Passagens sobre Horas

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Frases sobre horas, poemas sobre horas e outras passagens sobre horas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Velho Tema I

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Não Desejemos, Lídia, Nesta Hora

Ténue, como se de Éolo a esquecessem,
A brisa da manhã titila o campo,
E há começo do sol.
Não desejemos, Lídia, nesta hora
Mais sol do que ela, nem mais alta brisa
Que a que é pequena e existe.

Velhice

Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.

Quero beber-te por contínuas taças…
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!

Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,

Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura…

A Amizade como Auxiliar da Virtude

A maioria dos homens, na sua injustiça, para não dizer na sua imprudência, quer possuir amigos tais como eles próprios não seriam. Exigem o que não têm. O que é justo é que, primeiro, sejamos homens de bem e em seguida procuremos o que nos pareça sê-lo. Só entre homens virtuosos se pode estabelecer esta conveniência em amizade, sobre a qual insisto há muito tempo. Unidos pela benevolência, guiar-se-ão nas paixões a que se escravizam os outros homens. Amarão a justiça e a equidade. Estarão sempre prontos a tudo empreender uns pelos outros, e não se exigirão reciprocamente nada que não seja honesto e legítimo. Enfim, terão uns para os outros, não somente deferências e ternuras, mas, também, respeito. Eliminar o respeito da amizade é podar-lhe o seu mais belo ornamento.
É pois erro funesto crer que a amizade abre via livre às paixões e a todos os géneros de desordens. A natureza deu-nos a amizade, não como cumplice do vício, mas como auxiliar da virtude.
A fim de que a virtude, que, sozinha, não poderia chegar ao ápice, pudesse atingi-lo com o auxílio e o apoio de tal companhia. Aqueles para quem esta aliança existe, existiu ou existirá,

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Nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Agora é hora de compreender mais para temer menos.

Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam. Me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. É que os infelizes se compensam. in Um Sopro de Vida

o tempo não sabe nada

o tempo não sabe nada
o tempo não tem razão
o tempo nunca existiu
é da nossa invenção

se abandonarmos as horas para nos sentirmos sós
meu amor o tempo somos nós

o espaço tem o volume
da imaginação
além do nosso horizonte
existe outra dimensão

o espaço foi construído sem princípio nem fim
meu amor tu cabes dentro de mim

o meu tesouro és tu
eternamente tu
não há passos divergentes para quem se quer encontrar

a nossa história começa
na total escuridão
onde o mistério ultrapassa
a nossa compreensão

a nossa história é o esforço para alcançar a luz
meu amor o impossível seduz

o meu tesouro és tu
eternamente tu
não há passos divergentes para quem se quer encontrar

Ah Deixem-me Dormir!

O Poeta

Olá, bom velho! é aqui o Hotel da Cova,
Tens algum quarto ainda para alugar?
Simples que seja, basta-me uma alcova…
(Como eu estou molhado! é de chorar…)
O povo

O luar averte as orvalhadas sobre a rua!
Jezus! que lindo…

Vamos! depressa! Vem, faze-me a cama,
Que eu tenho somno, quero-me deitar!
Ó velha Morte, minha outra ama!
Para eu dormir, vem dar-me de mamar…
A Sra Julia

São as Janeiras da Lua!
O Coveiro

Os quartos, meu senhor, estão tomados
Mas se quizer na valla (que é de graça…)
Dormem, alli, somente os desgraçados:
Têm bom dormir… bom sitio… ninguem passa…
O Zé dos Lodos

A lua é a nossa vacca, ó Maria!
Mugindo…

Ainda lá, hontem, hospedei um moço
E não se queixa… E ha-de poupal-o a traça,
Porque esses hospedes só trazem osso,
E a carne em si, valha a verdade, é escassa.
O Dr. Delegado

A noite parece dia!
O Poeta

Escassa, sim! mas tenho ossada ainda,

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O Portugal Futuro

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Como num encontro puro, a curiosidade de conhecer melhor outra pessoa sente-se como uma espécie de alegria. As perguntas, só de serem feitas, já fazem bem. Quando dois amantes passam horas numa conversa de chacha, o que interessa foram as horas a passar.

Nada Vale Nada

Aqui tenho à mesa de cabeceira o último livro ainda a cheirar à tinta da tipografia. Não há dúvida nenhuma que o concebi, que o realizei, e que, depois disso, com os magros vinténs que vou ganhando por estes montes, consegui pô-lo em letra redonda — a forma material máxima que se pode dar a um escrito. E, contudo, olho esta realidade que eu tirei do nada, que bem ou mal arranquei de mim, com o mesmo desânimo com que olho uma teia de aranha. E não é por saber de antemão que o livro vai ser abocanhado ou ignorado. Não obstante a lei natural que aconselha a que não haja homem sem homem, é preciso que a santa cegueira do artista lhe dê a força bastante para, em última análise, ficar só e confiante. Ora eu tenho, como artista, essa cegueira. O meu desalento vem duma voz negativa que me acompanha desde o berço e que nas piores horas diz isto: Nada, em absoluto, vale nada.

É por ter Espírito que me Aborreço

É preciso esconjurar, da forma que nos for possível, este diabo de vida que não sei porque é que nos foi dada e que se torna tão facilmente amarga se não opusermos ao tédio e aos aborrecimentos uma vontade de ferro. É preciso, numa palavra, agitar este corpo e este espírito que se delapidam um ao outro na estagnação e numa indolência que se confunde com um torpor. É preciso passar, necessariamente, do descanso ao trabalho – e reciprocamente: só assim estes parecerão, ao mesmo tempo, agradáveis e salutares. Um desgraçado que trabalhe sem cessar, sob o peso de tarefas inadiáveis, deve ser, sem dúvida, extremamente infeliz, mas um indivíduo que não faça mais do que divertir-se não encontrará nas suas distracções nem prazer nem tranquilidade; sente que luta contra o tédio e que este o prende pelos cabelos – como se fosse um fantasma que se colocasse sempre por detrás de cada distracção e espreitasse por cima do nosso ombro.
Não julgue, cara amiga, que eu só porque trabalho regularmente estou isento das investidas deste terrível inimigo; penso que, quando se tem uma certa disposição de espírito, é preciso termos uma imensa energia de forma a não nos deixarmos absorver e conseguir escapar,

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Crepúsculo

A Julia Lyra

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Toda a Comunidade nos Torna Vulgares

Viver com uma imensa e orgulhosa calma; sempre para além. – Ter e não ter, arbitrariamente, os seus afectos, o seu pró e contra, condescender com eles por umas horas; montar sobre eles como em cavalos, frequentemente como em burros; – é que se deve saber aproveitar a sua estupidez tal como a sua fogosidade. Conservar os seus trezentos primeiros planos; também os óculos escuros; pois há casos em que ninguém nos deve olhar nos olhos e muito menos ainda nas nossas «razões». E escolher, para companhia, aquele vício matreiro e sereno, a cortesia. E ficar senhor das suas quatro virtudes, a coragem, a perspicácia, a simpatia, a solidão. Pois a solidão é entre nós uma virtude, como tendência e impulso sublimes do asseio que adivinha como, no contacto de homem para homem – «em sociedade» – tudo é, inevitavelmente, sujo, Toda a comunidade nos torna de qualquer modo, em qualquer parte, em qualquer altura – «vulgares».

Vocação de Poeta

Recentemente, ao repousar
Sob essa folhagem
Ouvi bater, tiquetaque,
Suavemente, como em compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tiquetaque.

Ouvindo assim, upa,
Saltar as sílabas,
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora.
Tu poeta? Tu poeta?
Estarás assim mal da cabeça?
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Quem espero eu sob este arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

A rima é como uma flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrereis assim, pobres diabos,
Ou ficareis embriagados,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,

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Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

Noite de Natal

[A um pequenito, vendedor de jornais]

Bairro elegante, – e que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu…

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu.

A noite é fria; a geada cresta;
Em cada lar, sinais de festa!
E o pobrezinho não tem lar…

Todas as portas já cerradas!
Ó almas puras, bem formadas,
Vede as estrelas a chorar!

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu,

Em plena rua, que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu…

Em torno dele – ó dor sagrada!
Ao ver um círculo sem geada
Na sua morna exalação,

Pensei se o frio descaroável
Do pequenino miserável
Teria mágoa e compaixão…

Sonha talvez, pobre inocente!
Ao frio, à neve, ao luar mordente,
Com o presépio de Belém…

Do céu azul, às horas mortas,
Nossa Senhora abriu-lhe as portas
E aos orfãozinhos sem ninguém…

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