Passagens sobre Coração

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Frases sobre coração, poemas sobre coração e outras passagens sobre coração para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Para As Raparigas de Coimbra

1

Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.

2

Minha capa vos acoite
Que é p’ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar…

3

Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!

4

A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca…
Só pondo uma flor no anzol!

5

A lua é a hostia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d’uma certa farinha
Que não apanha bolor!

6

Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua agoa?
Qu’é dos prantos que eu chorei?

7

A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.

8

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Vaso Chinês

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Sêde de Amor

I

Vi-te uma vez e (novo
Extranho caso foi!)
Por entre tanto povo…
Tanta mulher… Suppõe

Que mãe estremecida
Via o seu filho andar
Sobre muralha erguida,
Onde o fizesse ir dar

Aquelle remoinho,
Aquella inquietação
D’um pobre innocentinho
Ainda sem razão!

E ora estendendo os braços…
Ora apertando as mãos…
Vendo-lhe o gesto, os passos,
Quantos esforços vãos,

O triste na cimalha
Faz por voltar atraz…
Sem vêr como lhe valha!
A vêr o que elle faz!

Pallida, exhausta, muda,
Os olhos uns tições,
Com que, a tremer, lhe estuda
As mesmas pulsações…

(Porque não é mais fundo
O mar no equador,
Nem é todo este mundo
Maior do que esse amor!

Mais vasto, largo e extenso
Todo esse céo tambem
Do que o amor immenso
D’um coração de mãe!)

Assim, n’essa agonia…
N’essa intima avidez…
É que entre os mais te eu ia
Seguindo d’essa vez!

Porque te adoro!… a ponto,

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A Falsa Polidez

As ofensas, que na verdade consistem sempre na exteriorização da falta de consideração, colocar-nos-iam bem menos fora de nós mesmos se, por um lado, não nutríssimos uma representação tão exagerada do nosso elevado valor e da nossa dignidade – portanto, um orgulho desmesurado – e, por outro, se estivéssemos bastante cientes daquilo que, via de regra, no fundo do coração, cada um crê e pensa dos outros.
Que contraste flagrante entre a susceptibilidade da maioria das pessoas à mais ténue alusão de censura a seu respeito, e aquilo que ouviriam de si, caso surpreendessem as conversas dos seus conhecidos! Deveríamos, antes, ter em mente que a polidez habitual é apenas uma máscara burlesca; desse modo, não gritaríamos tão alto todas as vezes que esta fosse deslocada ou retirada por um breve instante. . Decerto, assim o fazendo, desempenha uma figura bastante feia, como a maioria dos homens nesse estado.

Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos para a Sabedoria de Vida’

Sonhos Meus

Sonhos meus, suaves sonhos,
Sois melhores do que a verdade;
Quando sonho sou ditosa,
Sem o ser na realidade.

Amor, tu vens nos meus sonhos
Acalmar-me o coração;
Mas cruel! Quanto prometes
Não passa de uma ilusão.

Sonhei, tirano, esta noite,
Sonhei que tu me chamavas,
E que sobre a relva branda
Tu mesmo me acalentavas.

Disseste-me: “Dorme, Alcipe,
Amor sobre ti vigia,
Mal podes temer os fados.”

Dormi: neste dobre sono
Me achei n’um palacio d’ouro:
Entregaram-me uma chave
Para que abrisse um tesouro.

– “Chave mágica, sublime,
Que me vais tu descobrir?
Se é menos do que eu desejo
Será melhor não abrir…”

– “Abre, Alcipe” qual trovão
Brada o deus que me vigia:
Acordei sobressaltada,
E abriu-se, mas foi o dia.

Mocidade

A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…

A Armadura

Desenganos, traições, combates, sofrimentos,
Numa vida já longa acumulados, vão
— Como sobre um paul contínuos sedimentos,
Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração.

E a cinza com o tempo atinge uma espessura
Que nem os mais cruéis desesperos abalam;
É como tenebrosa, impávida armadura
Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam.

Impermeável da Inveja à peçonhenta bava,
Nela a Calúnia embota os seus dentes ervados;
Não há braço que possa amolgá-la, nem clava
Que nesse duro arnês se não faça em bocados.

E no entanto, através dessas rijas camadas,
Ou rompendo por entre as juntas da armadura,
Escorrem muita vez gotas ensanguentadas
Que o coração verteu dalguma chaga obscura…

Viver é lutar contra os demónios do coração e do cérebro. Escrever, é pronunciar sobre si o último julgamento.

Página Triste

Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!

Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,

Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botão…

Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!

Mas sabes tu o que é um homem de coração despedaçado e morto! Se fala, as suas palavras são terríveis e confusas como seriam as de um espectro. Se olha, o seu olhar tem centelhas de fogo que fazem aquecer as faces virgens como as da tua amante. Se respira, o seu hálito importuna e enjoa como a exalação de um cadáver!

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!

Reduze a pó
a memória dos homens,

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Afinal de contas, pensava ele, aquele coração, tão volúvel e estouvado, não devia ser meu; a traição mais tarde seria mais funesta.

O Tempo e o Tédio

Com respeito à natureza do tédio encontram-se frequentemente conceitos erróneos. Crê-se em geral que a novidade e o carácter interessante do seu conteúdo “fazem passar” o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e o vazio estorvam e retardam o seu curso. Mas não é absolutamente verdade. O vazio e a monotonia alargam por vezes o instante ou a hora e tornam-nos “aborrecidos”; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, pelo contrário, capaz de abreviar uma hora ou até mesmo o dia, mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de tal maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e voam. Portanto, o que se chama de tédio é, na realidade, antes uma simulação mórbida da brevidade do tempo, provocada pela monotonia: grandes lapsos de tempo quando o seu curso é de uma ininterrupta monotonia chegam a reduzir-se a tal ponto, que assustam mortalmente o coração; quando um dia é como todos, todos são como um só;

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O Dia Deu em Chuvoso

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias…
É preciso ser-se criança para os ter…
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer…
Quando foi isso?

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Não te amo

Não te amo, quero-te: o amor vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai! não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.

Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

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O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!