O Efeito do Ciúme
Quanto mais se fala do próprio ciúme, mais os lugares que desagradaram aparecem de todos os lados; as menores circunstâncias os mudam, e fazem sempre descobrir algo de novo. Essas novidades fazem rever sob outros aspectos o que se acreditava ter visto e pesado o suficiente; tenta-se apegar a uma opinião e não se apega a nada; tudo o que é mais oposto e está mais apagado apresenta-se a um só tempo; quer-se odiar e quer-se amar, mas ama-se ainda quando se odeia, e odeia-se ainda quando se ama; acredita-se em tudo, e duvida-se de tudo; tem-se vergonha e despeito por ter acreditado e duvidado; trabalha-se incessantemente para deter a própria opinião, e nunca ela é conduzida para um lugar fixo. (…) Não se é feliz o bastante para ousar crer no que se deseja, nem mesmo feliz o bastante também para ter a certeza do que se teme mais. Fica-se sujeito a uma incerteza eterna, que nos apresenta sucessivamente bens e males que nos escapam sempre.
Passagens sobre Lados
871 resultadosSem Acção, de Nada Vale a Inteligência
Os conhecimentos ouvem-se, mas para agir a capacidade de audição é praticamente desprezável. Porque agir é estar próximo das coisas e ouvir é estar afastado das coisas. Alguém que apenas ouve será considerado um intruso no mundo, a Natureza não se sentirá ameaçada. Quem ouve poderá acumular conhecimentos, mas essa acumulação não lutará com a Natureza. Esta resiste bem à inteligência, ao raciocínio e à memória do Homem: todas estas qualidades intelectuais são assuntos que dizem respeito exclusivamente ao mundo da cidade, e o que ameaça a Natureza são as acções: os momentos em que os humandos abandonam a audição, e mesmo a linguagem do discurso, e passam a querer falar com o tacto: o único que pode alterar as coisas.
Se os homens, mantendo a sua inteligência incorrupta, fossem seres imóveis, incapazes de qualquer movimento, seriam ainda hoje menos poderosos do que um único metro quadrado de terra espontâneo. Poderiam possuir um grau de aperfeiçoamento no pensamento abstracto, matemático e lógico, mas não deixariam de ser uma espécie secundária ao lado das outras: as possuidoras de movimento. Qualquer cão mesquinho mijaria nas pernas de um homem inteligente, mas imóvel.Gonçalo M.
Desde que tenhamos a razão do nosso lado, podemos ir até aonde o nosso dever o indicar, porque felizmente o número dos que têm a perder ainda é maior, e a esses, damos e daremos garantias de bem servir o País. Devemos prosseguir no nosso caminho, doa a quem doer, e nesse caminho sempre me encontrarás ao teu lado e ao dos teus colegas, por maiores que sejam os sacrifícios que eu tenha que fazer. Devo-os ao meu País, devo-os àqueles que com tanta dedicação o querem servir.
Mudar de Vida
Se não mudarmos, não nos mudamos; isto é, se não mudarmos de vida, não mudamos a vida. Quando digo mudar de vida, não é deixar de ser pedreiro para pasar a ser médico. Não é isso. É preciso mudar a forma de entender o mundo. O mundo precisa de acção; mas não se chega à acção sem que isso tenha sido elaborado pelo espírito. Um dos grandes males que a nossa época tem é que não temos ideias e parece que os políticos – e falo dos políticos de esquerda não se apercebem de uma realidade: a direita não precisa de ideias; mas a esquerda não vai a lado nenhum se não as tiver. Esse é o problema.
Atravessa Esta Paisagem o Meu Sonho
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo…
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim,
Quem tem mil e um amigos não encontra um disponível; quem tem um inimigo encontra-o em todo o lado.
Namorados
Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos…Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…Nada tolda os seus olhos… Nem um véu…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu…Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!
Religião e Superstição
É tão grande a fraqueza do género humano, tamanha a sua perversidade, que, sem dúvida, lhe vale mais estar subjugado por todas as superstições possíveis – desde que não tenham carácter assassino – do que viver sem religião. O homem sempre teve necessidade de um freio e, por ridículo que fosse sacrificar aos faunos, aos silvanos ou às náiades, era mais razoável e mais útil adorar essas imagens fantásticas da Divindade do que entregar-se ao ateísmo. Um ateu que fosse razoador, violento e poderoso, seria um flagelo tão funesto como um supersticioso sanguinário.
Quando os homens não dispõem de sãs noções acerca da Divindade, as ideias falsas suprem-lhes a falta, tal como nos tempos de desgraça se fazem negócios com moeda falsa quando falta a moeda boa. O pagão, se cometia um crime, temia ser punido pelos seus falsos deuses; o malabar teme ser punido pelo seu pagode. Em todo o lado onde há uma sociedade estabelecida, é necessária uma religião. As leis exercem vigilância sobre os crimes conhecidos, a religião exerce-a sobre os crimes secretos.
Mas, a partir do momento em que os homens chegam a abraçar uma religião pura e santa, a superstição torna-se não apenas inútil,
É preciso planar sobre o que fazemos. É necessário saber muito mais por cima e por baixo, ao lado e de todos os lados, rodear o seu objecto e tornar-se o seu dono.
Quando não encontramos o repouso em nós próprios, é inútil ir procurá-lo noutro lado.
Terra – 24
António, é preciso partir!
o moleiro não fia,
a terra é estéril,
a arca vazia,
o gado minga e se fina!
António, é preciso partir!
A enxada sem uso,
o arado enferruja,
o menino quere o pão; a tua casa é fria!
É preciso emigrar!
O vento anda como doido – levará o azeite;
a chuva desaba noite e dia – inundará tudo;
e o lar vazio,
o gado definhando sem pasto,
a morte e o frio por todo o lado,
só a morte, a fome e o frio por todo o lado, António!
É preciso embarcar!
Badalão! Badalão! – o sino
já entoa a despedida.
Os juros crescem;
o dinheiro e o rico não têm coração.
E as décimas, António?
Ninguém perdoa – que mais para vender?
Foi-se o cordão,
foram-se os brincos,
foi-se tudo!
A fome espia o teu lar.
Para quê lutar com a secura da terra,
com a indiferença do céu,
com tudo, com a morte, com a fome, coma a terra,
com tudo!
Árida,
A Nossa Vida como um Conjunto de Metáforas
Pensemos, por exemplo, nos grandes escritores. Podemos orientar a nossa vida por eles, mas não podemos extrair das suas obras o elixir da vida. Eles deram uma forma tão rígida àquilo que os moveu que tudo isso está ali, mesmo nas entrelinhas, como metal laminado. Mas, que disseram eles na verdade? Ninguém sabe. Eles próprios nunca o souberam explicar cabalmente. São como um campo sobre o qual voam as abelhas; e ao mesmo tempo, eles são esse próprio voo. Os seus pensamentos e sentimentos assumem toda a escala da transição entre verdades ou erros que, se necessário, podem ser demonstrados, e seres mutáveis que se aproximam ou afastam de nós quando os queremos observar.
É impossível destacar o pensamento de um livro da página que o encerra. Acena-nos como o rosto de alguém que passa rapidamente por nós, numa fila com outros rostos, e por um instante surge carregado de sentido. Estou outra vez a exagerar um pouco. Mas agora queria perguntar-lhe: que coisa acontece na nossa vida que não seja aquilo que acabo de descrever? Não falo das impressões mais exactas, mensuráveis e definíveis; todos os outros conceitos em que baseamos a nossa vida não passam de metáforas que ficaram cristalizadas.
O Paradoxo da Verdade
O homem deseja e odeia a verdade. Quer mentir aos outros – quer que o enganem (prefere a ficção à realidade), mas por outro lado receia o engano, quer o fundo das coisas, o verdadeiro verdadeiro, etc.
Somente a razão conduz à verdade. Mas só os fanáticos, os visionários e os iluminados fazem as coisas grandiosas, mudanças, descobertas. A verdade, de tanto se tornar necessária, conduz à secura, à dúvida, à inércia – à morte.
É muito natual que os homens odeiem aqueles que dizem ou tentam dizer a verdade. A verdade é triste (dizia Renan) – mas, com maior frequência, é horrível, temível, anti-social. Destrói as ilusões, os afectos. Os homens defendem-se como podem. Isto é, defendem a sua pequena vida, apenas suportável à força de compromissos, de embustes, de ficções, etc. Não querem sofrer, não querem ser heróis. Rejeição do heroísmo-mentira.
Os Altos e Baixos da Vida
Há certos momentos das nossas vidas (e eu tinha a sorte de já ter experimentado os extremos do espectro), tão felizes ou tão desgraçados que a ideia de altos & baixos desaparece. Em ocasiões semelhantes, todo o ambiente à nossa volta é tão homogéneo, seja translúcido ou opaco, que nos impede de ter uma percepção correcta do lugar em que nos encontramos. Há momentos em que subimos tanto que não é possível manter-se a noção de altitude. Por outro lado, há momentos em que tudo corre tão mal que a ideia de que existe um mundo lá em cima nos abandona e a tristeza deixa de pesar, como se as leis universais ficassem suspensas, à espera de que a nossa vida se resolva para só então voltarem a impor a sua serena e inquestionável autoridade.
O Machismo Português e as Traições Amorosas
Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.
Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz.
Não basta fugir, é necessário fugir-se para o lado mais conveniente.
Meditação Sobre os Poderes
Rubricavam os decretos, as folhas tristes
sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidências,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo é fugaz
quando, humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus títulos afundados na terra lamacenta.
Baudelaire disse que a surpresa, o espanto são as características básicas de uma obra de arte. É o que penso. Camus diz em O Estrangeiro que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita.
Você só aprendeu lições com aqueles que o admiram, sentem ternura por você e permanecem ao seu lado? Você não recebeu grandes lições daqueles que se emparelham com você, disputando a passagem pelo mesmo caminho?
O misticismo é apenas a forma mais complexa de se ser efeminado e decadente. O único lado útil da inutilidade.