Eu vos digo: Alguém precisa ter caos em si mesmo Para dar luz a uma estrela dançante.
Passagens sobre Luz
1483 resultadosEm geral, toma-se perante o que sucedeu não uma posição histórica, mas uma posição de absoluto; é à luz de uma metafísica ou de uma moral sobranceira ao tempo que se julgam os homens, os acontecimentos e as ideias.
A Obra Nunca Está Concluída
Considera-se, muitas vezes, a obra de um criador como uma sequência de testemunhos isolados. Confunde-se então artista e literato. Um pensamento profundo está em perpétua formação, esgota a experiência de uma vida e nela se modela. Do mesmo modo, a criação única de um homem fortifica-se nos seus rostos sucessivos e múltiplos, que são as obras. Umas completam as outras, corrigem-as ou alcançam-as, contradizem-as também. Se alguma coisa termina a criação, não é o grito vitorioso e ilusório do artista, ofuscado: «Disse tudo», mas a morte do criador que fecha a sua experiência e o livro do seu génio.
Esse esforço, esta consciência sobre-humana, não aparece forçosamente ao leitor. Não há mistério na criação humana. É a vontade que faz esse milagre. Em todo o caso, não há verdadeira criação sem segredo. Sem dúvida, uma sequência de obras pode não passar de uma série de aproximações do mesmo pensamento. Mas podemos conceber outra espécie de criadores que procederiam por justaposição. As suas obras podem parecer sem relação entre si. Em certa medida, são contraditórias. Mas, colocadas de novo no seu conjunto, denunciam uma ordem. É, pois, da morte que recebem o seu sentido definitivo. Aceitam a sua luz mais clara da própria vida do seu autor.
De duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como fouce; com uma mão abraça e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira e com a que corta mostra o desengano.
A Voz que Nos Rasgou por Dentro
De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?Esteve aqui — aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.Diz: “Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”Como se a ouvíssemos.
Gritar
Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e
[escreviam
Demasiado baixoFiz retroceder os limites do grito
A acção simplifica-se
Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhe destinava um lugar perante mimCom um grito
Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viverEstou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes seremE o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegriaE esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e duraEis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhosEstou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu gritoPara a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
Menino e Moço
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizão de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porém, Senhor! ellas não voltam mais…
a fava
espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhavanuma ordem das coisas cuja lei
de afectos e memória em nós se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos…
e até por quem nos falta então se irisana mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.
Impossível
Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, pra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.Posso sentir-te em fogo, escandescida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraqueE até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
O Conhecimento da Verdade
Nada é menos estranho que as contradições que se descobrem no homem. Ele é feito para conhecer a verdade. Procura-a. Quando trata de a agarrar, deslumbra-se e confunde-se de tal maneira que não dá motivo a que lhe disputem a posse dela. Uns querem arrebatar ao homem o conhecimento da verdade, outros querem garantir-lho. Cada um deles usa motivos tão dissemelhantes, que destroem o embaraço do homem. Não há outra luz além da que se encontra na natureza.
O Mar
O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma.Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!
Ouvimos sempre dizer que as pessoas más são incapazes de nos encarar firmemente. Não há maior tolice. A desonestidade encarará fria e firmemente a própria honestidade, em plena luz do dia, sempre que houver algum proveito a tirar.
Vaidade a Qualquer Preço
Muitas vezes obramos bem por vaidade, e também por vaidade obramos mal: o objecto da vaidade é que uma acção se faça atender, e admirar, seja pelo motivo, ou razão que for. Não só o que é digno de louvor é grande; porque também há cousas grandes pela sua execração; é o que basta para a vaidade as seguir, e aprovar. A maior parte das empresas memoráveis, não tiveram a virtude por origem, o vício sim; e nem por isso deixaram de atrair o espanto, e admiração dos homens.
A fama não se compõe apenas do que é justo, e o raio não só se faz atendível pela luz, mas pelo estrago. A vaidade apetece o estrondoso, sem entrar na discussão da qualidade do estrondo: faz-nos obrar mal, se desse mal pode resultar um nome, um reparo, uma memória. Esta vida é um teatro, todos queremos representar nele o melhor papel, ou ao menos um papel importante, ou em bem, ou em mal. A vaidade tem certas regras, uma delas é, que a singularidade não só se adquire pelo bem, mas também pelo mal, não só pelo caminho da virtude, mas também pelo da culpa; não só pela verdade,
Além-Tédio
Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.Como eu quisera, emfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A propria maravilha tinha côr!Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…
Musa dos Olhos Verdes
Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança,
Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;Tu que junto do berço o infante cinges
C’os fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante, os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!Já cansada de encher lânguidas flores
Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sê tu a aurora!
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Cantigas
Quando vejo a minha amada
Parece que o Sol nasceu;
Cantai, cantai alvorada
Ó avezinhas do céu.Nessas águas do Mondego
Se pode a gente mirar,
Elas procuram sossego…
E vão caminho do mar.A rosa que tu me deste
Peguei-lhe, mudou de cor;
Tornou-se de azul-celeste
Como o céu do nosso amor.Não me fales da janela,
Que te não ouço da rua;
Fala-me de alguma estrela,
Que te vou ouvir da Lua.Dizes que a letra não deve
Ser nunca miudinha;
Mas grada ou miúda escreve,
Que o coração adivinha.Não digas que me não amas
A ver se tenho ciúme;
Os laços do amor são chamas,
E não se brinca com lume.A virgem dos meus amores
Sobressai entre as mais belas:
É como a rosa entre flores,
É como o Sol entre estrelas.Eu zombo de sol e chuva,
Noite e dia, terra e mar;
Ais de uma pobre viúva,
Se os ouço, dá-me em chorar.A sombra da nuvem passa
depressa pela seara;
A Essência das Coisas
Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes.
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,
Ela
À beleza tão pura do semblante,
à luz sublime que há nos olhos dela,
– pergunto-me a mim mesmo a todo instante,
como tão simples pode ser tão bela…Diferente das outras, diferente
dos moldes tão comuns de uma mulher,
– ela me faz pensar num mundo ausente
deste que a gente sem querer já quer…Bem que a quis esquecer – e noutro amor
procurei me enganar, acreditando
ser do meu pobre coração, senhor…Em vão tentei… Em vão… Vendo-a naquela
doce e pura expressão – fico pensando
que é impossível não pensar mais nela!…
Da discussão nasce a luz.