O silêncio é a virtude dos imbecis.
Passagens sobre Silêncio
845 resultadosO Nascimento do Prazer
O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.
Mas a convivência é feita também de silêncio, e distância.
Se os Poetas Dessem as Mãos
Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia,
cairiam as grades das prisões
que nos tolhem os passos,
os arames farpados
que nos rasgam os sonhos,
os muros de silêncio,
as muralhas da cólera e do ódio,
as barreiras do medo,
e o Dia, como um pássaro liberto,
desdobraria enfim as asas
sobre a Noite dos homens.Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia.
Temo os vossos silêncios, não as vossas injúrias.
Metodologia
Convoco os duendes da inquietação
e da alegria, urdindo um laborioso
rito circular, delicada teia iridiscente
de que, relutante, a luz se vá
pouco a pouco enamorando.Palavras não as profiro
sem que antes as tenha encantado
de vagarosa ternura; mal esboçados,
gestos ou afagos, apenas me afloram
a hesitante extremidade dos dedosque, aquáticos e transidos, estacam
no limiar surpreso do seu rosto.
Movimentos longos da tarde
e sussurros graves da noite
que tendessem para a imobilidadee o silêncio, não seriam mais cautos
e aéreos. Quietas estátuas de cristal,
intensamente nos fitamos, enquanto
trémula, lenta e comburente,
a luz mais pura nos atravessa.
Tenta cativar por aquilo que o teu silêncio contém.
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Silêncio
Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.Tradução de Luis Pignatelli
Ele merece o meu silêncio.
Aleluia
Se cantas, nasce o dia;
A luz segreda à flor: Ave, Maria!Tudo é silêncio, espanto,
Quando vaga no Azul o teu encanto…Passas e deixas no ar
O perfume das rosas de toucar!Creio em ti, como em Deus;
Viver à tua luz é estar nos Céus!Verdes enleios de hera
Cingem de amor teu vulto, ó Primavera!Nos perdidos caminhos,
Voam gorjeios, músicas dos ninhos…A Terra em névoas de ouro
Ascende a Deus em teu olhar de choro!Senhora da Harmonia,
Em ti a minha vida principia!Se voas pela Altura,
Gravas no Azul a tua formosura!Teu voo é um longo adeus:
O caminho das almas para os Céus…Longe, saudosa, adejas,
E pairas sobre mim… bendita sejas!
Se Te Pertenço
Se te pertenço, separo-me de mim.
Perco meu passo nos caminhos de terra
E de Dionísio sigo a carne, a ebriedade.
Se te pertenço perco a luz e o nome
E a nitidez do olhar de todos os começos:
O que me parecia um desenho no eterno
Se te pertenço é um acorde ilusório no silêncio.E por isso, por perder o mundo
Separo-me de mim. Pelo Absurdo.
Para um poeta, o silêncio é uma resposta aceitável, até mesmo um elogio.
Eu Vi Dos Pólos O Gigante Alado
Eu vi dos pólos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,
Devorando em silêncio a mão do fado!Quatro fatias de tufão gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangüentado!– “Quem és, que assim me cercas de episódios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios.– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfúreos ódios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”
Quem fala de Amor não ama verdadeiramente: talvez deseje, talvez possua, talvez esteja realizando uma óptima obra literária, mas realmente não ama; só a conquista do vulgar é pelo vulgar apregoado aos quatro ventos; quando se ama, em silêncio se ama.
O som aniquila a grande beleza do silêncio.
Afirmação
A essência das coisas é senti-las
tão densas e tão claras,
que não possam conter-se por completo
nas palavras.A essência das coisas é nutri-las
tão de alegria e mágoa,
que o silêncio se ajuste à sua forma
sem mais nada.
Do Fim dos Segredos
Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancaraa dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.
Medo
Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem lhes digo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.
No silêncio forma-se o talento. Mas o caráter, no turbilhão do mundo.