Passagens sobre Entranhas

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Frases sobre entranhas, poemas sobre entranhas e outras passagens sobre entranhas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Esta Noite Morrerás

Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca
o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo
apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu par-
tiste e no meu leito crescem folhas sangue.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um
prisma,

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Ser Feliz é uma Responsabilidade Muito Grande

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus.

Poupar a Vontade

Em comparação com o comum dos homens, poucas coisas me atingem, ou, dizendo melhor, me prendem; pois é razoável que elas atinjam, contanto que não nos possuam. Tenho grande zelo em aumentar pelo estudo e pela reflexão esse privilégio de insensibilidade, que em mim é naturalmente muito saliente. Desposo – e consequentemente me apaixono por – poucas coisas. A minha visão é clara, mas detenho-a em poucos objectos; a sensibilidade, delicada e maleável. Mas a apreensão e aplicação, tenho-a dura e surda: dificilmente me envolvo. Tanto quanto posso, emprego-me todo em mim; porém mesmo nesse objecto eu refrearia e suspenderia de bom grado a minha afeição para que ela não se entregasse por inteiro, pois é um objecto que possuo por mercê de outrém e sobre o qual a fortuna tem mais direito do que eu. De maneira que até a saúde, que tanto estimo, ser-me-ia preciso não a desejar e não me dedicar a ela tão desenfreadamente a ponto de achar insuportáveis as doenças. Devemos moderar-nos entre o ódio e o amor à voluptuosidade; e Platão receita um caminho mediano de vida entre ambos.
Mas às paixões que me distraem de mim e me prendem alhures, a essas certamente me oponho com todas as minhas forças.

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As Entranhas da Terra na Vida de um Homem

Ao fim dos primeiros dias de trabalho, deu por si de pé no centro do corredor, percorrendo as divisões com o olhar, e julgou perceber melhor a massa de que era feito o seu povo. Tudo oxidava. Os metais oxidavam, as madeiras oxidavam, as paredes e os tecidos e os objectos oxidavam — e o que não oxidava enchia-se de salitre, ressequia ao sol ou, sobrevivendo aos abalos de terra, tombava à fúria do vento. E, no entanto, havia algo de belo nisso também, como se ao cabo de uma só vida um homem pudesse dizer, sem grande esforço metonímico, que as entranhas da Terra se revolviam no interior do seu próprio estômago.

O silêncio é a minha maior tentação. As palavras, esse vício ocidental, estão gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. Também apaziguam, é certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega até nós, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de música suprema! A plenitude do silêncio só os orientais a conhecem.

Eu Peneiro o Espírito e Crivo o Ritmo

Eu peneiro o espírito e crivo o ritmo
Do sangue no amor, o movimento para fora
O desabrigo completo. Peneiro os múltiplos
Sentidos da palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos. Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silêncio inigualável de quem escuta

Eis porque as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cítara

Eu peneiro as entranhas e encontro a dor
De quem toca a cítara. A frágil raiz
De quem criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais azul, a veia inesgotável
De quem ama
Encontro o silêncio nas entranhas de quem canta

Eis porque o amor vibra no espírito de quem criva

O músico incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a água viva. Crivo
O sofrimento demorado do canto
Encontro o mistério
Da cítara

As Paixões Humanas

Eu considero inteligente o homem que em vez de desprezar este ou aquele semelhante é capaz de o examinar com olhar penetrante, de lhe sondar por assim dizer a alma e descobrir o que se encontra em todos os seus desvãos. Tudo no homem se transforma com grande rapidez; num abrir e fechar de olhos, um terrível verme pode corroer-lhe as entranhas e devorar-lhe toda a sua substância vital. Muitas vezes uma paixão, grande ou mesquinha pouco importa, nasce e cresce num indivíduo para melhor sorte, obrigando-o a esquecer os mais sagrados deveres, a procurar em ínfimas bagatelas a grandeza e a santidade. As paixões humanas não têm conta, são tantas, tantas, como as areias do mar, e todas, as mais vis como as mais nobres, começam por ser escravas do homem para depois o tiranizarem.
Bem-aventurado aquele que, entre todas as paixões, escolhe a mais nobre: a sua felicidade aumenta de hora a hora, de minuto a minuto, e cada vez penetra mais no ilimitado paraíso da sua alma. Mas existem paixões cuja escolha não depende do homem: nascem com ele e não há força bastante para as repelir. Uma vontade superior as dirige, têm em si um poder de sedução que dura toda a vida.

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A natureza da opressão das mulheres é única: as mulheres são oprimidas enquanto mulheres, sem considerações de classe ou raça; algumas mulheres têm acesso à riqueza significativa, mas essa riqueza não significa poder; mulheres podem ser encontradas em todo lugar, mas não possuem ou controlam nenhum território apreciável; mulheres vivem com aqueles que as oprimem, dormem com eles, têm seus filhos — nós estamos entrelaçadas, desesperadamente parece, nas entranhas do mecanismo e do modo de vida que é danoso para nós.

O quotidiano contém em si o abuso do quotidiano: o quotidiano tem a tragédia do tédio da repetição. Mas há uma escapatória: é que a grande realidade é fora de série, como um sonho nas entranhas do dia.

Sou a Tua Casa

Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maçã que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz do outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória,

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As catacumbas não eram apenas lugares para escapar às perseguições, mas eram, sobretudo, lugares de oração, para santificar os domingos e para elevar, das entranhas da terra, a adoração a um Deus que nunca esquece os Seus filhos.

O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.

Fábula

Estavam ali diante dos meus olhos: era terrível e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princípio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que não, que talvez ambos estivessem a morrer, só depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. Então todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, àquela respiração fatigada e difícil, àquele balbucio que lhes saía ralo da boca.
Os seio de Maria caíam nus da blusa. Uma das mãos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rígido e fremente, ao mesmo tempo, à força de concentrar todo o ímpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o céu branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.

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Natal

1

A voz clamava no Deserto.

E outra Voz mais suave,
Lírio a abrir, esvoaçar incerto,
Tímido e alvente, de ave
Que larga o ninho, melodia
Nascente, docemente,
Uma outra Voz se erguia…

A voz clamava no Deserto…

Anunciando
A outra Voz que vinha:
Balbuciar de fonte pequenina,
Dando
À luz da Terra o seu primeiro beijo…
Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.

2

Das entranhas profundas
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia,
– À distância de Séculos, – dizia,
Pressentia
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo
Os cárceres do mundo…

A voz dura e ardente
Clamava no Deserto…

Natal de Primavera,
A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante,
Mais humana e mais doce
E irmã dos Poetas
Que a voz trovejante
Dos profetas
Solitários.

3

A divina alvorada
Trazia
Lírios no regaço
E rosas.
Natal. Primeiro passo
Da secular Jornada,
Era um canto de Amor
A anunciar Calvários,

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Neblina

Um dedo a bordo aponta
a neblina sentada, sustentada
sobre o topo do monte.

O céu está todo azul, com excepção
daqueles trapos brancos, como roupa
de alguém que passou por uma planta
com espinhos e não se acautelou.

É uma espécie de água altaneira,
evadida do rio,
que ora entremostra ora esconde
fragadas, pinhal, terra
arroteada.

Sim, concedo,
é muito sugestivo.

Mas, cansado de pairar
nestes transes de lirismo
que me escaldam sem me purificar,
prefiro a água propriamente dita:
água com peso,
esta boa água, sólida, palpável,
que, poupando-me a pele,
me humedece as entranhas
(para não falar dos olhos,
mas isso é outra história)

– e à flor da qual se repete
a neblina do monte.

Ou não fosse o rio um espelho
antes de rio.

Não Há Amor como o Primeiro

Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor — é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.

Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.

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Deixai Entrar A Morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, não encontrou nada!

Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido!…

A Alvorada do Amor

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

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A Canção do Suicida

Só mais um momento.
Que voltem sempre a cortar-me
a corda.
Há pouco estava tão preparado
e havia já um pouco de eternidade
nas minhas entranhas.

Estendem-me a colher,
esta colher de vida.
Não, quero e já não quero,
deixem-me vomitar sobre mim.

Sei que a vida é boa
e que o mundo é uma taça cheia,
mas a mim não me chega ao sangue,
a mim só me sobe à cabeça.

Aos outros alimenta-os, a mim põe-me doente;
compreendei que há quem a despreze.
Durante pelo menos mil anos
preciso agora fazer dieta.

Tradução de Maria João Costa Pereira