A coragem é quase uma contradição em termos. Significa um forte desejo de viver, sob a forma de disposição para morrer
Passagens sobre Forma
1366 resultadosDe forma que gastar tempo é hoje o único fim da minha existência deserta. Se viajo, se escrevo – se vivo, numa palvra, creia-me: é só para consumir instantes. Mas dentro em pouco – já o pressinto – isto mesmo me saciará. E que fazer então? Não sei… não sei… Ah! que amargura infinita…
O Verdadeiro é Simples
O verdadeiro, o bom, o inigualável é simples e é sempre idêntico a si mesmo, seja qual for a forma sob a qual ocorre. Pelo contrário, o erro, sobre o qual sempre recairá a censura, é de uma extrema diversidade, diferente em si mesmo, em luta não apenas contra o verdadeiro e bom mas também consigo mesmo, sempre em contradição consigo próprio. É por isso que em todas as literaturas as expressões de censura hão-de ser sempre muito mais que as palavras destinadas aos louvores.
Respeite a Você Mais do que aos Outros
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. (…) Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. (…) Pretendia apenas lhe contar o meu novo carácter, ou falta de carácter. (…) Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu… em que pese a dura comparação… Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões – cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. (…) Uma amiga, um dia desses, encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante,
A Arte e a Vida
A arte baseia-se na vida, porém não como matéria mas como forma. Sendo a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado de si-mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si-mesmo tem que tirar de si a matéria em que realiza.
De Um e de Dois, de Todos
Sou o espectador o actor e o autor
Sou a mulher o marido e o filho
E o primeiro amor e o derradeiro amor
E o furtivo transeunte e o amor confundidoE de novo a mulher seu leito e seu vestido
E seus braços partilhados e o trabalho do homem
E seu prazer em flecha e a fêmea ondulação
Simples e dupla a carne nunca se exilaPois onde começa um corpo ganho eu forma e
[consciência
E mesmo quando na morte um corpo se desfaz
Eu repouso em seu cadinho desposo o seu
[tormento
Sua infâmia me honra o coração e a vida.Tradução de António Ramos Rosa
Pintura
Onde se diz espiga
leia-se narciso.
Ou leia-se jacinto.
Ou leia-se outra flor.
Que pode ser a mesma.As flores
são formas
de que a pintura se serve
para disfarçar
a natureza. Por isso
é que
no perfil
duma flor
está também pintado
o seu perfume.
Nunca Mostrar Espírito e Entendimento
Como ainda é inexperiente quem supõe que, ao mostrar espírito e entendimento, recorre a um meio seguro para fazer-se benquisto em sociedade! Na verdade, na maioria das pessoas, tais qualidades despertam ódio e rancor, que serão tão mais amargos quanto quem os sentir não tiver o direito de externar o motivo, chegando até a dissimulá-lo para si mesmo. Isso acontece da seguinte forma: se alguém nota e sente uma grande superioridade intelectual naquele com quem fala, então conclui tacitamente e sem consciência clara que este, em igual medida, notará e sentirá a sua inferioridade e a sua limitação. Essa conclusão desperta o ódio, o rancor e a raiva mais amarga.
(…) Mostrar espírito e entendimento é uma maneira indirecta de repreender nos outros a sua incapacidade e estupidez. Ademais, o indivíduo comum revolta-se ao avistar o seu oposto, sendo a inveja o seu instigador secreto. A satisfação da vaidade é, como se pode ver diariamente, um prazer que as pessoas colocam acima de qualquer outro, mas que só é possível por intermédio da comparação delas próprias com os demais. No entanto, nenhum mérito torna o homem mais orgulhoso do que o intelectual: só neste repousa a sua superioridade em relação aos animais.
Assim como a cera, naturalmente dura e rígida, torna-se, com um pouco de calor tão moldável que se pode levá-la a tomar a forma que se desejar, também se pode, com um pouco de cortesia e amabilidade, conquistar os obstinados e os hostis.
Uma das formas de saúde é a doença. Um homem perfeito, se existisse, seria o ser mais anormal que se poderia encontrar.
Obra Suprema
É notável que toda a obra de fôlego, pela qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.
Nascem as grandes obras da literatura com um carácter análogo ao das grandes crenças religiosas: nelas a um tempo se encontra, e numa mistura indestrinçável, a arte, a moral, e a metafísica.
Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção individual se reúnem e se fundem…
Uma pessoa continua a trabalhar porque o trabalho é uma forma de diversão. Mas temos de ter cuidado para não deixarmos a diversão tornar-se demasiado penosa.
Seja como for, continuo gostando muito de você ? da mesma forma, você está quase sempre perto de mim, quase sempre presente em memórias, lembranças, estórias que conto às vezes, saudade.
Julgar sem Ira
Não há paixão que tanto abale a integridade dos julgamentos quanto a cólera. Ninguém hesitaria em punir de morte o juiz que, por cólera, houvesse condenado o seu criminoso; por que será mais permitido aos pais e aos professores açoitar as crianças e castigá-las estando encolerizados? Isso já não é correcção: é vingança. O castigo faz papel de remédio para as crianças; e toleraríamos um médico que estivesse animado e encolerizado contra o seu paciente?
Nós mesmos, para agir bem, não deveríamos pôr a mão nos nossos serviçais enquanto nos perdurar a cólera. Enquanto o pulso nos bater e sentirmos emoção, adiemos o acerto; as coisas na verdade vão parecer-nos diferentes quando estivermos calmos e arrefecidos: agora é a paixão que comanda, é a paixão que fala, não somos nós. Através dela as faltas parecem-nos maiores, como os corpos no meio do nevoeiro. Quem tiver fome faça uso de alimento; mas quem quiser fazer uso do castigo não deve sentir fome nem sede dele. E, além disso, as punições que se fazem com ponderação e discernimento são muito mais bem aceites e com melhor proveito por quem as recebe. De outra forma, ele não considera que foi condenado justamente,
A Universalidade de uma Opinião
A universalidade de uma opinião, tomada seriamente, não constitui nem uma prova, nem um fundamento provável, da sua exactidão. Aqueles que a afirmam devem considerar que: 1) o distanciamento no tempo rouba a força comprobatória dessa universalidade; caso contrário, precisariam de evocar todos os antigos equívocos que alguma vez foram universalmente considerados verdade: por exemplo, estabelecer o sistema ptolemaico ou o catolicismo em todos os países protestantes; 2) o distanciamento no espaço tem o mesmo efeito: caso contrário, a universalidade de opinião entre os que confessam o budismo, o cristianismo e o islamismo os constrangerá.
O que então se chama de opinião geral é, a bem da verdade, a opinião de duas ou três pessoas; e disso nos convenceríamos se pudéssemos testemunhar como se forma tal opinião universalmente válida.
Acharíamos então que foram duas ou três pessoas a supor ou apresentar e a afirmar num primeiro momento, e que alguém teve a bondade de julgar que elas teriam verificado realmente a fundo tais colocações: o preconceito de que estes seriam suficientemente capazes induziu, em princípio, alguns a aceitar a mesma opinião: nestes, por sua vez, acreditaram muitos outros, aos quais a própria indolência aconselhou: melhor acreditar logo do que fazer controles trabalhosos.
Tirem-me os Deuses o Amor, Glória e Riqueza
Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objetos
Tem abrigo seguro.Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo,
Sua riqueza a vida.A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objetos.O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
A formosura, que não é senão a harmonia rigorosa das formas, é muito rara. O que não é raro é a graça, a simpatia, o indizível que vos encanta, sem vos dar tempo a estudar a irregularidade de um nariz, ou o defeito de uma testa.
A história da humanidade é um processo contínuo de transformação de valores. É verdade que o tempo que vivemos se caracteriza pelo desaparecimento de valores tradicionais, sem que apareçam, de uma forma clara, valores novos capazes de informar eticamente as sociedades.
Não será a morte – até, talvez, fisiologicamente vista – uma espécie de nascimento – o nascimento, talvez, do que era incompleto numa forma completa ou pura?