Passagens sobre Casas

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Frases sobre casas, poemas sobre casas e outras passagens sobre casas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Política de Verdade

(…) Represento uma política de verdade e de sinceridade, contraposta a uma política de mentira e de segredo. Advoguei sempre que se fizesse a política da verdade, dizendo-se claramente ao povo a situação do País, para o habituar à ideia dos sacri­fícios que haviam um dia de ser feitos, e tanto mais pesados quanto mais tardios.
Advoguei sempre a política do simples bom senso contra a dos gran­diosos planos, tão grandiosos e tão vastos que toda a energia se gastava em admirá-los, faltando-nos as forças para a sua execução.
Advoguei sempre uma política de administração, tão clara e tão sim­ples como a pode fazer qualquer boa dona de casa — política comezinha e modesta que consiste em se gastar bem o que se possui e não se despen­der mais do que os próprios recursos.

Estes Homens

estes homens
abrem as portas
do sol nascente

conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão

amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher

estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)

erguem as paredes
as janelas crepusculares
as asfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço

estes homens
tamisam cores: viajam nos navios
pescam no cisco das pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral

moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras

estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas

estes homens:
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
servos emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva;

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O Homem Congrega Todas as Espécies de Animais

Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar!
Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebréus de trela que vivem do seu mérito, que se destinam à guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há também dogues irascíveis, cuja única qualidade é a fúria; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que têm espírito e que fazem sempre mal. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.

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Sinto-me sempre feliz quando tenho uma oportunidade para te escrever, e faço-o sempre que posso. Estou novamente em Lisboa por alguns dias, para ver os arranjos na nossa casa. Espero que ela te agrade. Tens quartos muito bonitos com uma vista soberba sobre o Tejo e sobre o mar. (…) Será aí que passaremos os dias da nossa felicidade em que viveremos um para o outro, em que seremos apenas um.

Vila Rica

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro de sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião, que o tempo enegreceu…
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

Faço o que gosto, rigorosamente o que gosto, quando gosto, como gosto, no meu espaço e ainda me pagam bem. Não tenho ninguém em quem mandar, ninguém manda em mim. Agora parece fácil, mas na altura em que escolhi ficar em casa, sem nada de certo, arriquei.

Pai

Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.

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A Biblioteca

Chegada a noite, volto a casa e entro no meu escritório; e, na porta, dispo a roupa quotidiana, cheia de lama e de lodo, e visto trajes reais e solenes; e, vestido assim decentemente, entro nas antigas cortes dos homens antigos, onde, recebido amavelmente por eles, me alimento da comida que é só minha, e para a qual nasci; onde eu não me envergonho de falar com eles e de perguntar-lhes as razões das suas acções. E eles com a sua bondade respondem-me; e, durante quatro horas, não sinto tédio nenhum, esqueço-me de toda a ansiedade, não temo a pobreza, nem a morte me assusta: transfiro para eles todo o meu ser.

Já vês que o casamento é um contrato politico, civil, económico, e higiénico até certo ponto. Enquanto gostei da minha mulher, gostei; depois que a vi muitas vezes sempre com a mesma cara, com a mesma cintura, e com a mesma mão e pé, que me fizeram endoidecer de enthusiasmo, desejei que ela tivesse uma grande mão, um pé inglês, uma cara saloia, e uma cintura mais larga que as espáduas. Como a estátua não se transfigurava, detestei-a… não digo bem… não a detestei como um belo traste dos meus aposentos, mas sim como excrescência matrimonial à minha vida. (…) A mulher com quem se casa é de todas as mulheres aquela com quem menos se casa.

Mãe, Eu Quero Ir-me Embora

Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-m
embora,

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Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta

Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.

Um único homem sem alegria basta para criar numa casa inteira um mau humor contínuo e para a envolver numa nuvem escura: e é um milagre se este homem não está presente! É preciso muito para que a felicidade seja doença tão contagiosa. De onde é que isso vem?

A Solidão é Pior do que a Pobreza

Ris-te do que te digo, mas quando chegar a tua hora, verás a falta que te vai fazer um apoio e o muito que precisamos de carinho para ir vivendo, à medida que os anos passam. Alguém que esteja ao teu lado, que te pegue na mão nos teus últimos instantes (que mais podemos fazer a um moribundo?). E quando os ouves falar assim, angustias-te, imaginas-te sem conseguires levantar-te da cama, agarrado às costas das cadeiras para te moveres dentro de casa, apoiando-te às paredes para alcançares a casa de banho, ensopado num rançoso suor senil; ou morrendo asfixiado, engasgado com qualquer coisa, com um pedaço de cartilagem de vaca mal mastigado, um simples gole de água, uma migalha de pão, um desses comprimidos que tomas para a hipertensão, para facilitar o fluxo sanguíneo, para o colesterol, para a hiperglicemia; vês-te afogado na tua própria saliva: tosses, sufocas, sem ninguém por perto que te dê uma palmada nas costas, ou te meta os dedos na boca para te ajudar a expelir o que tens atravessado na garganta, alguém que chame o 112 ou te meta num carro e te leve a toda a velocidade para o hospital ou o centro de saúde mais próximo.

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Entre o Sono e Sonho

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Príncipe

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

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