor silĂȘncio ao sentimento; nĂŁo Ă©, porĂ©m, possĂvel marcar-lhe limites.
Para todos os males, hĂĄ dois remĂ©dios: o tempo e o silĂȘncio.
O silĂȘncio Ă© um espiĂŁo.
Eu embalei-me em silĂȘncio de uma forma tĂŁo profunda e por tanto tempo que nunca mais me consegui exprimir-me usando palavras. Quando falo, apenas me embalo de forma um pouco diferente.
Se uma pessoa comum estĂĄ em silĂȘncio, pode ser uma manobra tĂĄctica. Se um escritor estĂĄ em silĂȘncio, estĂĄ a mentir.
Ao Longo da Escrita deste Livro
No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mĂŁe incentivou-me a dar um passeio. HĂĄ muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lĂȘs que treslĂȘs, mas mantĂ©m o hĂĄbito de, cuidadosa, depois de bater Ă porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: nĂŁo te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, nĂŁo tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capĂtulo altruĂsta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mĂŁos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizĂĄ-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distĂąncia de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que nĂŁo se alterou quando saĂ do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome Ă© que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pĂŽr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panĂ”es carregados debaixo da Ășltima oliveira e os levaram Ă s costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panÔes vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.
JĂĄ Sobre o Coche de Ăbano Estrelado
Jå sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂȘncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă Sorte
Que o fio com que estĂĄ mih’alma presa
à vil matéria lùnguida, me corte.Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂȘncio total da Natureza.
A confissĂŁo muda fere menos que a falada ou escrita, e permite resolver as coisas em silĂȘncio.
Somente o silĂȘncio Ă© grande, o resto Ă© fraqueza.
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.Não que de larvas me povÎe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visĂ”es da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
Natal… Natais…
Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
NĂŁo deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anĂșncio de alvorada;
E ein cada ĂĄrvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;E no fragor do vento falas de anjos, e no våcuo
De silĂȘncio da noite
Estriada de sĂșbitos clarĂ”es,
A presença de Alguém cuja forma é precåria
E a sua essĂȘncia, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?
Sombras da Madrugada
Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra jĂĄ esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu nĂŁo queres
mas jĂĄ te amou!Ă madrugada nĂŁo importa
neste silĂȘncio hĂĄ mais verdade
a noite Ă© triste e tĂŁo sĂłzinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu nĂŁo te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
jĂĄ nĂŁo tem nada
anda perdida
quando a manhĂŁ, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!
O silĂȘncio foi a primeira coisa que existiu; um silĂȘncio que ninguĂ©m ouviu.
Oh! Gritarei a verdade mesmo no meu silĂȘncio.
NĂŁo hĂĄ necessidade de sair da sala. Ă suficiente sentar-se Ă mesa e escutar. Nem sequer Ă© necessĂĄrio escutar, Ă© sĂł esperar. Nem sequer Ă© preciso esperar, Ă© sĂł aprender a ficar em silĂȘncio. O mundo se oferecerĂĄ a vocĂȘ livremente para ser descoberto.
Sobre a Palavra
Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelheceSobre a palavra
a noite aproxima-se da chamaAssim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cinturaNa porosa fronteira do silĂȘncio
a mĂŁo ilumina a terra inacabadaInterminavelmente
Ăcaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidÔes desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂȘncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:Jesus! ruĂra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
A amizade começa quando, estando juntas, duas pessoas podem permanecer em silĂȘncio sem se sentirem constrangidas.
A Literatura é a Mais Ameaçada das Formas de Arte
Justamente porque a literatura se funda genericamente na ideia, ela Ă© a mais ameaçada das formas de arte, para lĂĄ do que sabemos da sua aparente maior duração. Ou portanto a mais equĂvoca. Ou a mais mortal. Porque nas outras artes, a ideia Ă© a nossa tradução do seu silĂȘncio, o modo de uma emoção ser dita ou seja transaccionĂĄvel, um modo irresistĂvel de explicar, uma forma afinal de dominarmos o que nos domina, porque nomear Ă© reduzir ao nosso poder aquilo que se nomeia. Mas a forma de arte nĂŁo discursiva permanece intacta ao nosso nomear. A literatura, porĂ©m, Ă© nesse nomear que começa. Na relação da emoção com a palavra que a diz, o seu movimento Ă© inverso do que acontece com a mĂșsica ou a pintura. A emoção de um quadro resolve-se numa palavra terminal. Mas a literatura parte-se dessa palavra para se chegar ĂĄ emoção. Assim pois a «ideia» Ă© o seu elemento nuclear, ainda que uma associação imprevisĂvel de palavras a disfarce.