Poupar a Vontade
Em comparação com o comum dos homens, poucas coisas me atingem, ou, dizendo melhor, me prendem; pois é razoável que elas atinjam, contanto que não nos possuam. Tenho grande zelo em aumentar pelo estudo e pela reflexão esse privilégio de insensibilidade, que em mim é naturalmente muito saliente. Desposo – e consequentemente me apaixono por – poucas coisas. A minha visão é clara, mas detenho-a em poucos objectos; a sensibilidade, delicada e maleável. Mas a apreensão e aplicação, tenho-a dura e surda: dificilmente me envolvo. Tanto quanto posso, emprego-me todo em mim; porém mesmo nesse objecto eu refrearia e suspenderia de bom grado a minha afeição para que ela não se entregasse por inteiro, pois é um objecto que possuo por mercê de outrém e sobre o qual a fortuna tem mais direito do que eu. De maneira que até a saúde, que tanto estimo, ser-me-ia preciso não a desejar e não me dedicar a ela tão desenfreadamente a ponto de achar insuportáveis as doenças. Devemos moderar-nos entre o ódio e o amor à voluptuosidade; e Platão receita um caminho mediano de vida entre ambos.
Mas às paixões que me distraem de mim e me prendem alhures, a essas certamente me oponho com todas as minhas forças.
Passagens sobre Surdos
108 resultadosUm bom casamento exige que o homem seja surdo e a mulher cega.
Nascença Eterna
Nascença Eterna,
Nasce mais uma vez!
Refaz a humílima Caverna
Que nunca se desfez.Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez mais,
Tão perto que te aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros animais.Os que te dizem não,
Os épicos do absurdo,
Que afirmarão, na sua negação,
Senão seu olho cego, ouvido surdo?Infelizes supremos,
Com seu fracasso alcançam nomeada,
E contentes se atiram aos extremos
Do seu nada.Na nossa ambiguidade,
Somos piores, nós, talvez,
E uns e outros só vemos a verdade
Que, Verdade de Sempre!, tu nos dês.Se nada tem sentido sem a fé
No seu sentido, Sol que não te apagas,
Rompe mais uma vez na noite, que não é
Senão o dia de outras plagas.Perpétua Luz, Contínua Oferta
A nossa escuridade interna,
Abre-te, Porta sempre aberta,
Mais uma vez, na humílima Caverna.
O carácter é a energia surda e constante da vontade.
Choro De Vagas
Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marés, em ermas plagas…Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!
A morte é surda e vem-nos bater à porta quando menos o esperamos.
Essas injúrias passavam despercebidas tanto pelo padre como pelo corcunda. Quasímodo era surdo demais e Cláudio pensador demais.
Um casamento feliz pode existir apenas entre um marido surdo e uma mulher cega.
Um bom casamento seria o de uma mulher cega com um homem surdo.
Soneto XXXIX
Argos para outras cousas, Polifemo
Só para esta, despois que a noite abraça,
Que astuto caçador da surda caça,
Que sereia te pôs em tanto extremo?Torna mancebo em ti, que a vida temo
Te seja a sombra deste teixo escassa,
Ou qual figueira ao touro te desfaça
O lustre, o brio, o teu valor supremo.Deixa seco e sem glória o tronco verde
Com seus torcidos nós a branca hera,
Este de honra, ser, vida, te despoja.Porque despois não digas “quem soubera?”
O nome funeral de quem te perde,
Se ousa a língua dizê-lo, aqui se arroja.
Musa Impassível I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de acção.
Beethoven Surdo
Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!
Não existe casamento feliz entre uma mulher cega com um marido surdo.
Carpe Diem
Que faço deste dia, que me adora?
Pegá-lo pela cauda, antes da hora
Vermelha de furtar-se ao meu festim?
Ou colocá-lo em música, em palavra,
Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?
Força é guardá-lo em mim, que um dia assim
Tremenda noite deixa se ela ao leito
Da noite precedente o leva, feito
Escravo dessa fêmea a quem fugira
Por mim, por minha voz e minha lira.(Mas já se sombras vejo que se cobre
Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.
Já nele a luz da lua – a morte – mora,
De traição foi feito: vai-se embora.)
A paixão torna o homem cego, surdo e burro.
Não falar para o seu século é falar com surdos.
O Papel do Sonho na Vida
Por vezes, o homem é mais sincero e rico na desordem dos sonhos que na consciência unitária do raciocinador acordado, mas nós vivemos enquanto negamos o sonho e o tornamos inútil. O génio é a extradição do sonho, porque enriquece a consciência com as reservas e as pessoas do inconsciente. Expulsa o selvagem e o delinquente, destila a sagacidade do louco, adopta a criança e escuta o poeta. Não é autocrata surdo, como o homem vulgar, mas pai de iguais. A concórdia de se terem almas subterrâneas faz a grandeza do génio, e a sua obra é a sublimação do sonho, desenrolado na vida verdadeira, liberdade concedida aos pensamentos inocentes dos reclusos.
Escolher é próprio do homem, mas escolhe-se com a rejeição e mais com o acolhimento. Vencer não significa apenas destruir, mas incorporar. A razão será tanto mais razoável quanto maior a loucura que assumir em si; o herói será mais forte se transferir para si a energia do pecador, e a fantasia do poeta tornará mais profundos os cálculos do político.
Quando o chefe da alma é o poeta, verdadeiramente poeta, não encarcera a razão, mas condu-la consigo para cima, ao céu em que até o silogismo se torna fogo.
Sempre os que dizem de antemão que lutam em nome de Deus são pessoas menos pacíficas do mundo: como crêem que recebem mensagens celestiais, têm os ouvidos surdos para qualquer palavra de humanidade.
Os Malefícios da Rivalidade na Escola
Poucas serão as escolas em que o mestre não anime entre os alunos o espírito de emulação; aos mais atrasados apontam-se os que avançaram como marcos a atingir e ultrapassar; e aos que ocuparam os primeiros lugares servem os do fim da classe de constantes esporas que os não deixam demorar-se no caminho, cada um se vigia a si e aos outros e a si próprio apenas na medida em que se estabelece um desnível com o companheiro que tem de superar ou de evitar.
A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam.
Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores; e é certamente esta predominância dada ao espírito de batalha um dos grandes malefícios dos sistemas escolares assentes sobre a rivalidade entre os alunos;