Passagens sobre SilĂȘncio

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As Palavras de Amor

Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silĂȘncio dĂȘ sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na lĂ­ngua da semente?

Amigo

1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e cançÔes.

2.
Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este inĂștil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cĂąntaro se tens sede.

Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pĂŁo.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verĂĄs na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
– como o meu coração – sempre buscando altura.

Sorris-te – amigo. Que importa! NinguĂ©m sabe
entregar nas mĂŁos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ùnfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou… Menos aquela lembrança…

… Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
Ă© uma rosa branca que se abre em silĂȘncio…

Tradução de Rui Lage

Soneto Com Estrambote Enviesado

Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.

SĂł meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para Ă  noite tecer nova textura,
novelo de silĂȘncio ao rĂ©s da voz.

Enxoval construĂ­do nessa usura
solitĂĄria de andaimes, num retrĂłs
de linha vertical, que se pendura
na pĂȘnsil teia atada, fio em foz

desse rio agulha que me costura
ao rendilhado de ĂĄguas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.

Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.

O silĂȘncio Ă© como o vento: atiça os grandes mal-entendidos e sĂł extingue os pequenos.

SilĂȘncio

JĂĄ o silĂȘncio nĂŁo Ă© de oiro: Ă© de cristal;
redoma de cristal este silĂȘncio imposto.
Que lĂ­vido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!

Um hĂĄlito de medo embaciando o vidrado
dĂĄ-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.

TĂŁo mal consegue o luar insinuar-se em nĂłs
que a prĂłpria voz do mar segue o risco de um disco…
NĂŁo cessa de tocar; nĂŁo cessa a sua voz.
Mas jĂĄ ninguĂ©m pretende exp’rimentar-lhe o risco!

Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente

Escrevi atĂ© o princĂ­pio da manhĂŁ aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofĂĄ grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pĂȘlo dos gatos. O sol a chegar Ă  escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas pĂĄginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lĂĄbios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silĂȘncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhĂĄ-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercĂ­cio, conseguia escrever duas palavras ou, no mĂĄximo, uma frase. Quando a manhĂŁ apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhĂĄ-la. Adormeci com ela dentro de mim.

Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois,

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Testamento do Homem Sensato

Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: «Ele era assim…»
mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.

Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.

Porém, se, um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em voo se arremeda,

deixa-a pousar em teu silĂȘncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
com uma luz, mais que distante, breve.

A Cavalgada

A lua banha a solitĂĄria estrada…
SilĂȘncio!… mas alĂ©m, confuso e brando,
O som longĂ­nquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
VĂȘm alegres, vĂȘm rindo, vĂȘm cantando,
E as trompas a soar vĂŁo agitando
O remanso da noite embalsamada…

E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se apĂłs no centro da montanha…

E o silĂȘncio outra vez soturno desce,
E lĂ­mpida, sem mĂĄcula, alvacenta
A lua a estrada solitĂĄria banha…

Censura e Criatividade

Dos dĂ©spotas provĂȘm, atĂ© certo ponto, os pensadores. A palavra acorrentada Ă© terrĂ­vel. O escritor duplica e triplica o seu estilo, quando um senhor impĂ”e silĂȘncio ao povo. Sai desse silĂȘncio certa plenitude misteriosa que se filtra e se condensa em bronze no pensamento. A compreensĂŁo na histĂłria produz a concisĂŁo no historiador. A solidez granĂ­tica de tal ou tal prosa cĂ©lebre nĂŁo Ă© mais do que um amontoamento feito por um tirano.
A tirania constrange o escritor a circunscriçÔes de diĂąmetro, que sĂŁo alargamentos de força. O perĂ­odo ciceroniano, apenas suficiente para Verres, sobre CalĂ­gula embotar-se-ia. Quanto menor for a exuberĂąncia da frase, maior serĂĄ a intensidade do golpe. Sirva de exemplo a concisĂŁo de TĂĄcito no exprimir e a sua veemĂȘncia no pensar. A honestidade de um grande coração, condensada em justiça e em verdade, fulmina.

CĂĄrcere Das Almas

Ah! Toda a alma num cĂĄrcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhÔes as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisÔes colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silĂȘncios solitĂĄrios, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

O Pequeno Hamlet

O TomĂĄs, o meu filho, brinca na velha ponte abandonada junto Ă  casa onde habito agora. Gosto muito deste filho cheio de consequentes silĂȘncios, reservas que lhe vĂȘm do desamparo da infĂąncia – de toda a infĂąncia – mas que nele se sublinham como se um veio nocturno se acercasse das coisas que interroga. A mim tudo se me esquece quando olho este filho que espanca com um ferro o ferro da ponte. Observando-o na desatenção que o guarda assim no fotograma da memĂłria, interpelo-o: «E leste O prĂ­ncipe da Dinamarca?», e ele responde-me seco, mortalmente evasivo: «NĂŁo Ă© O prĂ­ncipe da Dinamarca, Ă© O cavaleiro da Dinamarca», e volta a espancar, rebarbativo, o ferro.

Liberdade e Constrangimento SĂŁo Dois Aspectos da Mesma Necessidade

Liberdade e constrangimento sĂŁo dois aspectos da mesma necessidade, que Ă© ser aquele e nĂŁo um outro. Livre de ser aquele, nĂŁo livre de ser um outro. (…) NĂŁo hĂĄ quem o nĂŁo saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme – dizem eles de si para si – estĂĄ no interior. E os que solicitam a coacção afirmam-te que ela Ă© liberdade de espĂ­rito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecĂąmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce Ă  medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispĂ”es de um nĂșmero tanto maior de actos possĂ­veis onde escolher aquele que hĂĄs-de praticar, quantas mais obrigaçÔes te impĂŽs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele Ă©, o direito de agir.

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Ode ao Destino

Destino: desisti, regresso, aqui me tens.

Em vĂŁo tentei quebrar o cĂ­rculo mĂĄgico
das tuas coincidĂȘncias, dos teus sinais, das ameaças,
do recolher felino das tuas unhas retracteis
– ah entĂŁo, no silĂȘncio tranquilo, eu me encolhia ansioso
esperando jĂĄ sentir o prĂłximo golpe inesperado.

Em vĂŁo tentei nĂŁo conhecer-te, nĂŁo notar
como tudo se ordenava, como as pessoas e as coisas chegavam
que eu, de soslaio, e disfarçando, observava                               [em bandos,
pura conter as palavras, as minhas e as dos outros,
para dominar a tempo um gesto de amizade inoportuna.

Eu sabia, sabia, e procurei esconder-te,
afogar-te em sistemas, em esperanças, em audåcias;
descendo à fé só em mim próprio, até busquei
sentir-te imenso, exacto, magnĂąnimo,
Ășnico mistĂ©rio de um mundo cujo mistĂ©rio eras tu.

Lei universal que a sem-razĂŁo constrĂłi,
de um Deus Ă­nvio caminho, capricho dos Deuses,
soberana essĂȘncia do real anterior a tudo,
ProvidĂȘncia, Acaso, falta de vontade minha,
superstição, metafísica barata, medo infantil, loucura,
complexos variados mais ou menos freudianos,
contradição ridĂ­cula nĂŁo superada pelo menino burguĂȘs,
educação falhada,

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Veio Ter Comigo Hoje a Poesia

Veio ter comigo hoje a poesia.
HĂĄ quantos anos? Desde a juventude.
Veio num raio de sol, num murmĂșrio de vento.
E a ilusĂŁo que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me a antiga plenitude
que jĂĄ nĂŁo invento.

Fazia-lhe outrora poemas verdadeiros
em fornicaçÔes råpidas de galo.
Hoje nĂŁo sou eu nunca por inteiro
e hå sempre no que faço um intervalo.

Estamos ambos tão velhos — que vens fazer?
— a cama entre nós da nossa antiga função.
Nublado o olhar sĂł de a ver.
E tomo-lhe em silĂȘncio a mĂŁo.