Não te Queixes
Não te queixes. Recolhe em ti a amargura, não a disperses, não a esbanjes com os outros. Ela é tua, nasceu de ti, da tua miséria, pertence-te como os ossos e as vísceras. Concentra-te nela, absorve-a, faz dela a tua grandeza. Porque só se é grande pelo sofrimento, não pela futilidade do prazer. As pedras não sofrem, Cristo esteve «triste até à morte». Tem desprezo pelos homens felizes, porque dos homens felizes «não reza a história». Só a dor pode medir o teu tamanho de excepção, só ela pode medir o que tu vales. O sofrimento medíocre não dá mais do que a comédia, mas a grandeza da tragédia só pode atribuir-se aos grandes. Não te aconselho a que vás ao encontro da amargura, mas se ela vier ter contigo, acolhe-a com serenidade. Não sucumbas aos seus golpes, aguenta-os até onde puderes. E se és homem de verdade, tu a aguentarás.
Também as grandes alegrias são do destino dos grandes, porque elas são irmãs dos grandes sofrimentos. Só os pequenos e mesquinhos se alegram e sofrem com o que é mesquinho e pequeno. Aquilo que é pequeno é imperceptível a quem o não é. Que juízo fazem de ti,
Passagens sobre Primavera
190 resultadosUma Nova Etapa na Vida a partir da Leitura de um Livro
Somos subeducados, atrasados e analfabetos; e neste particular confesso que não faço grande distinção entre a ignorância do meu concidadão que não sabe absolutamente ler nada, e a ignorância do que apenas aprendeu a ler o que se destina a crianças e inteligências medíocres. Deveríamos estar à altura dos grandes da Antiguidade, mas em parte por saber primacialmente quão grandes eles foram. Somos uma raça de homens-passarinhos; nos nossos voos intelectuais mal nos alçamos um pouco acima das colunas do jornal.
Nem todos os livros são tão insípidos como os seus leitores. É provável que haja palavras endereçadas exactamente à nossa condição, as quais, se de facto pudéssemos ouvi-las e entendê-las, seriam mais salutares às nossas vidas que a própria manhã ou a Primavera, revelando-nos talvez uma face inédita das coisas.
Quantos homens não inauguraram uma nova etapa na vida a partir da leitura de um livro! Deve existir para nós o livro capaz de explicar os nossos mistérios e de revelar outros insuspeitados. As coisas que ora nos parecem inexprimíveis, podemos encontrá-las expressas algures.
As mesmas questões que nos inquietam, intrigam e confundem, foram postas por sua vez a todos os homens sábios; nenhuma foi omitida,
E assim como a primavera, eu me deixei cortar para vir mais forte…
Comunhão
Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nós vagaram,
Quantos as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!…— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera…E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.
Canta No Espaço A Passarada E Canta
Ao meu prezado irmão Alexandre Júnior pelas nove primaveras que hoje completou.
Canta no espaço a passarada e canta
Dentro do peito o coração contente.
Tu’alma ri-se descuidosamente,
Minh’alma alegre no teu rir s’encanta.Irmão querido, bom Papá, consente
Que neste dia de ventura tanta
Vá, num abraço de ternura santa,
Mostrar-te o afeto que meu peito sente.Somente assim festejarei teus anos;
Enquanto outros que podem, dão-te enganos,
Jóias, bonecos de formoso busto,Eu só encontro no primor de rima
A justa oferta, a jóia que te exprima
O amor fraterno do teu mano Augusto.
Tu e Eu Devíamos Simplesmente Amar-nos
Amor, quantos caminhos para chegar a um beijo,
que solidão errante até chegar a ti!
Os comboios continuam vazios rolando com a chuva.
Em Taltal a primavera não amanheceu ainda.Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
juntos da roupa às raízes,
juntos pelo outono, pela água, pelas ancas,
até sermos apenas tu e eu juntos.Pensar que custou tantas pedras que o rio arrasta,
a embocadura da água do Boroa,
pensar que separados por comboios e naçõestu e eu devíamos simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.
Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela? Exatamente porque nunca são as mesmas flores.
Não se pode dizer para a primavera ‘tomara que chegue logo e dure bastante’. Pode-se apenas dizer: ‘venha, me abençoe com sua esperança, e fique o máximo de tempo que puder’.
Ser Feliz
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se autor da sua própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus em cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. E ter a coragem de ouvir um «não». É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, ter prazer com os pais e ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer «eu errei». É ter ousadia para dizer «perdoa-me». É ter sensibilidade para expressar «eu preciso de ti». E ter capacidade de dizer «eu amo-te».
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades que lhe permita ser feliz…
Pensar em Deus é Desobedecer a Deus
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou…
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! …
Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.
Está Se A Primavera Trasladando
Está se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lírios, rosas debuxando.De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estão de vós, Senhora, namorando.Se agora não quereis que quem vos ama
possa colher o fruito destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vós amores,
se vossa condição produze abrolhos.
Última Página
Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me… e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos…Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor…Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estações e passam as mulheres…
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
E Eu te Beijava
E eu te beijava
sem me dar conta
de que não te dizia:
Oh lábios de cereja!Que grande romântica
eras!
Bebias vinagre às escondidas
de tua avó.
Toda te enfeitaste como um
arbusto de primavera.
E eu estava enamorado
de outra. Vê que pena?
De outra que escrevia
um nome sobre a areia.Tradução de Oscar Mendes
Podes cortar todas as flores mas não podes impedir a Primavera de aparecer.
O Pessimismo é Excelente para os Inertes
O Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida; portanto lhe tira o carácter pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um Destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho – porque nos sentimos escolhidos e destacados para a Infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a Fortuna. Quem se queixaria de ser coxo – se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca de um Inverno especial, organizado nos céus para o envolver a ele unicamente – enquanto em redor toda a humanidade se movesse na benignidade de uma Primavera? (…) O Pessimismo é excelente para os Inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da Inércia.
Não Me Sinto Mudar
Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmomental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.Tradução de Albano Martins
Remorso
Às vezes uma dor me desespera…
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera…
Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando !Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
Visão Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rígidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.Não raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.