O Grande Mito Nacional
Há uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação – a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, por cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.
Passagens sobre Sonhos
1333 resultadosA vocês, eu deixo o sono. O sonho, não! Este eu mesmo carrego!
Todos elogiam o sonho, que é o compensar da vida. Mas é o contrário, Doutor. A gente precisa do viver para descansar dos sonhos.
O Comportamento Simbólico e o Comportamento Inequívoco
Na verdade, encontramos desde as origens da história humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da acção despertos, que domina quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração, submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objectivas e talvez nunca venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa ser verdadeiro do que é apenas espuma,
Acalente sonhos. Seu futuro está em suas mãos.
O poder que emana do amor é capaz de agigantar pequenos e apequenar gigantes. Ele faz os sonhos, realidade; fala sem ter voz; compreende o incompreensível, põe claridade onde não há luz, pois ele é a própria luz!
Fui Gostar De Você
“Fui Gostar de Você”
II
Fui gostar de você – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
é como hei de aturar esta tortura,
de ver você e alguém numa ventura
que sonhei para mim – que em vão sonheiFui gostar de você – e agora vejo
que este amor viverá num sonho apenas,
– na renúncia suprema do que almejo…É inútil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.
Súplica
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
A vida tem a incoerência dum sonho. E quem sabe se realmente estaremos a dormir e a sonhar e acabaremos por despertar um dia? Será a esse despertar que os católicos chamam Deus?
Ruína
Sem encontrar-se.
Viajante pelo seu próprio torso branco.
Assim ia o ar.Logo se viu que a lua
era uma caveira de cavalo
e o ar uma maçã escura.Detrás da janela,
com látegos e luzes se sentia
a luta da areia contra a água.Eu vi chegarem as ervas
e lhes lancei um cordeiro que balia
sob seus dentezinhos e lancetas.Voava dentro de uma gota
a casca de pluma e celulóide
da primeira pomba.As nuvens, em manada,
ficaram adormecidas contemplando
o duelo das rochas contra a aurora.Vêm as ervas, filho;
já soam suas espadas de saliva
pelo céu vazio.Minha mão, amor. As ervas!
Pelos cristais partidos da morada
o sangue desatou suas cabeleiras.Tu somente e eu ficamos;
prepara teu esqueleto para o ar.
Eu só e tu ficamos.Prepara teu esqueleto;
é preciso ir buscar depressa, amor, depressa,
nosso perfil sem sonho.
Há sonhos que ao enterrar-se,
Levam dentro do caixão,
Bocados da nossa alma,
Pedaços de coração!
Il Trovatore
Canta da torre o trovador saudoso –
Addio, Eleonora! Oh! sonhos meus!
E o canto se desprende harmonioso
Na vibração final do extremo adeus.Repercute, dolente, mavioso,
Subindo pelo Azul da Inspiração;
Assim canta também meu coração,
Trovador torturado e angustioso.Ai! não, não acordeis, lembranças minhas!
Saudades d’umas noutes em que vinhas
Cantar comigo em doce desafio!Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,
– Addio, Eleonora, addio, addio!
Um homem é a fé de que for capaz. A dureza e o peso da tristeza que se abate sobre aquele que desespera chegam-lhe do vazio dos sonhos que deixou que se tornassem impossíveis, da preguiça do egoísmo que o paralisou e o levou à perda de si mesmo.
Nunca deixe que lhe digam: Que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos Nunca vão dar certo Ou que você nunca Vai ser alguém… Quem acredita Sempre alcança…
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Amigos com Carácter
A vida caminha precipitadamente. Perseguimos alguns esquemas flutuantes ou somos perseguidos por algum medo ou autoridade atrás de nós. Mas, se, de repente, encontramos um amigo, paramos; o nosso calor e a nossa pressa tornam-se ridículos. Ora a pausa, ora o domínio são necessários e também a força para encher o momento dos eflúvios do coração. O momento é tudo, em todas as relações nobres.
Uma pessoa divina é a profecia do espírito; um amigo é a esperança do coração. A nossa ventura espera pela concretização destas duas em uma.
Os séculos estão a dilatar essa força moral. Toda a força é a sombra ou o símbolo daquela. A poesia é alegre e forte quando extrai nessa fonte a sua inspiração. Os homens só inscrevem os seus nomes no mundo quando estão cheios deste. A história tem sido ignóbil; as nossas nações têm sido a gentalha; nunca vimos um homem: essa forma divina que ainda não conhecemos, mas apenas o sonho e a profecia de tal; não conhecemos os modos majestosos que lhe são peculiares e que acalmam e exaltam o observador.Um dia veremos que a energia mais particular é a mais pública, que a qualidade afina com a quantidade e a grandeza de carácter actua na sombra e socorre aos que nunca a viram.
Meu Amor que Te Foste sem Te Ver
Meu amor que te foste sem te ver
que de mim te perdeste sem te amar
quem sabe se outra vida tu vais ter
ou se tudo se perde sem voltarou se é dentro de mim que tem de haver
tanta força no meu imaginar
que o poeta que é Deus o vá reter
e te dê vida e faça regressarpara de novo o sonho desfazer
num contínuo surgir e retornar
ao nada que dá ser ao que é querer
ao fado que só dá para se darpor tudo estou amor e merecer
o que venha para eu te relembrar
só adorando o nada pretender
só vogando nas águas de aceitar.
Post Coitum Animal Triste
Em ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensão e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mãos das chuvas.Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestígio dos últimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.
A Vida é um Sonho um Pouco Menos Inconstante
Se sonhássemos todas as noites a mesma coisa, ela afectar-nos-ia tanto como os objectos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites, durante doze horas, que era um artista.
Se sonhássemos todas as noites que somos perseguidos por inimigos, e agitados por esses fantasmas penosos, e se passássemos todos os dias em diversas ocupações, como quando se faz uma viagem, sofrer-se-ia quase tanto como se isso fosse verdadeiro, e apreender-se-ia o dormir como se apreende o despertar quando se teme entrar em semelhantes desgraças realmente. E, com efeito, isto faria pouco mais ou menos o mesmo mal que a realidade.
Mas, porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica, o que se vê neles afecta bem menos que o que se vê acordado, por causa da continuidade, que não é contudo tão contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente, a não ser raramente, como quando se viaja; e então diz-se: «Parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho um pouco menos inconstante.
Como Trair o Seu Marido em Imaginação
Proponho-me ensinar-lhes como trair o seu marido em imaginação.
Acreditem-me: só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição sine qua non de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor.
Concedo que a inferioridade feminina precisa de macho. Acho que, ao menos se deve limitar a um macho só, fazendo dele, se disso precisar, centro de um círculo de raio crescente de machos imaginados.A melhor ocasião para fazer isso é nos dias que antecedem os da menstruação. Assim:
Imaginam o seu marido mais branco de corpo. Se imaginam bem, senti-lo-ão mais branco sobre si.
Retenham todo o gesto de sensualidade excessiva. Beijem o marido que lhes estiver em cima do corpo e mudem com a imaginação o homem num olhar belo que lhes estiver em cima da alma.
A essência do prazer é o desdobramento. Abram a porta da janela ao Felino em vós.
Como tracasser o marido.
Importa que o marido às vezes se zangue.
O essencial é começar a sentir a atracção pelas coisas que repugnam não perdendo a disciplina exterior.
A maior indisciplina interior junta à máxima disciplina exterior compõe perfeita sensualidade.