RuĂnas
I
E Ă© triste ver assim ir desfolhando,
VĂŞ-las levadas na amplidĂŁo do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mães, o eterno altar.Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vĂŁo perdidas, vĂŁo boiando
Nesta corrente elĂ©ctrica do mar!…Ă“ ciĂŞncia, minha amante, Ăł sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lábio conheceu piedade!Mas caia embora o velho paraĂso,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.II
Morreu-me a luz da crença — alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razão.Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herĂłi antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.A implacável, a rĂgida ciĂŞncia
Deixou-me unicamente a ProvidĂŞncia,
Passagens sobre Crença
223 resultadosContágio Mental
O contágio mental representa o elemento essencial da propagação das opiniões e das crenças. A sua força Ă©, muitas vezes, bastante considerável para fazer agir o indivĂduo contra os seus interesses mais evidentes. As inumeráveis narrações de martĂrios, de suicĂdios, de mutilações, etc., determinados por contágio mental fornecem uma prova disso.
Todas as manifestações da vida psĂquica podem ser contagiosas, mas sĂŁo, especialmente, as emoções que se propagam desse modo. As ideias contagiosas sĂŁo sĂnteses de elementos afectivos.
Na vida comum, o contágio pode ser limitado pela acção inibidora da vontade, mas, se uma causa qualquer – violenta mudança de meio em tempo de revolução, excitações populares, etc. – vĂŞm paralisá-la, o contágio exercerá facilmente a sua influĂŞncia e poderá transformar seres pacĂficos em ousados guerreiros, plácidos burgueses em terrĂveis sectários. Sob a sua influĂŞncia, os mesmos indivĂduos passarĂŁo de um partido para outro e empregarĂŁo tanta energia em reprimir uma revolução quanto em fomentá-la.
O contágio mental nĂŁo se exerce somente pelo contacto direto dos indivĂduos. Os livros, os jornais, as notĂcias telegráficas, mesmo simples rumores, podem produzi-lo.
Quanto mais se multiplicam os meios de comunicação tanto mais se penetram e se contagiam. A cada dia estamos mais ligados àqueles que nos cercam.
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.Com o lĂmpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães
O Perfeito Controle da Alegria e da Dor
Alegria desmedida e dor muito violenta acometem sempre e apenas a mesma pessoa: pois ambas se condicionam reciprocamente e sĂŁo tambĂ©m condicionadas juntas por uma grande vivacidade do espĂrito. Ambas sĂŁo causadas, nĂŁo pelo simples presente, mas pela antecipação do futuro. No entanto, visto que a dor Ă© essencial Ă vida e, pelo seu grau, Ă© tambĂ©m determinada pela natureza do sujeito – o que implica que, na realidade, modificações repentinas, sendo sempre externas, nĂŁo podem mudar o seu grau -, na base do jĂşbilo ou da dor excessivos há sempre um erro e uma falsa crença: por conseguinte, essas duas exaltações do espĂrito poderiam ser evitadas com o uso do juĂzo.
Todo o júbilo desmedido repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes. Mais tarde, é inevitável que nos separemos de cada ilusão dessa espécie, pagando-a então, quando desaparece, com igual dor amarga, independentemente da alegria que o seu surgimento nos tenha proporcionado.
Nesse sentido, ela assemelha-se por completo a uma altura da qual o Ăşnico momento de descer novamente Ă© a queda, de maneira que deveria ser evitada: e toda a dor repentina ou excessiva Ă© justamente apenas a queda de tal altura,
O tĂ©dio Ă© a falta de uma mitologia. A quem nĂŁo tem crenças, atĂ© a dĂşvida Ă© impossĂvel, atĂ© o cepticismo nĂŁo tem força para desconfiar.
Aparentes Fazedores do Tempo na PolĂtica
Tal como o povo, perante quem seja entendido no tempo e o preveja com um dia de antecedĂŞncia, admite tacitamente que ele faz o tempo, assim tambĂ©m mesmo pessoas cultas e doutas, recorrendo a uma fĂ© supersticiosa, atribuem aos grandes estadistas todas as alterações e conjunturas importantes que se deram durante o seu governo, como se estas fossem a sua obra mais pessoal, quando Ă© simplesmente visĂvel que aqueles souberam alguma coisa do assunto mais cedo do que outros e fizeram o seu cálculo em conformidade: portanto, sĂŁo tambĂ©m tomados por fazedores do tempo… e essa crença nĂŁo Ă© o mais insignificante instrumento do seu poder.
Eu tenho tido muita sorte, pelo que sinto uma dĂvida por isso, e tendo reduzir a desigualdade no mundo. É uma espĂ©cie de crença religiosa. Quero dizer, Ă© pelo menos uma convicção moral.
A crença num Deus cruel faz o homem cruel.
A missão do herege é confirmar a crença pelo desafio.
A Vida é Absoluta Convicção
A vida é primariamente encontrar-se, cada qual, submergido entre as coisas, e enquanto é apenas isso consiste em sentir-se absolutamente perdido. A vida é perdição. Mas por isso mesmo obriga, quer queiramos quer não, a um esforço para se orientar no caos, para se salvar dessa perdição. Este esforço é o conhecimento que extrai do caos um esquema de ordem, um cosmos. Este esquema do universo é o sistema das nossas ideias ou convicções vigentes. Quer queiramos quer não, vivemos com convicções e de convicções. O mais teoreticamente céptico existe apoiando-se num suporte de crenças sobre o que as coisas são. A vida é absoluta convicção. A dúvida intelectual mais extrema é vitalmente uma absoluta convicção de que tudo é duvidoso. E algo ou tudo ser duvidoso não é uma crença num ser menor do que qualquer outra de aspecto mais positivo.
Aos Realistas
Ă“ seres frios que vos sentis tĂŁo couraçados contra a paixĂŁo e a quimera e que tanto gostarĂeis de fazer da vossa doutrina um adorno e um objecto de orgulho, dais-vos o nome de realistas e dais a entender que o mundo Ă© verdadeiramente tal como vos aparece; que sois os Ăşnicos a ver a verdade isenta de vĂ©us e que sois vĂłs talvez a melhor parte dessa verdade… Ăł queridas imagens de Sais! Mas nĂŁo sereis ainda vĂłs prĂłprios, mesmo no vosso estado mais despojado, seres surpreendentemente obscuros e apaixonados se vos compararmos aos peixes? NĂŁo sereis ainda demasiado parecidos com artistas apaixonados? E o que vem a ser a «realidade» aos olhos de um artista apaixonado? Ainda nĂŁo deixaste de julgar as coisas como fĂłrmulas que tĂŞm a sua origem nas paixões e nos complexos amorosos dos sĂ©culos passados! A vossa frieza está ainda cheia de uma secreta e inextirpável embriaguez!
O vosso amor pela «realidade», se for necessário escolher-vos um exemplo, que coisa antiga! Que velho «amor»! Não há sentimento, sensação, que não contenham uma certa dose, que não tenham sido, também, trabalhados e alimentados por qualquer exagero da imaginação, por um preconceito, uma sem-razão, uma incerteza,
Humilde Ă© a pessoa que nĂŁo afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e nĂŁo aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação Ă© consentir na humilhação do seu prĂłprio Deus.
Um homem não deve engolir mais crenças do que ele pode digerir.
Coragem Aparente
O soldado está convencido de que tem diante de si um espaço de tempo infinitamente adiável antes que o matem; o ladrĂŁo, antes que o prendam; o homem, em geral, antes que o arrebate a morte. Esse Ă© o amuleto que preserva os indivĂduos – e Ă s vezes os povos – nĂŁo do perigo, mas do medo ao perigo; na verdade, da crença no perigo, motivo pelo qual o desafiam em certos casos, sem que sejam necessariamente bravos.
Na Igreja, considerada como organismo social, os mistérios inevitavelmente degeneram em crenças.
Sempre E Sempre
De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
Gêmeas, ardentes, novas, inspiradas;Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂ´nico das fontes,
Sempre fitando a cĂşspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;Sempre embebendo os lĂmpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,Vão nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.
Crença e Intolerância
A necessidade de fĂ© nĂŁo foi absolutamente provocada pelas religiões; foi ela, ao contrário, que as suscitou. As divindades nĂŁo fazem mais do que fornecer um objecto ao nosso desejo de crer. Desde que ele se desvia das divindades, o homem entrega-se a uma fĂ© qualquer, quimeras polĂticas, sortilĂ©gios ou feitiços. (…) Uma das mais constantes caracterĂsticas gerais das crenças Ă© a sua intolerância. Ela Ă© tanto mais intransigente quanto mais forte Ă© a crença. Os homens dominados por uma certeza nĂŁo podem tolerar aqueles que nĂŁo a aceitam.
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Civilização e Religião Condicionam-se Uma à Outra
Quando a civilização formulou o mandamento de que o homem nĂŁo deve matar o prĂłximo a quem odeia, que se acha no seu caminho ou cuja propriedade cobiça, isso foi claramente efetuado no interesse comunal do homem, que, de outro modo, nĂŁo seria praticável, pois o assassino atrairia para si a vingança dos parentes do morto e a inveja de outros, que, dentro de si mesmos, se sentem tĂŁo inclinados quanto ele a tais actos de violĂŞncia. Assim, nĂŁo desfrutaria da sua vingança ou do seu roubo por muito tempo, mas teria toda a possibilidade de ele prĂłprio em breve ser morto. Mesmo que se protegesse contra os seus inimigos isolados atravĂ©s de uma força ou cautela extraordinárias, estaria fadado a sucumbir a uma combinação de homens mais fracos. Se uma combinação desse tipo nĂŁo se efectuasse, o homicĂdio continuaria a ser praticado de modo infindável e o resultado final seria que os homens se exterminariam mutuamente. ChegarĂamos, entre os indivĂduos, ao mesmo estado de coisas que ainda persiste entre famĂlias na CĂłrsega, embora, em outros lugares, apenas entre nações. A insegurança da vida, que constitui um perigo igual para todos, une hoje os homens numa sociedade que proĂbe ao indivĂduo matar,
Elegia de Natal
Era também de noite   Era também Dezembro
Vieram-me dizer que o meu irmĂŁo nascera
Já não sei afinal se o recordo ou se penso
que estou a recordá-lo à força de o dizeremMas o teu berço foi o primeiro presépio
em que pouco depois o meu olhar pousava
Não era mais real do que existirem prédios
nem menos irreal do que haver madrugadasDezembro retornava e nunca soube ao certo
se o intruso era eu se o intruso eras tu
Quase aceitava até que alguém te supusesse
mais do que meu irmão um gémeo de JesusPara ti se encenava o palco da surpresa
Entravas no papel de que eu ia descrendo
Mas sabia-me bem salvar a tua crença
E era sempre de noite   Era sempre em DezembroEntretanto em que mês em que dia é que estamos
Que verdete corrói prédios e madrugadas
De que muro retiro o musgo desses anos
que entre os dedos depois se me desfaz em águaPara onde levaste a criança que foste
Em vez da tua voz que ciprestes sĂŁo estes
Como dizer Natal se te nĂŁo vejo hoje
Como dizer Natal agora que morreste