Cara Minha Inimiga
Cara minha inimiga, em cuja mão
Pôs meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memória,
Será a minha escritura o teu letreiro.
Sonetos sobre Amor
742 resultadosSoneto De Vinicius Dedicado A Neruda
Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro…
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiroE o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geralPorque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
Senhora minha, se de pura inveja
Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Soneto XXXV
Eclipsou-se teu Sol quando nascia,
Em flor cortada foi tua doce vida,
Antes de ser ganhada, foi perdida,
Deixou seus dias antes de seu dia.Aparecer então nos parecia
Quando a já vimos desaparecida,
Enfim, moça fermosa, estás rendida
À lei humana envolta em terra fria.Ai Amor, quantas vezes te condenas!
Criaste-me nesta alma ua esperança,
Deixas roubar-ma a morte sem valer-me.Mas bem entendo, Amor, que isto me ordenas
Para vir a saber a quanto alcança,
Perdê-la, sem perder-te, com perder-me.
Proposição das rimas do poeta
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.
Uma Palavra
Meu canto busca sempre uma palavra
que seja companheira na canção
da minha voz que canta e se declara:
viver a vida inteira de emoção.Uma palavra só não se prepara
puxando outra palavra sem razão
na vida que se encanta e se dispara
no claro tiro cego de paixão.Viver a arte que procura ver
os lábios desbotados da linguagem
deixando a claridade me envolverno sopro que me leva na paisagem
amaciando a pena ao escrever
teu nome, meu amor, minha viagem
O Amor Confina o Amor
Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armaduraImposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentementeEste poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Nasceu-te um Filho
Nasceu-te um filho. Não conhecerás,
jamais, a extrema solidão da vida.
Se a não chegaste a conhecer, se a vida
ta não mostrou – já não conhecerása dor terrível de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
– ri-te de ambas, que um filho é imortal.
Últimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Ângelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
O Coveiro
Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiroDa morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”
Amor é um Espírito Invisível
Dizem que fere amor com passadores
e que traz em matar o pensamento,
mas eu julgo que tem amor de vento
quem cuida haver no mundo tais amores.Também dizem que o pintam os Pintores
menino, nu e cego: e tão sem tento,
que é mais cego e mais nu d’entendimento,
quem cuida que em amores cabem tais cores.Amor é um espírito invisível,
que entra por onde quer, e abranda o peito
sem cor, sem arco, aljava, ou seta dura:Pode num peito humano o impossível,
recebe-se somente no conceito,
e tem no coração posse segura.
Lágrimas Tristes Tomarão Vingança
Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.
Linda Inês
Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
Metempsicose
Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?N’outra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tinheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?Vós fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leôas ou pantheras,
De dentadas de amor um corpo exangue…Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leôas! sim, bebei meu sangue!
Primavera A Fora
Escute, excelentíssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol é rubro de alegria,
Que tons de luz nas límpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce música sincera,
Cante a balada eterna dos amores…
Que Hei De Fazer ?
Por certo havia rastros e pegadas
pelos caminhos onde me perdi,
e colhi rosas brancas e encarnadas
que se despetalaram por aí.Quantos tudos julguei, que foram nadas,
quanto amor batizei que não senti,
– até o momento em que as encruzilhadas
se desencruzilharam – rumo a ti.Que hei de fazer? Farei tudo que possa
para que aceites a felicidade
que depende de ti para ser nossa…Pode ser tudo estranho e paradoxal;
julgas que foste a última, e em verdade
foste a primeira e única afinal.
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memória
Uma nudez nascida para a glória
Sofrer de meu olhar que te heroízaTudo teu corpo tem, não te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
São leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.