Sonetos sobre Completos

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Sonetos de completos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Dedicatória

Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos… Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando – deste grupo bem no meio –

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.

Absurdo

Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mãos
e crescia nas coisas reduzindo-as
à ausência mais completa do existir.

Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silêncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,

ninguém pôde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavas

e que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mágoa sempre nova de perdê-la.

Amor

Nas largas mutações perpétuas do universo
O amor é sempre o vinho enérgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.

Não há para o amor ridículos preâmbulos,
Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
à fresca exalação salúbrica das flores…

E somos uns completos, célebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.

Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…

DIATRIBE

Dois zoilos mui completos deste mundo,
Dois zoilos há terríveis e zelosos,
Que estando sem fazer, mui ociosos
Só tratam dum falar nauseabundo.

Eu sei mui bem seus nomes — não confundo
Com esses bem sensatos, talentosos,
Com esses lidadores mui briosos
Que têm estudo imenso e bem profundo!

Mas ah! pra que tempo hei-de gastar
Com quem só vive imerso na caligem
D’inveja torpe e vil a esbravejar!

Isto, meus amigos, é impigem
Que quanto se procura mais coçar
Tanto e tanto mais só dá prurigem!

Soneto IX

Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrível plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.

Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir — digesto humano
Quero fazer — que nasça hoje um diabo.

E o 23 de maio nisso raia…
Teotônio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Contrastes

A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!…

Enquanto Dormes

Não consigo dormir… A meu lado, ressonas
em completo abandono, tranqüila, confiante,
e eu me ponho a pensar em nossas vidas, nossas
vidas, juntas no sonho, como em nosso leito.

E me deixo ficar assim, na leve insônia
que me traz à lembrança tantas coisas, tantas,
que fizeram de nós, de nossos passos, uma
rede em que duas linhas são como uma só.

E sem querer percebo que o que estou pensando
tem jeito de poesia, em versos simples, versos
sem rimas, e levanto-me, e venho escrever

a observar-te à distância, a ressonar, feliz,
sem poderes sequer calcular que a teu lado
um poeta te ama e sonha, e faz versos de amor.

Colar De Pérolas

A F’licidade é um colar de pérolas,
Pérolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.

Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Correggio,
Sem resvalar no lodaçal maldito:

Faz-se preciso umas paixões bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol — completas…
Faz-se preciso que do amor na febre,

Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pérola, uma só se quebre!…