As lágrimas aliviam o coração.
Passagens sobre Coração
2137 resultadosNo Amor Começa-se Sempre a Zero
Fazer um registo de propriedade é chato e difícil mas fazer uma declaração de amor ainda é pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada — por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma. É verdade — começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: «Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau…»
Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrículos,
A timidez é uma condição alheia ao coração, uma categoria, uma dimensão que desemboca na solidão.
Natal na Província
Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
Os Parceiros
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-senuma velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!
Cristo
Cristo morreu, ó tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando a noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tão alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranqüilos, virginais,Dons inefáveis, corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!
As Ideias dependem das Sensações
À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.
Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes não ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pés n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mãos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Amor, se te Repito
Amor, se te repito, se te clamo
se te exijo e te cravo em mim, se espero
sabendo que não vens, e se te gero
em cada instante meu, e se te amo,amor, se te reservo o que mais quero,
se te acredito exacto e te reclamo,
se te adivinho e sonho e te proclamo
Deus, coração e pátria, o que venero.Amor, se te situo necessário,
se me unifico em ti, eu que fui vário
e fraco para todas as batalhas,em nome de que glória irei firmado
a conquistar-te, amor, se nem me é dado
pedir no instante extremo que me valhas?
Entre a palavra e o pensamento existe o meu ser. Meu pensamento é puro ar impalpável, insaisissable. Minha palavra é de terra. Meu coração é vida. Minha energia electrónica é mágica de origem divina. Meu símbolo é o amor. Meu ódio é energia atómica.
É o Bom Leitor que faz o Bom Livro
É o bom leitor que faz o bom livro; em cada livro, ele encontra trechos que parecem confidências ou apartes ocultos para qualquer outro e evidentemente destinados ao seu ouvido; o proveito dos livros depende da sensibilidade do leitor; a ideia ou paixão mais profunda dorme como numa mina enquanto não é descoberta por uma mente e um coração afins.
O amor é preocupação. Ter o coração já previamente ocupado. Ter medo que alguma coisa de mal aconteça à pessoa amada. Sofrer mais por não poder aliviar o sofrimento da pessoa amada do que ela própria sofre.
Oração Da Noite
Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.
A Boa Companhia
Normalmente é um mau hábito, que provoca frequentes enganos, estarmos tão prontamente dispostos a julgar, e principalmente a desaprovar. Assim como não se condena nem o mais culpado sem acolher a sua defesa, não se deve rejeitar estouvadamente certas coisas que seriam bem acolhidas, se se pudessem expor em toda a plenitude do seu direito. Conheço pessoas que não olham o que quer que seja senão com a intenção de notar-lhe os defeitos, e este é o meio mais apropriado para atrair o ódio e a inveja. Mas vejo também os que examinam aquilo que se apresenta para descobrir ali algo de agradável; e não é que não tenham o gosto melhor e mais delicado que os outros: mas eles desculpam tudo, e cuido que são facilmente amados, e que a sua amizade é bem vista.
Aquele que quer ser boa companhia deve fazer de modo que, quanto mais conhecidos sejam o seu coração e a sua forma de proceder, mais seja desejado; e como é belo ser humano, e não ter nada de injusto! Como a sinceridade confere distinção, e a falsidade me parece desagradável! Deve-se seguir este sentimento, em qualquer caso; pois jamais fica bem afastar-se dele.
Foi Já Num Tempo Doce Cousa Amar
Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razão tem de viver bem magoado.Porém quem tem o mundo exprimentado,
não o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.
Hoje Toda a Gente se Trata por Tu
Hoje toda a gente se trata por tu, já deves ter reparado, é uma forma despachada e falsamente confidencial. Eu não gosto, porque é inconveniente… Acho que quando duas pessoas se estimam devem tratar-se por você, é uma forma que revela civilidade e respeito pelo outro. E além disso marca aquela distância necessária para exprimirmos mutuamente que apesar de nos conhecermos bem, intimamente, até, e de sabermos os nossos respectivos segredos, continuamos a fazer de conta que não, que não sabemos certas coisas, e fazemo-lo para que o outro se sinta mais à-vontade, como quando alguém te confessou uma coisa importante que não diria a ninguém, mas era como se estivesses distraído, claro que não é bem assim, ouviste-o com muita atenção, mas… lá está, é como se já não estivesses a pensar nisso, guardaste aquilo num compartimento secreto do teu coração e fechaste-o à chave…
O Feio Tem Mais Encanto Que o Belo
Por vezes existe nas pessoas ou nas coisas um charme invisível, uma graça natural que não pôde ser definida, a que somos obrigados a chamar o «não sei o quê». Parece-me que é um efeito que deriva principalmente da surpresa. Sensibiliza-nos o facto de uma pessoa nos agradar mais do que deveria inicialmente e somos agradavelmente surpreendidos porque superou os defeitos que os nossos olhos nos mostravam e que o coração já não acredita. Esta é a razão porque as mulheres feias possuem muitas vezes encantos que raramente as mulheres belas possuem, porque uma bela pessoa geralmente faz o contrário daquilo que esperávamos; começa a parecer-nos menos estimável. Depois de nos ter surpreendido positivamente, surpreende-nos negativamente; mas a boa impressão é antiga e a do mal, recente: assim, as pessoas belas raramente despertam grandes paixões, quase sempre restringidas às que possuem encantos, ou seja, dons que não esperaríamos de modo nenhum e que não tinhamos motivos para esperar.
Os encantos encontram-se muito mais no espírito do que no rosto, porque um belo rosto mostra-se logo e não esconde quase nada, mas o espírito apenas se mostra gradualmente, quando quer e do modo que quer; pode esconder-se para surgir de novo e proporcionar essa espécie de surpresa que constitui os encantos.
Roda mundo, roda gigante Roda moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração…
O Primeiro Amor
Questão é curiosa nesta Filosofia, qual seja mais precioso e de maiores quilates: se o primeiro amor, ou o segundo? Ao primeiro ninguém pode negar que é o primogénito do coração, o morgado dos afectos, a flor do desejo, e as primícias da vontade. Contudo, eu reconheço grandes vantagens no amor segundo. O primeiro é bisonho, o segundo é experimentado; o primeiro é aprendiz, o segundo é mestre: o primeiro pode ser ímpeto, o segundo não pode ser senão amor. Enfim, o segundo amor, porque é segundo, é confirmação e ratificação do primeiro, e por isso não simples amor, senão duplicado, e amor sobre amor. É verdade que o primeiro amor é o primogénito do coração; porém a vontade sempre livre não tem os seus bens vinculados. Seja o primeiro, mas não por isso o maior.
Coração ofendido não ama.