Textos sobre Gesto

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Textos de gesto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Liberta o Homem, e Ele Criará

Eu hei-de esculpir o futuro ao jeito do criador que extrai a obra de mármore a golpes de cinzel. E caem uma a uma as escamas que escondiam o rosto do deus. E os outros dirão: Este mármore continha este deus. Ele o que fez foi encontrá-lo. E o gesto dele não passava de um meio. Mas eu cá digo que ele não calculava, ele forjava a pedra. O sorriso do rosto está muito longe de ser feito de suor, de faíscas, de golpes de cinzel e de mármore. O sorriso não é da pedra, mas sim do criador. Liberta o homem, e ele criará.

A Nossa Arte

A arte de desenvolver os pequenos motivos para nos decidirmos a realizar as grandes acções que nos são necessárias. A arte de nunca nos deixarmos desencorajar pelas reacções dos outros, recordando que o valor de um sentimento é juízo nosso, pois seremos nós a senti-lo e não os que assistem. A arte de mentir a nós próprios, sabendo que estamos a mentir. A arte de encarar as pessoas de frente, incluindo nós próprios, como se fossem personagens de uma novela nossa. A arte de recordar sempre que, não tendo nós qualquer importância e não tendo também os outros qualquer espécie de importância, nós temos mais importância que qualquer outro, simplesmente porque somos nós.
A arte de considerar a mulher como um pedaço de pão: problema de astúcia. A arte de mergulhar fulminante e profundamente na dor, para vir novamente à tona graças a um golpe de rins. A arte de nos substituirmos a qualquer um, e de saber, portanto, que cada pessoa se interessa apenas por si própria. A arte de atribuir qualquer dos nossos gestos a outrem, para verificarmos imediatamente se é sensato.
A arte de viver sem a arte.
A arte de estar só.

A Qualidade do Motivo da Acção

A aventura foi sempre a vocação do homem, porque é próprio do homem recusar os seus limites, saber a sua verdade para além daquilo que é, ou seja no impossível. Mas a aventura, como tudo o que é do homem, tem o seu estilo de ser, de acordo com as vísceras que lhe couberam, o ar que respirou, a hora da sua vinda. Do carteirista ao revolucionário, toda uma escala de motivos se estabelece para se transporem os limites da aceitação. Mas num confronto pelo mais alto, a aventura daqueles que se assumiram plenamente como homens do seu tempo e sentiram o apelo do negar e do transpor, e sentiram a vertigem do além do limite, a sua aventura toma a forma paralela da consciência que os separa de tudo aquilo que negam.
Assim não é precisamente a própria vida que se jogue que dá a medida da grandeza de uma acção, mas a qualidade do motivo por que a jogamos, a extensão e profundidade de consciência que esse gesto preenche – porque se pode jogar a vida pelo motivo mais fútil.

O acto de jogar e o seu risco, ainda quando se decidem por eles próprios,

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O Prazer da Conversação

O tipo de bem-estar proporcionado por uma conversação animada não consiste propriamente no assunto da conversação; nem as idéias nem os conhecimentos que ali podem ser desenvolvidos são o seu principal interesse. Importa uma certa maneira de agir uns sobre os outros, de ter um prazer recíproco e rápido, de falar tão logo se pense, de comprazer-se imediatamente consigo mesmo, de ser aplaudido sem esforço, de manifestar o seu espírito em todas as nuances pela entoação, pelo gesto, pelo olhar, enfim, de produzir à vontade como que uma espécie de electricidade que solta faíscas, aliviando uns do próprio excesso da sua vivacidade e despertando outros de uma apatia dolorosa. (…) Bacon disse que “a conversação não era um caminho que conduzia à casa, mas uma vereda por onde se passeava prazerosamente ao acaso”.

O Excesso de Vingança

O duelo nasceu da convicção muito natural de que um homem não aguentaria injúrias de outro homem a não ser por fraqueza; mas porque a força do corpo podia dar às almas tímidas uma vantagem considerável sobre as almas fortes, para introduzir igualdade nos combates e dar-lhes por outro lado mais decência, os nossos pais imaginaram bater-se com armas mais mortíferas e mais iguais do que aquelas que tinham recebido da natureza; e pareceu-lhes que um combate em que se poderia tirar a vida de um só golpe teria certamente mais nobreza do que uma briga vil em que no máximo se poderia arranhar a cara do adversário e arrancar-lhe os cabelos com as mãos. Assim, vangloriaram-se de ter colocado nos seus usos mais elevação e mais elegância do que os romanos e os gregos que se batiam como os seus escravos. Achavam que aquele que não se vinga de uma afronta não tem coragem nem brio; não atinavam que a natureza, que nos inspira a vingança, podia, elevando-se ainda mais alto, inspirar-nos o perdão.
Esqueciam-se de que os homens são obrigados muitas vezes a sacrificar as suas paixões à razão. A natureza dizia mesmo, na verdade, às almas corajosas que era preciso vingar-se;

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A Doença da Disciplina

Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos o povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social àquele ponto de excesso em que cousa nenhuma, por boa que seja — e eu não creio que a disciplina seja boa — por força que há-de ser prejudicial.
Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército de que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crítica.
Parecemo-nos muito com os alemães. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.
Por isso aqui, como na Alemanha, nunca é possível determinar responsabilidades; elas são sempre da sexta pessoa num caso onde só agiram cinco.

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Literatura e Imortalidade

Que pensa dos nossos escritores do momento, prosadores, poetas e dramaturgos?
Citar é ser injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem me não lembre. Confio ao silêncio a injustiça. A ânsia de ser completo leva ao desespero de o não poder ser. Não citarei ninguém. Julgue-se citado quem se julgue com direito a sê-lo. Ressalvo assim todos. Lavo as mãos, como Pilatos; lavo-as, porém, inutilmente porque é sempre inutilmente que se faz um gesto simplificador. Que sei eu do presente, salvo que ele é já o futuro? Quem são os meus contemporâneos? Só o futuro o poderá dizer. Coexiste comigo muita gente que vive comigo apenas porque dura comigo. Esses são apenas os meus conterrâneos no tempo; e eu não quero ser bairrista em matéria de imortalidade. Na dúvida, repito, não citarei ninguém.

Os Melhores Momentos do Amor

Nos transportes do amor, na conversa com a amada, nos favores que recebes dela, até nos mais extremos, vais mais em busca da felicidade do que à tentação de provar isso de que o teu coração agitado sente uma grande falta, um não-sei-quê de menos do que ele esperava, um desejo de algo, mesmo de muito mais. Os melhores momentos do amor são aqueles de uma tranquila e doce melancolia em que choras e não sabes porquê, e te resignas quase na quietude a um infortúnio que desconheces. Nessa quietude, a tua alma está quase cumulada, e quase sente o gosto da felicidade. Assim como no amor, que é o estado da alma mais rico de prazeres e ilusões, a melhor parte, a via mais correcta para o prazer e para uma sombra de felicidade é a dor.
(…) Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento,

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Uma Grande parte da Arte é para Morrer

A pasmaceira dum domingo português, que até mesmo em Lisboa é de desiludir um pícnico (quanto mais um asténico!), levou-me ao abismo onde todo o provinciano que aqui chega tem de cair, se não quer esperar no café pelo comboio do regresso. Refiro-me, claro, à inevitável revista. E fez-me bem, porque assentei ideias sobre alguns problemas de literatura e arte.
Os risos desarticulados que pelo mundo a cabo desaguam nos muitos parques Meyer, o que são em verdade senão o prolongamento protoplásmico de certas farsas medievais? Revistas também daqueles atribulados tempos, as peças primitivas que até nós chegaram não têm outro mérito senão mostrar-nos que já então se dizia mal dos tiranos em trocadilhescas palavras e significativos gestos, ficando-nos ao cabo da sua penosa leitura a humana consolação de sabermos que o povo ria a bandeiras despregadas da própria miséria, e aliviava assim as suas penas.
Uma grande parte da arte é para morrer, e a pedra de toque da sua caducidade está em ela falar apaixonadamente de pessoas e acontecimentos inteiramente esquecidos da lembrança da História. Poder-se-á dizer que não se trata de beleza pura, a qual tem uma perenidade que transcende o circunstancial. Não é verdade.

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A Sociedade Destroça o Indivíduo

Trata-se dum conjunto, dum todo, a sociedade, e, podre, uma vez que é preciso contar com ela ao mesmo tempo que se não deve contar. Quer dizer, é como um conjunto estável, composto por elementos instáveis. Ora é impossível viver no interior, sem sofrer essa instabilidade, esse monte de mentiras. Surge então o medo de utilizar o mínimo pormenor que participe dessa instabilidade. É a revolta. Você duvida do valor das palavras, dos gestos, do que representam as palavras, das ideias, das simples associações de ideias, dos sonhos e até da realidade, das sensações mais claras, mais agudas. Você duvida mesmo da sua dúvida, da organização que toma, da forma que adopta. Não lhe fica nada, nada. Já não é nada, é um camaleão, um eco, uma sombra. Isso é obra da sociedade, compreende?

J.-M. G.

Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia

Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.

Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,

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