Textos sobre Dois

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Textos de dois escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Inteligência e Intuição

O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objecto e também reflectir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais – do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objecto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de reflectir sobre o seu objecto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si.

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Mais do que Amor

O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.

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Saber Pegar na Asa Certa

Qualquer coisa tem duas asas: uma que nos permite a levemos connosco, a outra que tal intenção não nos facilita. Se o teu irmão tem mau feitio, não o chames a ti levando a mão à asa que se manifesta de modo errado. Por aí, é-te impossível levar a bom termo o teu propósito. Toma-o antes pela asa boa, pela mão que se não recusa à tua mão – e se te lembrares que ele é teu irmão, que foi amamentado contigo, logo verás que o podes chamar a ti.

Todos Amam Precisamente o que lhes Falta

Todos amam precisamente o que lhes falta. A escolha individual, que se funda nessas considerações meramente relativas, é bem mais determinada, mais decidida e mais exclusiva do que a escolha que se baseie em considerações absolutas; é desses aspectos relativos que vulgarmente nasce o amor de paixão, enquanto os amores comuns e passageiros só são guiados por considerações absolutas. Nem sempre é a beleza regular e perfeita que dá origem às grandes paixões. Para uma inclinação verdadeiramente apaixonada é necessária uma condição que só nos é possível descrever através de uma metáfora tirada à química. As duas pessoas devem neutralizar-se uma à outra, tal como um ácido e uma base alcalina num sal neutro.

A Glória em Função dos Feitos e das Obras

Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,

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O Cinismo dos Valores

Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente… Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.

Há lá Coisa Melhor?

Há lá coisa melhor do que duas mãos que se beijam?

A mão dela tinha Deus dentro. Apertava-a, beijava-a com a minha mão apressada, com a minha mão urgente, a minha mão como se numa ambulância, e percorríamos as ruas mesmo que fossem as ruas que nos percorressem a nós, simples corpos sorridentes

Há lá coisa melhor do que dois corpos que se sorriem?

Sabia, com cada um dos meus dedos, com cada uma das minhas mãos, todos os riscos e ranhuras da mão dela; era ali, no por dentro das mãos que tocava, que ouvia as novidades, que lia os títulos das notícias, de todas as notícias que me importavam

Há lá coisa melhor do que ler as notícias na mão que se ama?

Não havia, nos passos que dávamos, qualquer distância andada, nem sequer um caminho a andar; éramos caminhantes de andar, viajantes do nosso tempo. E acreditávamos, todos os dias, em todas as respirações que respirávamos no espaço das nossas mãos, que o tempo era apenas o instante em que, juntos, parávamos o tempo

Há lá coisa melhor do que o instante em que se pára o tempo?

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A Ignorância

O povo julga bem as coisas, porque está na ignorância natural, que é o verdadeiro lugar do homem. A ciência tem duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância da qual tinham partido; mas é uma ignorância sábia que se conhece. Os do meio, que saíram dessa ignorância natural e não puderam chegar à outra, têm umas pinceladas dessa ciência suficiente, e armam-se em entendidos. Esses perturbam o mundo e julgam mal de tudo. O povo e os verdadeiramente sábios compõem a ordem do mundo; estes desprezam-na e são desprezados.

A Tirania Individual e a Tirania Colectiva

As divergências de opinião não resultam, como por vezes supomos, das desigualdades de instrução daqueles que as manifestam. Elas notam-se, com efeito, em indivíduos dotados de inteligência e de instrução equivalentes. Disso se convencerá quem percorrer as respostas aos grandes inquéritos colectivos destinados a elucidar certas questões bem definidas.
Entre os inúmeros exemplos fornecidos pela leitura das suas actas, mencionarei apenas um, muito típico, publicado nos Anais de Psicologia do sr. Binet. Querendo informar-se quanto aos efeitos da redução do programa de história da filosofia nos liceus, enviou um questionário a todos os professores incumbidos desse ensino. As respostas foram nitidamente contraditórias, pois uns declaravam desastroso o que os outros julgavam excelente. «Não se compreende», conclui o Sr. Binet com melancolia, «que uma reforma que consterna um professor, pareça excelente a um dos seus colegas. Que lição para eles sobre a relatividade das opiniões humanas, mesmo entre pessoas competentes!».
Contradições da mesma espécie invariavelmente se manifestaram em todos os assuntos e em todos os tempos. Para chegar à acção, o homem teve, entretanto, de escolher entre essas opiniões contrárias. Como operar tal escolha, sendo a razão muito fraca para a determinar?
Somente dois métodos foram descobertos até hoje: aceitar a opinião da maioria ou a de um único,

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O Medo do Fim

Alguns pensam que a felicidade é a ausência de sofrimento… mas, na verdade, está errada essa ideia. A felicidade e o sofrimento são ambos pilares fundamentais da existência. Sem sofrimento a nossa humanidade não seria provada e os nossos dias não teriam valor. Assim também a felicidade, sendo a alegria mais profunda, é o que dá sentido a todas as noites… não são realidades que se possam medir, mas não deixam de ser algo tão concreto como as nossas duas mãos, que sempre trabalham em conjunto, sabendo cada uma o seu papel e o seu valor.

Evitar a dor não nos torna mais fortes.

Tememos as perdas. Tememos a morte. Talvez porque o nada é um abismo que assusta todos quantos têm uma vida com valor. Porque somos impelidos a defender o significado do que erguemos aqui. Não se quer aceitar que tudo quanto se construiu, durante uma vida, seja suprimido sem deixar rasto. Quantas vezes não é o momento do fim que se teme, mas antes o que se pode fazer até lá?
Caminhar rumo ao desconhecido é uma prova de coragem e de fé diante das evidências deste mundo. Os olhos não querem ver nem as pernas caminhar,

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A Moral é Imperiosa e Injustificável

O comportamento moral implica sempre um juiz e a memória nele desse nosso comportamento. Assim se admite a nossa responsabilidade perante outrem e a ideia de que nesse outrem perdurará a memória de nós pelos séculos. Ora o que é que significa hoje o comportamento dos que viveram há cem anos? e há mil? Quando Deus se dava ao luxo de existir, ele garantiria a memória do que fomos. Mas agora que ele desistiu? E todavia a ordem moral continua. O «se Deus não existe tudo é permitido» de Dostoievski é perfeitamente ilusório. Nós construímos a nossa moral como se ela existisse. Alguma coisa portanto deve persistir perante a qual nos comportamos.
Os homens célebres compreende-se. Mas o comum dos mortais? Será a «consciência» um hábito? Teremos nós a vocação da imortalidade para agirmos dentro dela? Perante quem nos comportaríamos numa ilha deserta com a certeza absoluta de que ninguém saberia dos nossos actos? Que é que persiste de nós após a morte para nos julgarmos vivos então e podermos envergonhar-nos do mal que tivéssemos praticado? Toda a nossa vida é tecida de ilusão. E nada em nós consente que a dissipemos. Mas o próprio animal tem um comportamento que pode prejudicá-lo e de que não abdica.

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A Exacta Glória é a Póstuma

A exacta glória é a póstuma, a que nenhum dente rói, e que só desce sobre um nome depois da ressurreição intemporal do seu possuidor. Todos sabemos que a imortalidade do poeta lhe nasce das cinzas. Mas o artista enquanto vive é homem. Rege-o tanto uma lei de cima como uma lei de baixo. E por isso, pela transitória fama entre meia dúzia de condicionados contemporâneos, é capaz de matar um irmão. Velhos e novos aprestam nesta triste luta as mesmas armas e as mesmas unhas. Os velhos querem guardar os loiros; os novos querem tirar-lhos das mãos. E sem haver a mais pequena esperança de paz entre as duas forças. É da própria natureza dos contendores que nenhum ceda. A sofreguidão é tanto da fisiologia senil, como da infantil…

Escrever é Triste

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira.

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Religião e Superstição

É tão grande a fraqueza do género humano, tamanha a sua perversidade, que, sem dúvida, lhe vale mais estar subjugado por todas as superstições possíveis – desde que não tenham carácter assassino – do que viver sem religião. O homem sempre teve necessidade de um freio e, por ridículo que fosse sacrificar aos faunos, aos silvanos ou às náiades, era mais razoável e mais útil adorar essas imagens fantásticas da Divindade do que entregar-se ao ateísmo. Um ateu que fosse razoador, violento e poderoso, seria um flagelo tão funesto como um supersticioso sanguinário.
Quando os homens não dispõem de sãs noções acerca da Divindade, as ideias falsas suprem-lhes a falta, tal como nos tempos de desgraça se fazem negócios com moeda falsa quando falta a moeda boa. O pagão, se cometia um crime, temia ser punido pelos seus falsos deuses; o malabar teme ser punido pelo seu pagode. Em todo o lado onde há uma sociedade estabelecida, é necessária uma religião. As leis exercem vigilância sobre os crimes conhecidos, a religião exerce-a sobre os crimes secretos.
Mas, a partir do momento em que os homens chegam a abraçar uma religião pura e santa, a superstição torna-se não apenas inútil,

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O Provincianismo Português (I)

Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,

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O Amor Vulgar

Pinta-se o Amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão, e amar, são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a ser? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos Pintores do Amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.

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Dar Estilo ao Seu Carácter

«Dar estilo» ao seu carácter… é uma arte deveras considerável que raramente se encontra! Para a exercer é necessário que o nosso olhar possa abranger tudo o que há de forças e de fraquezas na nossa natureza, e que as adaptemos em seguida a um plano concebido com gosto, até que cada uma apareça na sua razão e na sua beleza e que as próprias fraquezas seduzam os olhos. Aqui ter-se-á acrescentado uma grande massa de segunda natureza, nos pontos onde se terá tirado um pedaço da primeira, à custa, nos dois casos, de um paciente exercício e de um trabalho de todos os dias. Neste lugar disfarçou-se uma fealdade que se não podia fazer desaparecer, noutro ela foi transmudada, fez-se dela uma beleza sublime. Grande número de elementos, que se recusavam a tomar forma, foram reservados para ser utilizados nos efeitos de perspectiva: darão os longes, o apelo do infinito. Foi a unidade, a pressão de um mesmo gosto que dominou e afeiçoou no grande e no pequeno: a que ponto, vemo-lo por fim, uma vez terminada a obra; que esse gosto seja bom ou mau, importa menos do que se pensa, basta que tenha havido um.
Serão as naturezas fortes e dominadoras que apreciarão as alegrias mais subtis nesta opressão,

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Prefiro Ser Povo

Se comparo as duas condições mais opostas dos homens, quero dizer, os nobres e o povo, este último parece-me contente com o necessário e os outros inquietos e pobres com o supérfluo. Um homem do povo não saberia fazer nenhum mal; um nobre não quer nenhum bem e é capaz de grandes malefícios; um, só se forma e se exerce nas coisas úteis; o outro, acrescenta as perniciosas: ali, mostram-se ingenuamente a grosseria e a franqueza; aqui, esconde-se uma seiva maligna e corrompida sob a casca da polidez: o povo não tem espírito e os nobres não têm alma; aquele tem bom fundo e não tem boa aparência; estes só têm aparências e uma simples superfície. Será preciso optar? Não hesito: quero ser povo.

Excesso de Leitura

Existem dois modos distintos de ler os autores: um deles é muito bom e útil, o outro, inútil e até mesmo perigoso. É muito útil ler quando se medita sobre o que é lido; quando se procura, pelo esforço da mente, resolver as questões que os títulos dos capítulos propõem, mesmo antes de se começar a lê-los; quando se ordenam e comparam as idéias umas com as outras; em suma, quando se usa a razão. Pelo contrário, é inútil ler quando não entendemos o que lemos, e perigoso ler e formar conceitos daquilo que lemos quando não examinamos suficientemente o que foi lido para julgar com cuidado, sobretudo se temos memória bastante para reter os conceitos firmados e imprudência bastante para concordar com eles. O primeiro modo de ler ilumina e fortifica a mente, aumentando o entendimento. O segundo diminui o entendimento e gradualmente o torna fraco, obscuro e confuso. Ocorre que a maior parte daqueles que se vangloriam de conhecer as opiniões dos outros estuda apenas do segundo modo. Quando mais lêem, portanto, mais fracas e mais confusas se tornam as suas mentes.

Amar Ajuda

Hoje, no dia antes do dia de São Valentim, quero escrever sobre o amor nos outros dias do ano. Ontem foi um deles. Recebi uma má notícia e imediatamente a Maria João recebeu-a como se fosse ela a recebê-la.
Recebemos a má notícia e, ao recebê-la no plural, diluiu-se por muito mais do que dois. O plural de um não é dois: são muitos. Sentimo-nos como se fôssemos muitos.
Existe o espalhar o mal pelas aldeias. Mas com o amor, com o casamento de almas que, virando-se uma para a outra, se voltam, viradas, contra o mundo, o mal multiplica-se e exagera-se ao ponto dos dois apaixonados se tornarem numa multidão de revoltados que se revolta tanto como se ama.
A boa ideia – mas talvez errada – vem de Platão, das duas metades que se encontram para alcançarem a unidade de um só ser completo. Sendo assim, as almas gémeas são apenas duas metades que se completam: precisam de completar-se para se transformarem numa unidade.
Não é verdade. O amor junta duas unidades – a Maria João e eu, por exemplo – e faz com que tenham muito mais do que a força de uma só pessoa.

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