Há lá Coisa Melhor?

Há lá coisa melhor do que duas mãos que se beijam?

A mão dela tinha Deus dentro. Apertava-a, beijava-a com a minha mão apressada, com a minha mão urgente, a minha mão como se numa ambulância, e percorríamos as ruas mesmo que fossem as ruas que nos percorressem a nós, simples corpos sorridentes

Há lá coisa melhor do que dois corpos que se sorriem?

Sabia, com cada um dos meus dedos, com cada uma das minhas mãos, todos os riscos e ranhuras da mão dela; era ali, no por dentro das mãos que tocava, que ouvia as novidades, que lia os títulos das notícias, de todas as notícias que me importavam

Há lá coisa melhor do que ler as notícias na mão que se ama?

Não havia, nos passos que dávamos, qualquer distância andada, nem sequer um caminho a andar; éramos caminhantes de andar, viajantes do nosso tempo. E acreditávamos, todos os dias, em todas as respirações que respirávamos no espaço das nossas mãos, que o tempo era apenas o instante em que, juntos, parávamos o tempo

Há lá coisa melhor do que o instante em que se pára o tempo?

Recusávamos as palavras, até os gestos; e era assim que nos contávamos por inteiro.

Há lá coisa melhor do que aquela parte em que nos contamos por inteiro?

Não sabíamos, nunca soubemos, se era muito o tempo, o tempo das horas e dos minutos, que passávamos juntos; sabíamos que era, para nós, todo o tempo do mundo

Há lá coisa melhor do que sentir o tempo de sentir todo o tempo do mundo?

Sabíamos que era, como as nossas mãos eram, o tempo suficiente para aguentarmos o resto mais um tempo, para suportarmos o por fora das nossas mãos mais um tempo. Talvez, no momento em que as mãos se deixavam de amar, houvesse lágrimas, as lágrimas que se deixam cair sempre que algo cai dentro de nós. Talvez quiséssemos ficar por dentro das nossas mãos para sempre.
E ficámos.