A Multidão Embrutece
Assim que muitos homens se encontram juntos, perdem-se. A multidão transporta as suas unidades do presente para o passado e precipita-as de cima para baixo: trata-se de um recuo e uma decadência.
Todo o homem, lá dentro, converte-se noutro – mas pior. Nas multidões, a união é constituída pelos inferiores e fundada nas partes inferiores de todas as almas. São florestas em que os ramos altos não se entrelaçam, mas apenas, em baixo na escuridão, as raízes terrosas. Todos perdem o que os torna diferentes e melhores, enquanto o antigo rústico – que, entre obstáculos, mordaças e açaimos, parecia aniquilado – acorda e muge. Em todas as multidões, como em toda a Humanidade, os medíocres são infinitamente mais que os grandes, os calmos que os violentos, os simples que os profundos, os primitivos que os civilizados, e é a maioria que cria a alma comum que imbrica e nivela todo o agrupamento de homens.
Aquele que em cada um forma o seu superior não pode conformar-se e fundir-se – é a pessoa única e, portanto, incomunicável. Toda a pessoa se opõe às outras, existe enquanto é diferente, não se pode liquefazer num todo. Mas há em cada um de nós,
Textos sobre Forma
514 resultadosBreve Explicação do Sentido da Vida
Como exprimir em duas linhas o que venho tentando explicar já não sei em quantos livros? A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação. Toda a «filosofia da vida» tem de aspirar à mútua integração destes contrários. Com uma transcendência divina, a integração era fácil. Mas mais difícil do que o absurdo em que nos movemos seria justamente essa transcendência. Há várias formas de resolver tal absurdo, sendo a mais fácil precisamente a mais estúpida, que é a de ignorá-lo.
Mas se é a vida que ao fim e ao cabo resolve todos os problemas insolúveis – às vezes ou normalmente, pelo seu abandono – nós podemos dar uma ajuda. Ora uma ajuda eficaz é enfrentá-lo e debatê-lo até o gastar… Porque tudo se gasta: a música mais bela ou a dor mais profunda. Que pode ficar-nos para já de um desgaste que promovemos e ainda não operamos? Não vejo que possa ser outra coisa além da aceitação, não em plenitude – que a não há ainda – mas em resignação. Filosofia da velhice, dir-se-á. Com a diferença, porém, de que a velhice quer repouso e nós ainda nos movemos bastante.
Reinventar o Mistério
Cada vez acredito mais nisso: pode efectivamente haver bom sexo sem pecado. Mas não pode, nunca pôde, nem nunca poderá haver bom sexo sem mistério. Se muitos casais perdem o desejo ao fim de alguns anos, é porque o mistério desapareceu. Se outros tantos o mantêm latejante ao fim de várias décadas, é porque encontraram uma forma de reinventar o mistério. Feitas as contas, tem de haver sempre alguma espontaneidade – até alguma pressa, alguma urgência. E o melhor, apesar de tudo, é que o sexo seja muitas vezes bom e todas as restantes apenas assim-assim. No exacto instante em que for perfeito perderá dois terços do interesse, se não o interesse todo. Da próxima já não poderá ser melhor.
É claro: quatro quintos dos portugueses discordarão aberta e ostensivamente disto. Nos estudos sociológicos e nas conversas de café, nas telenovelas e nas reportagens «do social», não encontro outra coisa senão atletas sexuais – e nenhum atleta sexual alguma vez poderá ser surpreendido a aceitar que a sua última sessão foi apenas assim-assim (e muito menos que a próxima poderá ser assim-assim também).
O Dilema do Conhecimento
Como todos sabemos, aprender pouco é algo perigoso. Mas o excesso de aprendizado altamente especializado também é uma coisa perigosa, e por vezes pode ser ainda mais perigoso do que aprender só um pouco. Um dos principais problemas da educação superior agora é conciliar as exigências da muita aprendizagem, que é essencialmente uma aprendizagem especializada, com as exigências da pouca aprendizagem, que é a abordagem mais ampla, mas menos profunda, dos problemas humanos em geral.
(…) O que precisamos fazer é arranjar casamentos, ou melhor, trazer de volta ao seu estado original de casados os diversos departamentos do conhecimento e das emoções, que foram arbitrariamente separados e levados a viver em isolamento nas suas celas monásticas. Podemos parodiar a Bíblia e dizer: “Que o homem não separe o que a natureza juntou”; não permitamos que a arbitrária divisão académica em disciplinas rompa a teia densa da realidade, transformando-a em absurdo.
Mas aqui deparamo-nos com um problema muito grave: qualquer forma de conhecimento superior exige especialização. Precisamos de nos especializar para entrar mais profundamente em certos aspectos separados da realidade. Mas se a especialização é absolutamente necessária, pode ser absolutamente fatal, se levada longe demais. Por isso, precisamos de descobrir algum meio de tirar o maior proveito de ambos os mundos –
A Originalidade é Antitética à Novidade
Arte, música e literatura significativas não são novas, como são, como se esforçam por ser, as notícias dadas pelo jornalismo. A originalidade é antitética à novidade. A etimologia da palavra alerta-nos. Fala de «início» e de «instauração» de um regresso, em substância e em forma, ao início. Directamente relacionadas com a sua originalidade e com a sua força de inovação espiritual-formal, as invenções estéticas são «arcaicas». Trazem em si o pulsar de uma fonte distante.
A Alma Esférica
Considero que a alma tem forma esférica (se é que tem alguma forma). Uma esfera em que uma luz fraca penetra ligeiramente – mas só ligeiramente – sob a superfície matizada, onde sensações e actos de consciência, como bolas de sabão, rodopiam mudando constantemente de cor.
Mais abaixo há apenas um leve vestígio de luz, como no fundo do mar, e depois a escuridão. Escuridão, escuridão.
Mas não é uma escuridão ameaçadora. É uma escuridão maternal.
Obedecer ao Seu Génio ou às Suas Insuficiências
Para aquele que produz não há nenhuma prova mais séria do que procurar reconhecer se o que, de um passo para outro, o coage e previne é o seu verdadeiro génio ou a voz pusilânime das suas insuficiências: se, ao adquirir a forma, obedece ao que nele há de mais elevado ou de mais baixo.
A Morte e o Sexo
A vida dá-nos indicações sob várias formas de que a morte não deveria assustar-nos, pelo contrário, que é agradável. O sono é-nos dado como um protótipo da morte, e lutamos por ele todas as noites, que nos dá o maior esquecimento da vida. Não tememos o esquecimento; desejamo-lo porque nos dá paz.
O sexo também nos sugere como será agradável a morte, mas não prestamos atenção. Se pudéssemos morrer duas vezes, então talvez não receássemos a segunda vez. Tal como uma virgem receia a dor causada pela introdução do pénis, mas sente prazer da segunda vez e fica cheia de vontade de sexo e ansiosa por isso, não prestando atenção à insignificância da dor comparada com o prazer que recebe.
Por isso só temos uma morte, para que ao percebermos o seu encanto da primeira vez, não nos sentíssemos mais poderosamente atraídos por ela do que pela vida. Deus não seria capaz de nos manter vivos, como não foi capaz de nos manter na inocência, e estaríamos continuamente a lutar por nos sucidarmos.
O sexo é-nos dado como uma substituição para a morte múltipla. Depois de nos restabelecermos de uma morte doce, ficamos cheios de vontade de a experimentar outra vez.
Nascer em Nós
Depositamos pouca fé em nós mesmos. Acreditamos que as boas soluções só podem chegar-nos de fora, como se fossemos incapazes de as criar… Quantas vezes a fé e a esperança aparecem como uma desculpa confortável em que nos instalamos e desistimos de trabalhar!? Queremos muito que tudo mude (para melhor), de uma vez só, com uma só chave milagrosa e… enquanto estamos a dormir.
Outro é o desafio da existência humana. Para além de saber esperar, é preciso lutar e sofrer. Esperar não é ficar à espera, mas encontrar forma para que as coisas aconteçam. O melhor do mundo está no fundo de nós, mas é preciso que o façamos nascer e crescer…As soluções estão, na maior parte dos casos, no seio dos problemas, quase sempre no exato ponto onde eles nasceram. Os problemas não são becos sem saída, mas muros a transpor: não são algo acabado, mas sim processos… não são quês, são comos.
Deus pode nascer em nós, não vem de fora, como um forasteiro. É connosco. É-nos íntimo. São as nossas mãos que o encarnam… é pela nossa vida que Ele quer chegar ao mundo.
Há muitos que o querem no alto,
A Solidão não Constitui Alimento, apenas Jejum
Se não temos aptidão para fazer amigos, remodelemo-nos até consegui-la. A solidão só vale como remédio, como jejum – não constitui alimento; o carácter, como Goethe o viu com tanta clareza, só se forma no tumulto da vida. Se nos tornamos excessivamente introspectivos, estamos na senda da perdição, ainda que o nosso negócio seja a psicologia; olhar com persistência excessiva para dentro de nós mesmos é provocar o desastre do jogador de ténis que conscientemente mede a distância, os ângulos e a força dos golpes, ou como o pianista que pensa nos dedos. Os amigos são necessários, não só porque nos ouvem, como porque se riem para nós; através dos amigos conseguimos um pouco de objectividade, um pouco de modéstia, um pouco de cortesia; com eles também aprendemos as regras da vida, tornando-nos melhores jogadores dos jogos que a compõem.
Se queres ser amado, sê modesto; se queres ser admirado, sê orgulhoso; se queres as duas coisas, usa externamente a modéstia e internamente o orgulho. Mas o próprio orgulho pode ser modesto, raramente se deixando ver, e nunca se deixando ouvir.
Não revelar muita agudeza: os epigramas tornam-se odiosos quando farpeiam fundo a carne; e adoptar como lema o De vivis nil nisi bonum.
A Vaidade Cega a Sabedoria
Os sábios da terra não são os mais próprios para o governo dela. As Repúblicas, que se fundaram, ou se quiseram governar por sábios, perderam-se, acabaram-se; temos notícia delas pelo que foram, e não pelo que são. (…) As maiores crueldades, ou foram feitas, ou aconselhadas pelos Sábios; estes quando persuadem o mal, é com tanta veemência, e tão eficazmente, que as gentes na boa fé, buscam, e particam esse mal, como por entusiasmo, e sem advertirem nele. A impiedade, é uma das coisas que a ciência ensina; não porque seja o seu objecto, ou instituto, mas porque quando a impiedade é útil, à força de a ornar, se lhe tira o horror. A vaidade das ciências não consente, que haja cousa de que ela não possa, nem se saiba aproveitar.
Os erros comummente são partos da sabedoria humana; o errar propriamente é dos sábios, porque o erro supõe conselho, e premeditação; os ignorantes quási que obram por instinto; a ciência sabe legitimar o erro, a ignorância não; por isso nesta não há perigo de que ninguém o aprove; ao passo que naquela há o perigo de que a multidão o siga. O erro na mão de um sábio é como uma lança penetrante,
Dizer Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código,
Da Ideia do Belo em Geral
I – Chamamos ao belo ideia do belo. Este deve ser concebido como ideia e, ao mesmo tempo, como a ideia sob forma particular; quer dizer, como ideal. O belo, já o dissemos, é a ideia; não a ideia abstracta, anterior à sua manifestação, não realizada, mas a ideia concreta ou realizada, inseparável da forma, como esta o é do principio que nela aparece. Ainda menos devemos ver na ideia uma pura generalidade ou uma colecção de qualidades abstraídas dos objectos reais. A ideia é o fundo, a própria essência de toda a existência, o tipo, unidade real e viva da qual os objectos visíveis não são mais que a realização exterior. Assim, a verdadeira ideia, a ideia concreta, é a que resume a totalidade dos elementos desenvolvidos e manifestados pelo conjunto dos seres. Numa palavra, a ideia é um todo, a harmoniosa unidade deste conjunto universal que se processa eternamente na natureza e no mundo moral ou do espírito.
Só deste modo a ideia é verdade, e verdade total.
Tudo quanto existe, portanto, só é verdadeiro na medida em que é a ideia em estado de existência; pois a ideia é a verdadeira e absoluta realidade. Nada do que aparece como real aos sentidos e à consciência é verdadeiro por ser real,
Personalidade e Individualidade
Todas as sociedades se têm esforçado por nos iludir e persuadir-nos a concentrar a nossa atenção na personalidade como se ela fosse a nossa individualidade. A personalidade é aquilo que nos é dado pelos outros. A individualidade é aquilo com que nascemos e é a natureza do nosso eu: não pode ser-nos dada por ninguém, nem pode ser-nos tirada por ninguém. A personalidade pode ser dada e tirada. Consequentemente, quando nos identificamos com a nossa personalidade, começamos a ter medo de perdê-la, e sempre que surge uma fronteira além da qual temos de nos fundir, a nossa personalidade recolhe-se. É incapaz de ir além dos limites do que conhece. Trata-se de uma camada muito fina, que nos é imposta. No amor profundo, evapora-se. Numa grande amizade, é impossível discerni-la.
A morte da personalidade nunca é absoluta em nenhum tipo de comunhão.
E nós identificamo-nos com a personalidade: os nossos pais, professores, vizinhos e amigos disseram-nos que somos assim, todos moldaram a nossa personalidade e lhe deram uma forma, fazendo de nós algo que não somos e que nunca poderemos ser. Por isso, somos infelizes, vivendo enclausurados nesta personalidade. É a nossa prisão. No entanto, também temos medo de sair dela,
O Oportunismo
O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz.
Por outra parte, é muito difícil lutar contra uma tendência que anda inerente ao homem, à sua pequenez, à sua fragilidade ante o universo e que rompe através dos raciocínios mais fortes e das almas mais bem apetrechadas: não damos ao futuro toda a extensão que ele realmente comporta, supomos que o progresso se detém amanhã e que é neste mesmo momento, embora transigindo, embora feridos de incoerência, que temos de lançar o grão à terra e de puxar o caule verde para que a planta se erga mais depressa.
Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava,
Nunca Ninguém Amou Completamente
Vou deitar-te na eternidade, que é esse o teu lugar, é esse, é esse. E agora só tenho que te amar tudo de ti, não deixar nada de fora. Porque, sabê-lo-ás? Nunca ninguém amou completamente, houve sempre uma forma de amar fragmentária, parcial. Amou-se sempre em função de uma fracção do amor como se usou um vestuário segundo a moda, desde o calção ou o penante de plumas. Vou-te amar como Deus. Não, não. Deus não sente prazer nem movimento progressivo até ao prazer, coitado, é tão infeliz. Vou-te amar como um homem desde que os há, desde o tempo das cavernas até hoje e com um pequeno suplemento que é só meu.
A Cobardia como Pilar da Civilização
Costuma-se jogar na cara dos marxistas, com a sua concepção materialista da História, que eles subestimam certas qualidades espirituais do homem que não dependem de quanto ele ganhe ou deixe de ganhar. O argumento é o de que essas qualidades colorem as aspirações e actividades do homem civilizado tanto quanto são coloridas pela sua condição material, tornando assim impossível simplesmente
reduzir o homem a uma máquina económica. Como exemplos, os antimarxistas citam o patriotismo, a piedade, o senso estético e a vontade de conhecer Deus. Infelizmente, os exemplos são mal escolhidos. Milhões de homens não ligam para o patriotismo, a piedade ou o senso estético, não têm o menor interesse activo em conhecer Deus. Por que é que os antimarxistas não citam uma qualidade espiritual que seja verdadeiramente universal? Pois aqui vai uma. Refiro-me à cobardia. De uma forma ou de outra, ela é visível em todo o ser humano; serve também para separar o homem de todos os outros animais superiores. A cobardia, acredito, está na base de todo o sistema de castas e na formação de todas as sociedades organizadas, inclusive as mais democráticas. Para escapar de ir à guerra ele próprio, o camponês deva de mão beijada certos privilégios aos guerreiros – e destes privilégios brotou toda a estrutura da civilização.
A Vida Acontece Agora
Identificar-se com a mente é ser aprisionado no tempo: a compulsão de viver quase exclusivamente das recordações e por antecipação. Esta situação gera uma preocupação interminável com o passado e com o futuro e uma falta de vontade de dignificar e reconhecer o momento presente e permitir que este seja. A compulsão nasce porque o passado lhe dá uma identidade e o futuro contém a promessa de salvação, de realização sob qualquer forma. Ambos são ilusões.
Quanto mais a pessoa se concentra no tempo (passado e futuro), mais sente falta do Agora, a coisa mais preciosa que existe. Porque é o Agora a coisa mais preciosa que existe? Primeiro, porque é a única. É tudo o que existe. O presente eterno é o espaço no âmbito do qual a sua vida se desenrola, o único fator que permanece constante. A vida acontece agora. Nunca houve uma altura em que a sua vida não fosse no agora, nem nunca haverá.
Em segundo lugar, o Agora é o único ponto que pode levar o leitor além dos limites circunscritos da mente. É o seu único ponto de acesso ao mundo eterno e sem forma do Ser.Alguma vez o leitor experienciou,
Conselhos de Vida
1 – Faça o menos possível de confidências. Melhor não as fazer, mas, se fizer alguma, faça com que sejam falsas ou vagas.
2 – Sonhe tão pouco quanto possível, excepto quando o objectivo directo do sonho seja um poema ou produto literário. Estude e trabalhe.
3 – Tente e seja tão sóbrio quanto possível, antecipando a sobriedade do corpo com a sobriedade do espírito.
4 – Seja agradável apenas para agradar, e não para abrir a sua mente ou discutir abertamente com aqueles que estão presos à vida interior do espírito.
5 – Cultive a concentração, tempere a vontade, torne-se uma força ao pensar de forma tão pessoal quanto possível, que na realidade você é uma força.
6 – Considere quão poucos são os amigos reais que tem, porque poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tente seduzir pelo conteúdo do seu silêncio.
7 – Aprenda a ser expedito nas pequenas coisas, nas coisas usuais da vida mundana, da vida em casa, de maneira que elas não o afastem de você.
8 – Organize a sua vida como um trabalho literário, tornando-a tão única quanto possível.
O Que Devemos Sentir
Todas as pessoas devem ter experimentado a sensação desagradável que se tem nas estações de caminho de ferro. Vamos despedir-nos de alguém. A pessoa já entrou no comboio, mas ele demora a partir. Ali ficam as duas pessoas, uma na plataforma e a outra à janela, esforçando-se por conversar, mas de repente não têm nada para dizer.
Isto, evidentemente, resulta de não podermos sentir o que queremos. A situação impõe-nos um determinado sentimento. E quem não experimentou aquele tremendo alívio quando o comboio finalmente parte?
Ou nos funerais. Quando alguém morre ou adoece, quando surgem as desilusões, espera-se sempre que sintamos determinadas coisas.
Em todas as situações, excepto as mais quotidianas, as mais neutras, há uma pressão que se exerce sobre nós, que nos dita a forma como devemos conduzir-nos, aquilo que devemos sentir, E se examinarmos bem o fenómeno, verificamos, não raras vezes, que esses papéis nos são atribuídos por romances, filmes ou peças de teatro que vimos há muito tempo.
Quando somos realmente confrontados com situações invulgares (por exemplo, rivalidades que prevíamos e não se verificam, e em vez disso se transformam num amor que nos deixa sós), a primeira coisa a que nos agarramos são esses padrões sentimentais livrescos.