Sonetos sobre FĂ©

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Sonetos de fé escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Tomava Daliana Por Vingança

Tomava Daliana por vingança
da culpa do pastor que tanto amava,
casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
o erro alheio e pérfida esquivança.

A discrição segura, a confiança,
as rosas que seu rosto debuxava,
o descontentamento lhas secava,
que tudo muda ĂŒa ĂĄspera mudança.

Gentil planta disposta em seca terra,
lindo fruito de dura mĂŁo colhido,
lembranças d’outro amor, e fĂ© perjura,

tornaram verde prado em dura serra;
interesse enganoso, amor fingido,
fizeram desditosa a fermosura.

JĂĄ NĂŁo Sinto, Senhora, Os Desenganas

JĂĄ nĂŁo sinto, Senhora, os desenganas
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardĂŁo que me negastes,
merecido por fé, hå tantos anos.

A mĂĄgoa choro sĂł, sĂł choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vĂłs sĂł me vingastes
de vossa ingratidĂŁo, vossos enganos.

Dobrada glória då qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;

mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
nĂŁo o quisera eu tanto Ă  vossa custa.

Quando, Senhora, Quis Amor Que Amasse

Quando, Senhora, quis Amor que amasse
essa grã perfeição e gentileza,
logo deu por sentença que a crueza
em vosso peito amor acrescentasse.

Determinou que nada me apartasse,
nem desfavor cruel, nem aspereza;
mas que em minha rarĂ­ssima firmeza
vossa isenção cruel se executasse.

E, pois tendes aqui oferecida e
sta alma vossa a vosso sacrifĂ­cio,
acabai de fartar vossa vontade.

NĂŁo lhe alargueis, Senhora, mais a vida;
acabarĂĄ morrendo em seu oficio,
sua fé defendendo e lealdade.

LIII

Ou jĂĄ sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou jĂĄ tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.

LĂĄ te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta sĂł de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razĂŁo me acuses, mais crimines.

Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serĂŁo pequenas?

Queres ver, que esse monte ĂĄspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirĂĄs, o que te juro.

O cisne, quando sente ser chegada

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que pÔe termo a sua vida,
MĂșsica com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto jĂĄ no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.

A Visita

Hontem dormia Ă  noute – e, eis que desperto
Sacudido d’um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d’um vento do deserto.

Accordei – era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!

É preciso que a fĂ© cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida–Eis-me aqui!

Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
CrĂȘ barro vil! – Mas eu, descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.

À Morte Peço a Paz Farto de Tudo

À morte peço a paz farto de tudo,
de ver talento a mendigar o pĂŁo,
e o oco abonitado e farfalhudo,
e a pura fé rasgada na traição,

e galas de ouro es despejados bustos,
e a virgindade Ă  bruta rebentada,
e em justa perfeição tratos injustos,
e o valor da inépcia valer nada,

e autoridade na arte pÎr mordaça,
e pedantes a engenho dando lei,
e a verdade por lorpa como passa,

e no cativo bem o mal ser rei.
Farto disto, nĂŁo deixo o meu caminho,
pois se eu morrer, Ă© o meu amor sozinho.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 6

Quantas vezes Lidora me dizia,
Ao terno peito minha mĂŁo levando:
– Conjurem-se em meu mal os astros, quando
Achares no meu peito aleivosia!

EntĂŁo que nĂŁo chorasse lhe pedia,
Por firme seu amor acreditando.
Ah! que em movendo os olhos, suspirando,
Ao mais acautelado enganaria!

Um ano assim viveu. Oh! céus, agora
Mostrou que era mulher: a natureza,
SĂł por nĂŁo se mudar, a fez traidora.

NĂŁo, nĂŁo darei mais cultos Ă  beleza,
Que depois de faltar à fé Lidora,
Nem creio que nas deusas hĂĄ firmeza.

A JoĂŁo De Deus

Se Ă© lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vĂŁ toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei tambĂ©m, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E sĂł ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que hĂĄ de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crĂȘ de fĂ©, logo duvida;
Se procura, sĂł acha… o desatino!

SĂł Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrĂȘdo, o cĂ©u destino.

Caminho III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordÔes da caminhada,
Vai jĂĄ rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
TĂŁo virgem nĂŁo o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este nĂ©ctar avigora!…

Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar sĂł todo o caminho,
Eu posso resistir Ă  grande calma!…

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fĂ© e sonhar – encher a alma.

Quem Quiser Ver D’amor Üa ExcelĂȘncia

Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.

Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma Ăąnsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na FĂ© o pensamento,
E achei a paz na inĂ©rcia e esquecimento…
SĂł me falta saber se Deus existe!

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuĂĄrio em santuĂĄrio.
És o secreto e místico templário
As almas, em silĂȘncio, contemplando.

NĂŁo sei que de harpas hĂĄ em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivĂĄrio
Que lembras reverĂȘncias de sacrĂĄrio
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
AtrĂĄs de um belo mundo indefinido
De silĂȘncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverĂȘncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂȘncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Lição Quotidiana

Cada manhĂŁ ressuscito
Do sono, esse irmĂŁo da Morte,
Que Ă© minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.

Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.

E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,

À noite estou moribundo…
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!

A uma Partida

Partistes-vos, e a alma juntamente
Em partes desiguais se me partiu;
A melhor, que era vossa, vos seguiu;
Ficou-me a outra, fraca e descontente.

Bem sei que a natureza o nĂŁo consente,
Mas Amor, que mais pode, o consentiu,
Por que a fé que em presença vos serviu,
Também vos sirva agora, estando ausente.

Eu, sem mim e sem vĂłs, nĂŁo sei que espero,
Nem com que maravilhas me sustento
Nas sombras tristes do meu bem passado.

SĂł sei que cada dia mais vos quero,
E que por mais que possa o esquecimento,
Nunca poderĂĄ mais que meu cuidado.

Barrow-On-Furness II

Deuses, forças, almas de ciĂȘncia ou fĂ©,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.

Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer…

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciĂȘncia de dedos de quem pensa
Em outras cousa te pÔe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica…
A que brincar? Ao amor?, Ă  indif’rença?
Por mim, sĂł me levanto da barrica.

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 9

Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda nĂŁo deixais tĂŁo vil traidora?

NĂŁo haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim nĂŁo sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.

Vingai, Ăł justos cĂ©us…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.

NĂŁo, nĂŁo vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixĂŁo do seu castigo
HĂĄ de aumentar depois o meu tormento.

A Grande Sede

Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estĂĄs cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, Ăł grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.

Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarĂĄs desafogado,
HĂĄs de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.

O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolĂȘncia
Revive nas estrelas do Infinito.

Revive, sim, fica imortal, na essĂȘncia
Dos Anjos paira, nĂŁo desprende um grito
E fica, como os Anjos, na ExistĂȘncia.

Por Sua Ninfa, Céfalo Deixava

Por sua Ninfa, Céfalo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dĂĄ princĂ­pio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.

Ele, que a bela PrĂłcris tanto amava
que sĂł por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.

Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço pÔe diante,
quebra se a fé mudåvel, e consente.

Ó engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!

O Seu Boné

À atriz Adelina Castro

É um bonĂ© ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.

Lembro quando ao vĂȘ-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensaçÔes e cousas de prodígio
E penso que ele tem a mĂĄscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frĂ­gio!…

Às vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flĂĄcida plumagem que serve-lhe d’adorno,
— satĂąnico, voraz, esplĂȘndido de fĂ©!

Exclama num idĂ­lio cĂąndido e singelo,
Por entre as convulsĂ”es artĂ­sticas do Belo; —
Oh! tem coração e alma, esse bonĂ©!…