Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Exclamativos
2657 resultadosLouvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soía,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.Que ardesse n’um só fogo não queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tão cansado sofrimento!
Marília De Dirceu
Soneto 1
É gentil, é prendada a minha Altéia;
As graças, a modéstia de seu rosto
Inspiram no meu peito maior gosto
Que ver o próprio trigo quando ondeia.Mas, vendo o lindo gesto de Dircéia
A nova sujeição me vejo exposto;
Ah! que é mais engraçado, mais composto
Que a pura esfera, de mil astros cheia!Prender as duas com grilhões estritos
É uma ação, ó deuses, inconstante,
Indigna de sinceros, nobres peitos.Cupido, se tens dó de um triste amante,
Ou forma de Lorino dois sujeitos,
Ou forma desses dois um só semblante.
Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma…Versos!… Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês…
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria…Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…
O Beija-Flor
Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim – a pátria da ambrosia.Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro…
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, n’essa manhã tão fria!Um dia, foi-se e não voltou… Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho…Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:Da fome já não se fala
– é tão vulgar que nos cansa –
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?Do frio não reza a história
– a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram círios
Acesos n’um cemitério…Têm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho Mausoléu!…— Mausoléu, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memórias saudosas do Ido ao Céu!…— Oh Pérpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
Vita Nuova
Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? que importa,Se inda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!
Canto De Onipotência
Cloto, Átropos, Tifon, Laquesis, Siva…
E acima deles, como um astro, a arder,
Na hiperculminação definitiva
O meu supremo e extraordinário Ser!Em minha sobre-humana retentiva
Brilhavam, como a luz do amanhecer,
A perfeição virtual tornada viva
E o embrião do que podia acontecer!Por antecipação divinatória,
Eu, projetado muito além da História,
Sentia dos fenômenos o fim.. .A coisa em si movia-se aos meus brados
E os acontecimentos subjugados
Olhavam como escravos para mim!
O Amor é Mais Forte
Os amantes de hoje preferem a droga mais leve, o tabaco mais light ou o café descafeinado. Já ninguém quer ficar pedrado de amor ou sofrer de uma overdose de paixão. As emoções fortes são fracas e as próprias fraquezas revelam-se mais fortes. Os amantes, esses, são igualmente namorados da monotonia e amigos íntimos da disciplina. O que está fora de controlo causa-lhes confusão, e afecta-lhes uma certa zona do cérebro, mas quase nunca lhes toca o coração. O amor devia ser sonhado e devia fazê-los voar; em vez disso é planeado, e quanto muito, fá-los pensar.
Sobre o amor não se tem controlo. É um sentimento que nos domina, que nos sufoca e que nos mata. Depois dá-nos um pouco vida. No amor queremos viver, mas pouco nos importa morrer e estamos sempre dispostos a ir mais além. Deixamo-nos cair em tentação, e não nos livramos do mal, embora procuremos o bem. No amor também se tem fé, mas não se conhecem orações: amamos porque cremos, porque desejamos e porque sabemos que o amor existe. Amamos sem saber se somos amados, e por isso podemos acabar desolados, isolados e deprimidos. Que se lixe! O amor não é justo,
O Vento que Decidirmos Ser
Uma das mais importantes escolhas que cada um de nós deve fazer é a de escolhermos qual o foco prin-cipal da nossa atenção e cuidado. Se o mundo à nossa volta, a fim de o mudar, ou se o interior de nós mesmos.
Quase todos os bens e males da nossa existência partem do nosso interior, pelo que será aí que importa aperfeiçoar, de forma profunda, tudo o que existe no nosso íntimo.
Um dos trabalhos mais importantes de cada um de nós será o de saber bem o que queremos. O segredo da felicidade pode estar aí: alterar em nós o que nos possa estar a causar desnecessárias ansiedades. Quantas vezes desejamos algo que está fora da nosso controlo?
Existem três tipos de coisas: as que dependem apenas de nós; as que escapam por completo à nossa decisão; e, aquelas sobre as quais temos algum controlo, mas não total.Se fizermos a nossa alegria depender de algo que não está na nossa mão, então será fácil que nos sinta-mos roubados de algo que, na verdade, nunca foi nosso. Mesmo nos casos em que o conseguimos obter, a ansiedade associada à posse, até pela iminência de o perder da mesma forma que o ganhámos,
A Sabedoria e a Alegria
Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.
Toda a gente, repito, tende para um objectivo: a alegria, mas ignora o meio de conseguir uma alegria duradoura e profunda. Uns procuram-na nos banquetes, na libertinagem; outros, na satisfação das ambições, na multidão assídua dos clientes;
As Minhas Rosas
Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?
Estes Sítios!
Olha bem estes sítios queridos,
Vê-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois não sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocência e vigor!
Oh! aqui, aqui só se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui só vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o níveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocência infantil do pudor.
E oh! deixar tais delícias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razão à impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono à vaidade,
Ter de rir nas angústias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! não, não… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize à sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
XLIV
Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsíssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto não mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.
O Vil Metal
Timão: Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! (…) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente. Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (…) [O ouro] arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores. É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (…). Venha, mineral execrável, prostituta vil da humanidade (…) eu o farei executar o que é próprio da sua natureza.
Ciúme
Encontro em ti tudo o que imaginara
na mulher, para ser o meu ideal;
– não é só teu olhar, tua voz clara,
e essa expressão que tens, sentimental!…Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,
de quem não sabe onde se encontra o mal,
ou teu riso feliz, que se compara
ao tinir de uma taça de cristal…É tudo em ti, traço por traço, tudo!
As tuas mãos são rendas de ternura;
teus carinhos, macios, de veludo.Por isso mesmo é que é maior a dor,
quando amargo a mais íntima tortura
por não ter sido o teu primeiro amor…
A Felicidade de uma Razão Perfeita
Creio que estaremos de acordo em que é para proveito do corpo que procuramos os bens exteriores; em que apenas cuidamos do corpo para benefício da alma, e em que na alma há uma parte meramente auxiliar – a que nos assegura a locomoção e a alimentação – da qual dispomos tão somente para serviço do elemento essencial. No elemento essencial da alma há uma parte irracional e outra racional; a primeira está ao serviço da segunda; esta não tem qualquer ponto de referência além de si própria, pelo contrário, serve ela de ponto de referência a tudo. Também a razão divina governa tudo quanto existe sem a nada estar sujeita; o mesmo se passa com a nossa razão, que, aliás, provém daquela.
Se estamos de acordo nesse ponto, estaremos necessariamente também de acordo em que a nossa felicidade depende exclusivamente de termos em nós uma razão perfeita, pois apenas esta impede em nós o abatimento e resiste à fortuna; seja qual for a sua situação, ela manter-se-á imperturbável. O único bem autêntico é aquele que nunca se deteriora.
O homem feliz, insisto, é aquele que nenhuma circunstância inferioriza; que permanece no cume sem outro apoio além de si mesmo,