Amor Místico
Quando a minha alma nasceu
Para onde olhou primeiro,
E viu tudo um nevoeiro,
Foi lá cima para o céu…
Que a alma nunca lhe passa
De ideia a fonte da graça!Em toda a ânsia de luz,
Em toda a ânsia de gozo,
Sempre aquele olhar ansioso
Nesse ideal de Jesus…
Nesse bem que não se exprime…
Êxtase de amor sublime!Olhava da solidão,
Onde se sentia presa,
Com a natural tristeza
Dos ferros de uma prisão…
À espera sempre da hora
Que lhe raiasse a aurora!Bem a chamavam de cá
Sempre os cuidados do dia;
Ela, que nunca os ouvia,
Olhava, mas para lá…
Donde ela mesmo viera,
Donde todo o bem se espera!Um dia (nem eu sei qual,
Que em suma foi isso há tanto!)
Vê com uns olhos de espanto
Romper-se a névoa geral;
E como um sol recortado
Nesse mar enevoado…E dentro desse clarão,
Como em círculo de prata,
Que imagem se lhe retrata,
Fosse verdade ou visão?
Passagens sobre Gozo
139 resultadosAvena Pastoral
Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prêmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscêniodo palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boêmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstêmiocanto, de partitura tão antiga,
em que tecidos sons alucinados
são sedas de silêncio na cantiga.Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.
Não odeio ninguém, nem mesmo o maldoso. Tenha pena dele, porque nunca conhecerá o único gozo que consola a vida: fazer o bem.
O que se Passa na Cama
O que se passa na cama
é segredo de quem ama.É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pénis.Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçuarana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pénis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda húmidos de sémen,
estes segredos de cama.
Os Grandes Indiferentes
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
A Pior Coisa é a Liberdade
A pior coisa é a liberdade. A liberdade de qualquer tipo é o pior para a criatividade. Quando estive dois meses na prisão em Espanha, esses dois meses foram os que me deram mais gozo e os mais felizes da minha vida. Antes de ter ido para a prisão, estava sempre nervoso, ansioso. Estava sempre em dúvida se deveria fazer uma pintura, ou talvez um poema, ou se deveria ir ao cinema ou ao teatro, ou ir ter com uma rapariga, ou ir brincar com os rapazes. Mas puseram-me na prisão, e a minha vida tornou-se divina.
De Amor os gozos são como o diamante,
Que, sem o engaste que tocar-lhe veda,
Perdera a polidez, perdera o brilho.
Após O Noivado
Em flácido divã ela resvala
Na alcova — bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente
Parece que a razão de gozo, estala.Mas eis — corre-se então nívea cortina:
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergéis a luz divina…Depois… Oh! Musa audaz, ousada, e nua,
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal — Vamos… recua!…
Só a Natureza é Divina, e Ela não é Divina…
Só a natureza é divina, e ela não é divina…
Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos
homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado…
Bendito seja eu por tudo quanto sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
Felicidade Divina
Digam-nos desde já: se a alma se extingue na sepultura, de onde nos vem o desejo de felicidade que nos atormenta? As nossas paixões terrenas facilmente se fartam: amor, ambição, cólera, tem uma segura plenitude de gozo; a ância de felicidade é a única que carece de satisfação como objecto, porque se não sabe o que é esta felicidade que se quer. Força é concordar que, se tudo é matéria, a natureza, neste caso enganou-se estranhamente, fez um sentimento sem aplicação.
É certo que a nossa alma deseja eternamente; apenas alcança o objecto da sua cobiça, deseja de novo; o universo inteiro não a sacia. O infinito é o campo único que lhe convém; apraz-se em desorientar-se no labirinto dos números, e conceber as máximas e as mínimas dimensões. Em fim, repleta, mas não saciada do que devorou, atira-se ao seio de Deus, onde convergem as ideias do infinito em perfeição, em tempo, e em espaço; ela, porém, não se ingolfa na Divindade senão porque essa Divindade é cheia de trevas, Deus absconditus.
Se lhe fosse clara a intuição divina, desdenha-la-ia como a tudo que está sujeito à sua compreensão. E com razão talvez; porque se a alma se explicasse ao justo o eterno princípio,
Mal de muitos, gozo é.
A moderação aumenta o gozo e acresce o prazer.
A Razão é Contrária à Felicidade
Quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento; e daí provém que em muitas pessoas, e nomeadamente nas mais experimentadas no uso da razão, se elas quiserem ter a sinceridade de o confessar, surja um certo grau de misologia, quer dizer de ódio à razão. E isto porque, uma vez feito o balanço de todas as vantagens que elas tiram, não digo já da invenção de todas as artes do luxo vulgar, mas ainda das ciências (que a elas lhes parecem no fim e ao cabo serem também um luxo do entendimento), descobrem contudo que mais se sobrecarregaram de fadigas do que ganharam em felicidade, e que por isso finalmente invejam mais do que desprezam os homens de condição inferior que estão mais próximos do puro instinto natural e não permitem à razão grande influência sobre o que fazem ou deixam de fazer. E até aqui temos de confessar que o juízo daqueles que diminuem e mesmo reduzem a menos de zero os louvores pomposos das vantagens que a razão nos teria trazido no tocante à felicidade e ao contentamento da vida, não é de forma alguma mal-humorado ou ingrato para com a vontade do governo do mundo,
Amor – Pois que é Palavra Essencial
Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro de vulva.Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós,
Necrológio dos Desiludidos do Amor
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia…Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
No que concerne a gozos, a amizade vive dos rendimentos, o amor come o capital.
Desejo
Oh! quem nos teus braços pudera ditoso
No mundo viver,
Do mundo esquecido no lânguido gozo
D’infindo prazer.Sentir os teus olhos serenos, em calma,
Falando d’além,
D’além! duma vida que sonha minha alma,
Que a terra não tem.Eu dera este mundo, com tudo o que encerra
Por tal galardão:
Tesouros, e glórias, os tronos da terra,
Que valem, que são?A sede que eu tenho não morre apagada
Com tal aridez:
Pudesse eu ganhá-los, e iria seu nada
Depor a teus pés.E só desejando mais doce vitória,
Dizer-te: eis aqui
Meu ceptro e ciência, tesouros e glória:
Ganhei-os por ti.A vida, essa mesma daria contente,
Sem pena, sem dor,
Se um dia embalasses, um dia somente,
Meu sonho d’amor.Isenta do laço que ao mundo nos prende,
A vida que vale?
A vida é só vida se o amor nela acende
Seu doce fanal.Aos mundos que eu sonho pudesse eu contigo,
Voando, subir;
Depois que importava? depois no jazigo
Sorrira ao cair.
Dorme Sobre o Meu Seio
Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar…
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O ‘spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor…No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
O Relógio
Ebúrneo é o mostrador: as horas são de prata
Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.Repara: eis um salão: casquilho malicioso
Das festas cortesãs o mimo, a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta ébria de amor e gozo.Rasga-se ampla a janela; ao longe o olhar descobre
O correto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas.Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
Um cisne à luz do sol estende as níveas plumas.