Nossa LĂngua
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na lĂngua da saudade e do crepĂșsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiĂșsculos.Ă bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu mĂșsculo
na hora que Ă© preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opĂșsculo.Dizer e maldizer do mel ao fel
Ă© fado de cantigas tĂŁo antigas
desde CamÔes, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abrigana lĂngua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que nĂŁo se cala.* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra lĂngua a minha lĂngua cale.”
Sonetos
2370 resultadosMĂĄgoas
Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!Volvendo Ă quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!
Paisagem Ănica
Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vĂȘ: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que Ă© nos teus olhos que eu me vejo a mim.Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? â perco a paisagem toda…
Longe de ti? â sou como um dobre Ă tarde…Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.
Infeliz
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida,
Tu que, na estrada da existĂȘncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂȘncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Ăs flores da Esperança enlanguescida;Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă Natureza o sofrimento,E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida.
Vós, Ninfas Da Gangética Espessura
Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande CapitĂŁo, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Ăurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.Mas um forte LeĂŁo, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.Pois, Ăł Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.
A uma Bailarina
Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pĂĄssaros sutis do movimento.Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas nĂŁo fica,
A tentação alegre da pureza.
A Musa Enferma
Ă minha musa, entĂŁo! que tens tu, meu amor?
Que descorada estĂĄs! No teu olhar sombrio
Passam fulguraçÔes de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?Eu quisera que tu, saudĂĄvel e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristĂŁo, ritmado, te pulsaraComo do silabĂĄlirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo â pai das cançÔes, e PĂŁ â senhor da seara!Tradução de Delfim GuimarĂŁes
IV
Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu és uma ave que perdeu o ninho.Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.Ăs a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂtola da prece…Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…
LĂĄ Quando Em Mim Perder A Humanidade
LĂĄ quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que nĂŁo fazem falta,
Verbi-gratia – o teĂłlogo, o peralta,
Algum duque, ou marquĂȘs, ou conde, ou frade:NĂŁo quero funeral comunidade,
Que engrole sub-venites em voz alta;
Pingados gatarrÔes, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitĂĄfio mĂŁo piedosa:“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou a vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu, sem ter dinheiro.”
Divino Instante
Ser uma pobre morta inerte e fria,
HierĂĄtica, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo hĂĄ paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada Ă fala que nĂŁo erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sĂŽfrego de amante
Queima o meu corpo frĂĄgil de Ăąmbar loiro;Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pĂĄlpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!
InconstĂąncia
Procurei o amor que me mentiu.
Pedi Ă Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!Tanto clarĂŁo nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!Passei a vida a amar e a esquecer…
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando…E este amor que assim me vai fugindo
Ă igual a outro amor que vai surgindo,
Que hĂĄ de partir tambĂ©m… nem eu sei quando…
XI
Todos esses louvores, bem o viste,
NĂŁo conseguiram demudar-me o aspecto:
SĂł me turbou esse louvor discreto
Que no volver dos olhos traduziste…Inda bem que entendeste o meu afeto
E, através destas rimas, pressentiste
Meu coração que palpitava, triste,
E o mal que havia dentro em mim secreto.Ai de mim, se de lĂĄgrimas inĂșteis
Estes versos banhasse, ambicionando
Das nĂ©scias turbas os aplausos fĂșteis!Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los pensando em ti, fi-los pensando
Na mais pura de todas as mulheres.
Soneto XXXII
Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tĂmida e lavada,
eu saĂa a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que nĂŁo sĂŁo barcos de ouro os meus ideais:
sĂŁo feitos de papel, sĂŁo como aqueles,perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lĂĄ se foram eles!
Foram-se embora e nĂŁo voltaram mais!
Acrobata Da Dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…Pedem-te bis e um bis nĂŁo se despreza!
Vamos! retesa os mĂșsculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…E embora caias sobre o chĂŁo, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristĂssimo palhaço.
Cheiro De EspĂĄdua
“Quando a valsa acabou, veio Ă janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.Eram os ombros, era a espĂĄdua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixĂŁo, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essĂȘncia dela!Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciĂșme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que Ă luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite Ă quela espĂĄdua linda!”
A Noite nĂŁo me Deu nenhum Sossego
Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite nĂŁo me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.Eles dois, inimigos de mĂŁos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dĂșbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o melna sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.Tradução de Carlos de Oliveira
Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pĂ©s do caminhante.Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»â NĂŁo temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma â
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»
Soneto De AniversĂĄrio
Setembro me agasalha nos seus galhos
e de amor canto no seu verde ventre:
Eis a ventura vaga em danação,
bronze canonizado nas cigarras.O canto Ă© breve, fino, e jĂĄ anuncia
o inconfundĂvel som do Ășltimo acorde:
aquele dĂł de peito em nĂł estrĂdulo.
Como BashĂŽ sonhara, Ă© despedidaque mal se sabe, Ă© morte anunciada,
canora liturgia sazonal.
Em setembro me mato e me renasçoem canto livre, rouco, sem ter palco,
representando de cor e salteado
o meu 13, que é fado e sortilégio.
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas ĂĄrvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mĂĄgoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lĂĄ doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cĂĄ mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lĂĄgrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Dialética
Quando nĂŁo se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
Ă saga que se faz senha.Rio, termĂŽmetro da vĂĄrzea,
geografia de sol e chuva;
linha dâĂĄgua, arco em curva,
elementos dessa faina.Um pĂĄssaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,queimando encardidos lĂrios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo cĂrios.