O Vento que Decidirmos Ser
Uma das mais importantes escolhas que cada um de nós deve fazer é a de escolhermos qual o foco prin-cipal da nossa atenção e cuidado. Se o mundo à nossa volta, a fim de o mudar, ou se o interior de nós mesmos.
Quase todos os bens e males da nossa existência partem do nosso interior, pelo que será aí que importa aperfeiçoar, de forma profunda, tudo o que existe no nosso íntimo.
Um dos trabalhos mais importantes de cada um de nós será o de saber bem o que queremos. O segredo da felicidade pode estar aí: alterar em nós o que nos possa estar a causar desnecessárias ansiedades. Quantas vezes desejamos algo que está fora da nosso controlo?
Existem três tipos de coisas: as que dependem apenas de nós; as que escapam por completo à nossa decisão; e, aquelas sobre as quais temos algum controlo, mas não total.Se fizermos a nossa alegria depender de algo que não está na nossa mão, então será fácil que nos sinta-mos roubados de algo que, na verdade, nunca foi nosso. Mesmo nos casos em que o conseguimos obter, a ansiedade associada à posse, até pela iminência de o perder da mesma forma que o ganhámos,
Textos sobre Existência
255 resultadosO Efeito da Verdadeira Maturidade
A alternância de amor e ódio caracteriza, durante muito tempo, a condição íntima de uma pessoa que quer ser livre no seu juízo acerca da vida; ela não esquece e guarda rancor às coisas por tudo, pelo bom e pelo mau. Por fim, quando, à força de anotar as suas experiências, todo o quadro da sua alma estiver completamente escrito, já não desprezará nem odiará a existência, mas tão-pouco a amará, antes permanecerá por cima dela, ora com o olhar da alegria, ora com o da tristeza, e, tal como a Natureza, a sua disposição ora será estival, ora outunal.
(…) Quem quiser seriamente ser livre perderá de mais a mais, sem qualquer constrangimento, a propensão para os erros e vícios; também a irritação e o aborrecimento o acometerão cada vez mais raramente. É que a sua vontade não quer nada mais instantaneamente do que conhecer e o meio para tanto, ou seja, a condição permanente em que ele está mais apto para o conhecimento.
A Actividade é Indispensável ao Homem
Desenvolver uma actividade, dedicar-se a algo ou simplesmente estudar são coisas necessárias à felicidade do ser humano. Ele deseja activar as suas forças e, de alguma maneira, sentir o êxito dessa actividade. (Talvez porque isso lhe seja uma garantia de que as suas necessidades podem ser supridas pelas suas próprias forças). Por esse motivo, durante as longas viagens de recreação, de quando em quando o homem se sente muito infeliz.
Esforçar-se e lutar com resistência constitui a necessidade mais essencial da natureza humana: a pausa, que seria plenamente auto-suficiente no prazer tranquilo, é impossível para o homem: superar obstáculos representa o prazer mais completo da sua existência; para ele, não há nada melhor. Esses obstáculos podem ser de natureza material, como no caso de agir e operar, ou de natureza espiritual, como no caso de estudar e pesquisar: a luta contra eles e a vitória sobre eles constituem o prazer supremo da existência humana. Se lhe falta a oportunidade para tal realização, o homem cria-a como pode: inconscientemente a sua natureza o impele ou a procurar conflitos, ou a tramar intrigas, ou ainda a cometer vigarices e outras maldades de acordo com as circunstâncias.
A Religião como Ficção
– A fé é uma resposta instintiva a aspectos da existência que não podemos explicar de outro modo, seja o vazio moral que percebemos no universo, a certeza da morte, a própria origem das coisas, o sentido da nossa vida ou a ausência dele. São aspectos elementares e de extrema simplicidade, mas as nossas limitações impedem-nos de responder de modo inequívoco a essas perguntas e por isso geramos, como defesa, uma resposta emocional. É simples e pura biologia.
– Então, a seu ver, todas as crenças ou ideais não passariam de uma ficção.
– Toda a interpretação ou observação da realidade o é necessariamente. Neste caso, o problema reside no facto de o homem ser um animal moral abandonado num universo amoral e condenado a uma existência finita e sem outro significado que não seja perpetuar o ciclo natural da espécie. É impossível sobreviver num estado prolongado de realidade, pelo menos para o ser humano. Passamos uma boa parte das nossas vidas a sonhar, sobretudo quando estamos acordados. Como digo, pura biologia.
A Satisfação do Trabalho
Para não sofrer, trabalha. Sempre que puderes diminuir o teu tédio ou o teu sofrimento pelo trabalho, trabalha sem pensar. Parece simples à primeira vista. Eis um exemplo trivial: saí de casa e sinto que as roupas me incomodam, mas com a preguiça de voltar atrás e mudar de roupa continuo a caminhar. Existem contudo muitos outros exemplos. Se se aplicasse esta determinação tanto às coisas banais da existência como às coisas importantes, comunicar-se-ia à alma um fundo e um equilíbrio que constituem o estado mais propício para repelir o tédio.
Sentir que fazemos o que devemos fazer aumenta a consideração que temos por nós próprios; desfrutamos, à falta de outros motivos de contentamento, do primeiro dos prazeres – o de estar contente consigo mesmo… É enorme a satisfação de um homem que trabalhou e que aproveitou convenientemente o seu dia. Quando me encontro nesse estado, gozo depois, deliciadamente, com o repouso e os mais pequenos lazeres. Posso mesmo encontrar-me no meio das pessoas mais aborrecidas, sem o menor desagrado; a recordação do trabalho feito não me abandona e preserva-me do aborrecimento e da tristeza.
Absurdo, Liberdade e Projecto
Uma vez admitidos dois factos: que o devir não tem fim e que não é dirigido por qualquer grande unidade na qual o indivíduo possa mergulhar totalmente como num elemento de valor supremo, resta só uma escapatória possível: condenar todo esse mundo do devir como ilusório e inventar um mundo situado no além, que seria o mundo verdadeiro. Mas, logo que o homem descobre que este mundo não é senão construído sobre as suas próprias necessidades psicológicas e que ele não é de nenhum modo obrigado a acreditar nele, vemos aparecer a última forma do niilismo, que implica a negação do mundo metafísico e que a si mesma se proíbe de crer num mundo verdadeiro. Alcançado este estado, reconhecemos que a realidade do devir é a única realidade e abstemo-nos de todos os caminhos afastados que conduziriam à crença em outros mundos e em falsos deuses – mas não suportamos este mundo que não temos já a vontade de negar.
(…) Que se passou portanto? Chegámos ao sentimento do não valor da existência quando compreendemos que ela não pode interpretar-se, no seu conjunto, nem com a ajuda do conceito de fim, nem com a do conceito de unidade, nem com a do conceito de verdade.
O Nosso Infinito
Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessáriamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?
Ao mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.
Pôr o infinito de baixo em contacto com o infinito de cima,
A Realidade Histórica é Equívoca e Inesgotável
O historiador pertence ao devir que descreve. Está situado após os acontecimentos, mas na mesma evolução. A ciência histórica é uma forma de consciência que uma comunidade toma de si mesma, um elemento da vida colectiva, como o conhecimento de si um aspecto da consciência pessoal, um dos factores do destino individual. Não é ela função simultaneamente da situação actual, que por definição muda com o tempo, e da vontade que anima o sábio, incapaz de se destacar de si mesmo e do seu objecto?
Mas, por outro lado, ao contrário, o historiador busca penetrar a consciência de outrem. É, em relação ao ser histórico, o outro. Psicólogo, estratega ou filósofo, observa sempre do exterior. Não pode nem pensar o seu herói, como este se pensa a si mesmo, nem ver a batalha como o general a viu ou viveu, nem compreender uma doutrina do mesmo modo que o criador.
Finalmente, quer se trate de interpretar um acto ou uma obra, devemos reconstuí-los conceptualmente. Ora nós temos sempre de escolher entre múltiplos sistemas, pois a ideia é ao mesmo tempo imanente e transcendente à vida: todos os monumentos existem por eles mesmos num universo espiritual, a lógica jurídica e económica é interna à realidade social e superior à consciência individual.
Estamos Nós Realmente Salvando o Mundo?
Hoje a pergunta com que nos confrontamos é simples: estamos nós realmente salvando o mundo? Não me parece que a resposta possa ser aquela que gostaríamos. O mundo só pode ser salvo se for outro, se esse outro mundo nascer em nós e nos fizer nascer nele.
Mas nem o mundo está sendo salvo nem ele nos salva enquanto seres de existência única e irrepetível. Alguns de nós estarão fazendo coisas que acreditam ser importantíssimas. Mas poucos terão a crença que estão mudando o nosso futuro. A maior parte de nós está apenas gerindo uma condição que sabemos torta, geneticamente modificada ao sabor de um enorme laboratório para o qual todos trabalhamos mesmo sem vencimento.Se alguma coisa queremos mudar e parece que mudar é preciso, temos que enfrentar algumas perguntas. A primeira das quais é como estamos nós, biólogos, pensando a ciência biológica? Antes de sermos cientistas somos cidadãos críticos, capazes de questionar os pressupostos que nos são entregues como sendo «naturais». A verdade, colegas, é que estamos hoje perante uma natureza muito pouco natural.
E é aqui que o pecado da preguiça pode estar ganhando corpo. Uma subtil e silenciosa preguiça pode levar a abandonar a reflexão sobre o nosso próprio objecto de trabalho.
A Decadência do Espírito de Competição
O espírito de competição, considerado como a principal razão da vida, é demasiado inflexível, demasiado tenaz, demasiado composto de músculos tensos e de vontade decidida para servir de base possível à existência durante mais de uma ou duas gerações. Depois desse espaço de tempo, deve produzir-se uma fadiga nervosa, vários fenómenos de evasão, uma procura de prazeres, tão tensa e tão penosa como o trabalho (pois o afrouxamento tornou-se impossível) e finalmente a desaparição da raça devido à esterilidade. Não somente o trabalho é envenenado pela filosofia que exalta o espírito de competição mas os ócios são-no na mesma medida.
O género de descanso que acalma e restaura os nervos chega a ser aborrecimento. Produz-se fatalmente uma aceleração contínua cujo fim normal são as drogas e a ruína. O remédio consiste na aceitação duma alegria sã e serena como elemento indispensável ao equilíbrio ideal da vida.
O Segredo da Boa Disposição
Deixaram-nos aqui. É mesmo assim. É a vida. Tem graça, não tem? A vida tem graça. Nós temos graça. É engraçado estarmos todos aqui. A incerteza geral da existência, aliada à certeza particular do facto de termos nascido e de irmos um dia esticar o pernil, é de morrer a rir. Entre outras coisas. Já que nos puseram aqui, indispostos, mal distribuídos, condenados à confusão e à companhia dos outros, o mínimo que podemos fazer é pormo-nos o mais bem dispostos que pudermos.
O segredo da minha boa disposição é pensar o mais possível nos outros – nos outros que amo e que me têm de aturar, nos outros de quem só conheço o sofrimento e me fazem sentir a sorte que tenho em sofrer tão poucochinho – e o menos possível em mim. Quanto mais eu me desprezo e desconheço, quanto mais eu entristeço de me entender, mais preciso que haja quem goste de mim. Ou pelo menos da minha companhia.
A Minha Poesia
Aquilo que dentro da minha produção poética pode eventualmente definir-me, entre os poetas da minha geração, é o resultado do esforço para conquistar um espaço independente, ou seja, a minha forma particular de universalizar. Pertenço ao número dos que atribuem à poesia uma enorme responsabilidade: a de transformar o mundo. A poetização das coisas não é senão o aperfeiçoamento delas. É para isto que se faz poesia e não para com ela se fazer literatura. Os transes de ironia e de revolta que muitas vezes tecem os meus poemas, são o regurgitar de um incontinente entusiasmo por um sonegado destino de amor e liberdade que o poeta escuta ao estimular a superação das coisas e dos seres e que não vê cumprida. A luta contra o tempo gerando o sublime engendra-lhe o reverso que é a abjecção de se viver condicionalmente. Aquilo que Jaspers chama o incondicional e que emana de uma liberdade que não pode ser de outra maneira, que não é causa de leis naturais mas o seu fundamento transcendente e que é o sublime de cada um, resulta na maior traição, porque não é dado ao homem como sua existência, mas deslumbrado num estado de superação. A luta pelo incondicional em choque com a minha condicionalidade,
É Impossível Fazer Amor sem um Certo Abandono
Mas é exactamente isso que é supreendente em ti: tu gostas de dar prazer. Gostas de fazer do teu corpo um objecto agradável, gostas de dar prazer com o teu próprio corpo: é precisamente isso o que os ocidentais já não conseguem fazer. Perderam completamente o sentimento da dádiva. Mesmo esforçando-se, não conseguem assumir o sexo como uma coisa natural. Além de terem vergonha do seu corpo, muito diferente do corpo das estrelas pornográficas, também não sentem uma verdadeira atracção pelo corpo dos outros. Ora, é impossível fazer amor sem um certo abandono, sem a aceitação, pelo menos temporária, de um certo estado de fraqueza e de dependência. Tanto a exaltação sentimental como a obsessão sexual têm a mesma origem, resultam ambas do esquecimento parcial do eu; é algo que não pode acontecer sem que a pessoa perca alguma coisa de si mesma. E nós tornámo-nos frios, racionais, extremamente conscientes dos nossos direitos e da nossa existência individual; primeiro que tudo, queremos evitar a alienação e a dependência; além disso, vivemos obcecados com a saúde e com a higiene: e não são essas as condições ideais para fazer amor.
Aprender a Escrita pela Leitura
Ao lermos um autor, não temos a capacidade de adquirir as suas eventuais qualidades, como o poder de convencimento, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou o amargor, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou o espírito arguto, contrastes surpreendentes, laconismo, ingenuidade e outras semelhantes. No entanto, podemos evocar em nós mesmos tais qualidades, tornarmo-nos conscientes da sua existência, caso já tenhamos alguma predisposição para elas, ou seja, caso as tenhamos potentia; podemos ver o que é possível fazer com elas, podemos sentir-nos confirmados na nossa tendência, ou melhor, encorajados a empregar tais qualidades; com base em exemplos, podemos julgar o efeito da sua aplicação e assim aprender o seu uso correcto; somente então as possuímos também actu.
Esta é, portanto, a única maneira na qual a leitura nos torna aptos para escrever, na medida em que nos ensina o uso que podemos fazer dos nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Por outro lado, sem esses dons, não aprendemos nada com a leitura, excepto a maneira fria e morta, e tornamo-nos imitadores banais.
A Forma como me Amas, Mãe
Há qualquer coisa de Deus na forma como me amas, mãe.
As pessoas não são tão grandes como tu, as pessoas não aguentam tanto a vida como tu. As pessoas choram, as pessoas sofrem, as pessoas passam pela vida à procura da melhor maneira de viver. Mas tu amas-me, mãe. Tu amas-me assim, sem condições, e parece que quando me amas nem sequer existes. Apenas ficas ali, a ver-me existir, e é assim que descobres e me ensinas que a vida se resume a ver quem amas viver.Há qualquer coisa de impossível na forma como me amas, mãe.
O possível teria de exigir que parasses quando te dói, que parasses quando o mundo, filho da puta do mundo, te obriga a inventares novas maneiras de me dares tudo o que eu preciso. O possível iria dizer-te que não, que uma só pessoa, tão pequena e tão grande como tu, não pode suportar todo o peso de duas vidas. E tu ainda aí estás, tão forte como só tu, tão impossível como só tu, a sorrir quando me vês de caderno na mão a dizer que sou o melhor aluno da turma. É claro que é bom ser bom aluno,
A Felicidade não Inclui o Êxtase
A sensação de sermos unos com a natureza animal, vegetal e mineral, e a satisfação de mergulhar nessa sensação, não é de todo degradante. É tão bom sentir pulsar dentro de nós toda a vida, e simultaneamente buscar aquela existência superior cuja realização só nos é possível sonhar ou pressentir!
Não permitis que considerem fantasmas os dois grandes pólos do homem, a verdade e a felicidade; quando sonhamos sonhos de felicidade, é certo já a termos conquistado.
A satisfação de uma paixão absolutamente pessoal é embriaguez ou prazer: não é felicidade.
A felicidade é algo duradouro e indestrutível; caso contrário, não seria felicidade. Aqueles que gostariam de perpetuar a embriaguez e de incluir nela a felicidade, andam atrás do impossível. O êxtase é um estado excepcional cuja permanência nos mataria, e a natureza inteira depressa se eclipsaria sob a influência desse estado delirante.
O Equilíbrio Humano
As nossas opiniões são apenas suplementos da nossa existência e na maneira de pensar de uma pessoa pode ver-se o que lhe falta. Os indivíduos mais frívolos são os que se têm a si mesmos em grande consideração, e as pessoas de maior qualidade são apreensivas. O homem de vícios é descarado e o virtuoso é tímido. Deste modo tudo se equilibra: cada um de nós quer ser completo ou, pelo menos, quer ver-se como tal.
O Homem não está à Altura da sua Obra
Dir-se-ia que a civilização moderna é incapaz de produzir uma elite dotada simultaneamente de imaginação, de inteligência e de coragem. Em quase todos os países se verifica uma diminuição do calibre intelectual e moral naqueles a quem cabe a responsabilização da direcção dos assuntos políticos, económicos e sociais. As organizações financeiras, industriais e comerciais atingiram dimensões gigantescas. São influenciadas não só pelas condições do país em que nasceram, mas também pelo estado dos países vizinhos e de todo o mundo. Em todas as nações produzem-se modificações sociais com grande rapidez. Em quase toda a parte se põe em causa o valor do regime político. As grandes democracias enfrentam problemas temíveis que dizem respeito à sua própria existência e cuja solução é urgente. E apercebemo-nos de que, apesar das grandes esperanças que a humanidade depositou na civilização moderna, esta civilização não foi capaz de desenvolver homens suficientemente inteligentes e audaciosos para a dirigirem na via perigosa por que a enveredou. Os seres humanos não cresceram tanto como as instituições criadas pelo seu cérebro. São sobretudo a fraqueza intelectual e moral dos chefes e a sua ignorância que põem em perigo a nossa civilização.
O Campo da Experiência Nunca nos Satisfaz
Sendo todos os princípios do nosso entendimento apenas aplicáveis a objectos da experiência possível, toma-se evidente que todo raciocínio racional, que se aplica às coisas situadas fora das condições da experiência, ao invés de alcançar a verdade, apenas deve necessariamente chegar a uma aparência e a uma ilusão.
Mas o que caracteriza tal ilusão é que ela é inevitável (…) a tal ponto que, mesmo quando já nos apercebemos da sua falsidade, nos não podemos libertar dela. (…) De facto, o campo da experiência nunca nos satisfaz. (…) A nossa razão, para se satisfazer, deve, pois, necessariamente, tentar ultrapassar os limites da experiência e, por consequência, persuadir-se infalivelmente de que por esse caminho alcançará a extensão e a integralidade dos seus conhecimentos, coisa que ela não pode encontrar no campo dos fenómenos. Mas esta persuasão é uma ilusão completa: estando totalmente para além dos limites da nossa experiência sensível todos os conceitos e princípios do entendimento, e não podendo então ser aplicados a qualquer objecto, a razão ilude-se a si mesma quando atribui um valor objectivo a máximas completamente subjectivas, que, na realidade, apenas admite para sua própria satisfação.
(…) Todos os nossos raciocínios que pretendem sair do campo da experiência são ilusórios e infundamentados.
O Ópio
…Havia ruas inteiras dedicadas ao ópio… Os fumadores deitavam-se sobre baixas tarimbas… Eram os verdadeiros lugares religiosos da Índia… Não tinham nenhum luxo, nem tapeçarias, nem coxins de seda… Era tudo madeira por pintar, cachimbos de bambu e almofadas de louça chinesa… Pairava ali uma atmosfera de decência e austeridade que não existia nos templos… Os homens adormecidos não faziam movimento ou ruído… Fumei um cachimbo… Não era nada… Era um fumo caliginoso, morno e leitoso… Fumei quatro cachimbos e estive cinco dias doente, com náuseas que vinham da espinha dorsal, que me desciam do cérebro… E um ódio ao sol, à existência… O castigo do ópio… Mas aquilo não podia ser tudo… Tanto se dissera, tanto se escrevera, tanto se vasculhara nas maletas e nas malas, tentando apanhar nas alfândegas o veneno, o famoso veneno sagrado… Era preciso vencer a repugnância… Devia conhecer o ópio, provar o ópio, afim de dar o meu testemunho… Fumei muitos cachimbos, até que conheci… Não há sonhos, não há imagens, não há paroxismos… Há um enfraquecimento metódico, como se uma nota infinitamente suave se prolongasse na atmosfera… Um desvanecimento, um vácuo dentro de nós… Qualquer movimento do cotovelo, da nuca, qualquer som distante de carruagem,