Passagens sobre Tarde

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Frases sobre tarde, poemas sobre tarde e outras passagens sobre tarde para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Colegial

Gosto de vê-la, assim… Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul é a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonha

Feliz… Não tem presente e ainda nem tem passado…
Só o futuro, – e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Dois Excertos de Odes

(Fins de duas odes, naturalmente)

I

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,

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Entender os Nossos Impulsos

O domínio de si próprio, embora eu não negue de forma alguma a sua necessidade em muitas circunstâncias, não é a melhor forma de conseguir que um ser humano se conduza bem. Tem o inconveniente de diminuir a energia e as faculdades criadoras. É como uma pesada armadura que ao mesmo tempo que impede o vosso braço de bater nos vossos vizinhos, o torna igualmente incapaz de um movimento útil. Os que não têm outro apoio além da disciplina que se impõem a si próprios, tornam-se obstinados e timoratos com receio de si próprios.
Mas os impulsos aos quais eles não permitem qualquer saída, continuam a existir neles a tal como os rios represados, cedo ou tarde transbordarão. As forças a que nós contrariamos a função natural que é o desabrochar da nossa própria vida, ou se atrofiam ou acabam por ter uma saída perturbando a vida de outrem. Elas procurarão qualquer saída do género das que não representam nenhum perigo para nós, por exemplo, a tirania doméstica. Se essa saída não for suficiente, há outras que o podem ser. Há sempre condenados e párias a quem a sociedade permite torturar e isso não comporta nenhum risco.
Esses párias,

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Tu És em Mim Profunda Primavera

O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou só agora, só agora
brotam das tuas raízes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?

Não sei, não mo digas, tu não sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.

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Definição

Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os própnos
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,

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Genérico

E tu, meu pai? Adivinho esses vidrilhos
das lágrimas quebrando
um a um na boca triste mas
por dentro, para que digamos
mais tarde, sem invenção escusada:
o pai não chorou.

Eu soube das tuas fúrias
mordendo-se em silêncio,
ou de como te pões
às vezes tão de cinza.
O barco, o barco. Ficaremos
ainda estes minutos quantos.
Do que quiseres. E como quiseres.
Fala. Mas nada de telegramas
para depois da barra
– posso não os abrir,
juro que posso.
Se eu fosse um amigo, se estivesses
em frente dum copo.
Custava menos. Assim
deslizas a unha
pelo tecido da farda, inútil
dedo terno com os olhos longe.
O pai, que não chorou, tremia
de modo imperceptível.

Lembro-me da bebedeira
em Alpedrinha, na estalagem,
com o Luís Melo
subitamente velho.
«Tramados, pá, tramados.»
O carro falha, são as velas
os platinados sujos
«a puta que os pariu» (Luís).

Um último aceno só vinho
para estas adolescentes
ao balcão do bar e depois e depois?

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A Estrada Branca

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

Mais Luz!

(A Guilherme de Azevedo)

Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos…

Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!

Três Rosas

Sempre, mas sobretudo nas brumosas
Horas da tarde, quando acaba o dia,
Quando se estrela o céu, tenho a mania
De descobrir, de ver almas nas cousas.

Pendem deste gomil três lindas rosas;
Uma é rosada, a outra branca e fria,
Rubra a terceira; e a minha fantasia
Torna-as humanas, vivas, amorosas.

Sei que são rosas, rosas só! mas nada
Impede, enquanto cai lá fora a chuva,
Que a minha mente a fantasiar se ponha:

Por ser noiva a primeira, é que é rosada;
Branca a segunda está, por ser viúva;
A vermelha pecou … e tem vergonha!

Somos todos responsáveis uns pelos outros e se não te responsabilizas, se não dás o teu melhor, a culpa engolir-te-á mais cedo ou mais tarde.

Tudo Deve Ser Contado pelo Menos uma Vez

Tudo o que nos acontece, tudo o que falamos ou nos é narrado, tudo quanto vemos com os nossos próprios olhos ou sai da nossa língua ou entra pelos nossos ouvidos, tudo aquilo a que assistimos (e por que, portanto, somos de certo modo responsáveis), há-de ter um destinatário fora de nós, e esse destinatário vai sendo seleccionado por nós em função do que acontece ou nos dizem ou então dizemos nós. Cada coisa deverá ser contada a alguém – nem sempre a mesma pessoa, não necessariamente -, e cada coisa vai-se colocando de parte como quem folheia e aparta e vai destinando prendas futuras numa tarde de compras.
Tudo deve ser contado pelo menos uma vez, ainda que, como havia determinado Rylands com a sua autoridade literária, deva ser contado segundo os tempos. Ou, o que vem a dar no mesmo, no momento justo e às vezes nunca mais se não se soube reconhecer ou se deixou passar deliberadamente esse momento preciso. Esse momento apresenta-se às vezes (a maioria das vezes) de maneira imediata, inequívoca e compulsiva, mas muitas outras vezes apresenta-se apenas confusamente e ao fim de lustros ou décadas, como acontece com os grandes segredos. Mas nenhum segredo pode ou deve ser guardado para sempre do conhecimento de toda a gente,

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SMS

Ela caminha já a tarde vai alta pelo passeio que segue paralelo ao mar, por cima das praias. Em baixo, a areia estende-se vazia até à água, acabando numa espuma branca, das ondas que rebentam com o fragor dos dias de Inverno. Vai sozinha. Cruza-se com jovens a passo de corrida, outros que deslizam em patins, um casal com o filho pequeno feliz na sua bicicleta de rodinhas, acompanhado por um cãozinho saltitante que corre para a frente e para trás em redor dele.
Leva na mão o telemóvel e nos olhos castanhos brilhantes uma esperança. Vai pensativa e sem horas, caminhando sem pressa, reparando nas pessoas, no mar desabrido que se atira à praia, no ar fresco que respira, no vento que se levanta com uma promessa de tempestade. Cruza o casaco grosso, azul-escuro, à frente do peito, sem apertar os botões. Cruza os braços. Uma folha de jornal passa por ela a esvoaçar, notícias antigas, pensa divertida, logo se concentrando no navio de carga iluminado que vem de Lisboa e ruma ao mar aberto com o vagar de quem tem um destino certo num dia certo.

Acaba por apertar os botões do casaco e levantar a gola para se sentir mais protegida do vento,

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3 AM

Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do que a de já não ser
capaz de chorar?)

Mãe
Sabias que o cordão umbilical pode funcionar
como uma corda num enforcamento?
— tenho aprendido coisas bem singulares neste
convívio com os deuses —
Um dia destes regressarei a Tebas para ser coroado
Reservei hoje mesmo um lugar num avião das Linhas Aéreas Gregas
Gostaria de brindar contigo com uma taça de orvalho
antes de partir

Mãe
Detesto coberturas de açúcar mesmo que levem limão
Isto é tão certo como o é tu não me compreenderes
Estava a sonhar que estava a sonhar e assim por aí adiante até ao infinito. Depois
acordei. E fui descendo vertiginosamente de sonho para sonho
Ainda não parei de acordar. E de sonhar

Mãe
Tenho uma surpresa para ti
um caramanchão para que te possas sentar todas as tardes a catar estrelas
na minha cabeça

Mãe
Abriu um concurso para preencher uma vaga de
ascensorista no Paraíso e eu concorri
Achas que tenho alguma hipótese de ser admitido?

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Uma Vida Pequena

Uma vida pequena
para que é que serviu?
Rasto de poeira
em tarde de estio.

Que sonhos, que pragas,
que fogos em vão
calcados de terra
reacenderão?

Chora a infância, chora.
Não a que tiveste.
Mas a que na troca
do tempo apetece.

O que há de mais tarde do que a madrugada? Mas não será a madrugada o alvorecer de um novo dia?

Um Pedaço do Céu

– É verdade, Liliana. De momento, nesta tarde tão húmida e nublada, com este fio que se nos mete pelos ossos adentro, Deus é um café bem quente e aromático, feito com grãos acabados de moer; no verão, procura Deus num belo gelado, num desses gelados tão saborosos, de torrão, de chocolate; ou de papaia e manga, porque agora os espanhóis também já fazem gelados de manga, e de goiaba e papaia, e um dia destes até gelados de dúrio há de haver, embora os espanhóis não gostem do cheiro do dúrio, tão forte, parece que lhes mete nojo. Eu também não gosto do cheiro, mas o fruto é uma delícia. Pensa que aí mesmo, na geladaria da praça, está um pedaço do céu com que sonhámos, ou do céu que podemos alcançar e que ainda não nos tiraram. Senta-te com os teus filhos numa esplanada, num fim de tarde de agosto, come um gelado de manga bem cremoso, e verás que é aí que está o Deus do verão, assim como está no tintico o Deus do inverno. Quando os espanhóis chegaram para nos conquistar, nós sabíamos que não existe um só deus, mas muitos deuses, há um deus para cada coisa,

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Soneto

Agora é tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espírito; outra via
Não terei de mostrar-lhe e à fantasia
Além desta em que peno e me consumo.

Aí, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declínio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empós do ideal que me alumia,
A lidar com o que é vão, é sonho, é fumo.

Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;

Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.

O Futuro Não é Garantia de Competência

Creio apenas saber que o romance não pode já viver em paz com o espírito do nosso tempo: se quer ainda continuar a descobrir o que não está descoberto, se quer ainda «progredir» enquanto romance, só pode fazê-lo contra o progresso do mundo.
A vanguarda viu as coisas diferentemente: estava possuída pela ambição de estar em harmonia com o futuro. Os artistas de vanguarda criaram obras, corajosas é verdade, difíceis, provocatórias, apupadas, mas criaram-nas com a certeza de que o «espírito do tempo» estava com eles e que, amanhã, lhes daria razão.
Outrora, também eu considerei o futuro como único juiz competente das nossas obras e dos nossos actos. Foi mais tarde que compreendi que o flirt com o futuro é o pior dos conformismos, a cobarde lisonja do mais forte. Porque o futuro é sempre mais forte que o presente. É ele, de facto, que nos julgará. E certamente sem qualquer competência.