Devo à Paisagem as Poucas Alegrias que Tive no Mundo
Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil.
Textos sobre Semelhantes
170 resultadosO Inconsciente
Nas discussões sobre o inconsciente nas quais, contra todas as autoridades estabelecidas e reconhecidas, jamais cedo uma polegada de terreno, existe mais do que um problema de palavras. Que um mecanismo semelhante ao instinto dos animais nos faça muitas vezes falar e agir e em seguida pensar, isto é conhecido e nem se discute. Mas trata-se de saber se o que sai assim das minhas entranhas, sem que eu o tenha composto, nem deliberado, é uma espécie de oráculo, isto é, um pensamento vindo das profundezas; ou se devo antes considerá-lo como um movimento da natureza que não tem mais sentido do que o movimento da folhagem do vento.
As Nossas Ideias Ou As Dos Outros
Todos os homens vivem e agem, em parte, segundo as suas próprias ideias e, em parte, segundo as ideias alheias. Uma das principais diferenças que existem entre os seres humanos consiste na medida em que se inspiram nas suas próprias ideias ou nas dos seus semelhantes. Uns limitam-se a servir-se das suas ideias como de um jogo intelectual, usam a razão como a roda de uma máquina da qual houvessem tirado a correia transmissora, submetendo os actos às ideias dos outros, ou seja, aos seus costumes, tradições e leis. Outros consideram que as suas ideias constituem o principal motor da actividade que desenvolvem e quase sempre obedecem às exigências da sua razão. Só de vez em quando, depois de uma apreciação crítica, se guiam pelas normas dos outros.
Opiniões Discordantes
. É preciso repetir de vez em quando a nossa profissão de fé e exprimir em voz alta aquilo que valorizamos e aquilo que condenamos. Os nossos adversários também não deixam de o fazer.
. Os adversários acreditam que nos refutam ao repetir as suas opiniões sem dar atenção à nossa. . Os que contradizem e entram em disputa deviam pensar de vez em quando que nem todas as linguagens são entendíveis por toda a gente.
. Quando alguém afirma que conseguiu contradizer-me não pensa que se limitou a contrapor uma visão das coisas à minha, e que, portanto, com isso nada conseguiu de facto. Um terceiro tem o direito de lhe fazer o mesmo, e assim por diante, até ao infinito.
. Em Nova Iorque há noventa confissões cristãs diferentes e cada uma delas tem a sua maneira própria de adorar a Deus e ao Senhor Jesus, sem por isso se confundirem umas com as outras. Devíamos levar a cabo qualquer coisa de semelhante na investigação relativa à Natureza – e, aliás, em toda a investigação. Pois, que significado tem toda a gente falar de liberalidade e cada um pretender limitar os outros segundo a sua própria maneira de pensar e de se exprimir?
Contra a Ansiedade
Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela;
As Uniões Necessárias
A primeira união necessária é a de dois seres que são incapazes de existir um sem o outro: é o caso do macho e da fêmea tendo em vista a procriação (e essa união nada tem de arbitrária, mas como nas outras espécies animais e nas plantas, trata-se de uma tendência natural a deixar atrás de si um outro ser semelhante); é ainda a união daquele cuja natureza é comandar com aquele cuja natureza é ser comandado, tendo em vista a sua conservação comum.
A Compaixão como Prevenção
A compaixão é frequentemente um sentimento dos nossos males nos males dos outros. É uma hábil antevisão dos infortúnios em que podemos cair. Damos auxílio aos outros para levá-los a nos dar outro tanto em ocasiões semelhantes; e os serviços que lhes prestamos são, para dizer a verdade, bens que fazemos a nós mesmos de antemão.
Se Quisermos Viver a Vida de Forma Criativa
É raro ver-se um artista na casa dos 30 ou dos 40 anos contribuir com alguma coisa realmente extraordinária. É claro que existem algumas pessoas com uma curiosidade inata, que são eternas crianças na maneira como se maravilham com a vida, mas são raras.
Os nossos pensamentos constroem padrões semelhantes a dobras na nossa mente. Nós estamos efectivamente a esboçar padrões químicos. Na maioria dos casos, as pessoas ficam presas nesses padrões, como nos sulcos de um disco, e nunca saem deles.
Se quisermos viver a vida de forma criativa, como um artista, não podemos olhar muito para trás. Temos de estar dispostos a agarrar naquilo que fizemos, na pessoa que fomos, e deitá-lo fora.
Quanto mais o mundo exterior tenta impor-nos uma imagem nossa, mais difícil é continuarmos a ser um artista, e é por isso que muitas vezes os artistas têm de dizer: «Adeus. Tenho de ir. Estou a ficar maluco e vou sair daqui.» E depois ir hibernar para qualquer lado. Talvez mais tarde, voltemos a emergir de uma maneira um pouco diferente.
As Aparências Dizem Aquilo Que Quisermos
Cada boa qualidade humana está relacionada com uma má, na qual ameaça transformar-se; e cada má qualidade está, de uma forma semelhante, relacionada com uma boa. O motivo por que tantas vezes não compreendemos as pessoas é que, quando as conhecemos, confundimos as suas más qualidades com as boas com elas relacionadas, ou vice-versa: assim, um homem prudente pode parecer-nos cobarde, um homem poupado, avarento; ou um perdulário, liberal, uma pessoa grosseira franca e directa, um sujeito imprudente cheio de nobre autoconfiança, e assim por diante.
A Felicidade Reside Sempre no Futuro ou no Passado
A sedutora miragem do distante mostra-nos paraísos que desvanecem, semelhantes a ilusões de óptica, assim que nos deixamos arrebatar por ela. A felicidade reside sempre, portanto, no futuro, ou ainda no passado, e o presente parece ser uma nuvenzinha escura que o vento empurra sobre a planície ensolarada; na frente e atrás dela, tudo é claro; sozinha, não cessa ela própria de projectar uma sombra.
Tempo e Idade
A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,
Utopia
Uma utopia é mais ou menos o equivalente de uma possibilidade; o facto de uma possibilidade não ser uma realidade significa apenas que as circunstâncias com as quais a primeira está articulada num determinado momento a impedem de ser a segunda, porque de outra forma ela mais não seria do que uma impossibilidade. Se essa possibilidade for liberta das suas dependências e puder desenvolver-se, nasce a utopia. É um processo semelhante àquele que se verifica quando um investigador observa a transformação de um elemento num composto para daí tirar as suas conclusões. A utopia é a experiência na qual se observam a possibilidade de transformação de um elemento e os efeitos que ela provocaria naquele fenómeno composto a que chamamos vida.
Aquele que duvida é semelhante às ondas do mar, impelidas e agitadas pelo vento
Aquele que duvida é semelhante às ondas do mar, impelidas e agitadas pelo vento.
A Portugalite
Entre as afecções de boca dos portugueses que nem a pasta medicinal Couto pode curar, nenhuma há tão generalizada e galopante como a Portugalite. A Portugalite é uma inflamação nervosa que consiste em estar sempre a dizer mal de Portugal. É altamente contagiosa (transmite-se pela saliva) e até hoje não se descobriu cura.
A Portugalite é contraída por cada português logo que entra em contacto com Portugal. É uma doença não tanto venérea como venal. Para compreendê-la é necessário estudar a relação de cada português com Portugal. Esta relação é semelhante a uma outra que já é clássica na literatura. Suponhamos então que Portugal é fundamentalmente uma meretriz, mas que cada português está apaixonado por ela. Está sempre a dizer mal dela, o que é compreensível porque ela trata-o extremamente mal. Chega até a julgar que a odeia, porque não acha uma única razão para amá-la. Contudo, existem cinco sinais — típicos de qualquer grande e arrastada paixão — que demonstram que os portugueses, contra a vontade e contra a lógica, continuam apaixonados por ela, por muito afectadas que sejam as «bocas» que mandam.
Em primeiro lugar, estão sempre a falar dela. Como cada português é um amante atraiçoado e desgraçado pela mesma mulher,
O Primitivo Reina na Civilização Actual
Todo o crescimento de possibilidades concretas que a vida experimentou corre risco de se anular a si mesmo ao topar com o mais pavoroso problema sobrevindo no destino europeu e que de novo formulo: apoderou-se da direção social um tipo de homem a quem não interessam os princípios da civilização. Não os desta ou os daquela, mas – ao que hoje pode julgar-se – os de nenhuma. Interessam-lhe evidentemente os anestésicos, os automóveis e algumas coisas mais. Mas isto confirma o seu radical desinteresse pela civilização. Pois estas coisas são só produtos dela, e o fervor que se lhes dedica faz ressaltar mais cruamente a insensibilidade para os princípios de que nascem. Baste fazer constar este fato: desde que existem as nuove scienze, as ciências físicas – portanto, desde o Renascimento –, o entusiasmo por elas havia aumentado sem colapso, ao longo do tempo. Mais concretamente: o número de pessoas que em proporção se dedicavam a essas puras investigações era maior em cada geração. O primeiro caso de retrocesso – repito, proporcional – produziu-se na geração que hoje vai dos vinte aos trinta anos. Nos laboratórios de ciência pura começa a ser difícil atrair discípulos. E isso acontece quando a indústria alcança o seu maior desenvolvimento e quando as pessoas mostram maior apetite pelo uso de aparelhos e medicinas criados pela ciência.
A Vida é um Sonho um Pouco Menos Inconstante
Se sonhássemos todas as noites a mesma coisa, ela afectar-nos-ia tanto como os objectos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites, durante doze horas, que era um artista.
Se sonhássemos todas as noites que somos perseguidos por inimigos, e agitados por esses fantasmas penosos, e se passássemos todos os dias em diversas ocupações, como quando se faz uma viagem, sofrer-se-ia quase tanto como se isso fosse verdadeiro, e apreender-se-ia o dormir como se apreende o despertar quando se teme entrar em semelhantes desgraças realmente. E, com efeito, isto faria pouco mais ou menos o mesmo mal que a realidade.
Mas, porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica, o que se vê neles afecta bem menos que o que se vê acordado, por causa da continuidade, que não é contudo tão contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente, a não ser raramente, como quando se viaja; e então diz-se: «Parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho um pouco menos inconstante.
O Prestígio de um Poeta
O prestígio que possa ter alcançado (prestígio equivoco no qual se integra a malquerença de alguma gente, que aceito com satisfação) não poderia constituir uma poltrona. O prestígio é uma armadilha dos nossos semelhantes. Um artista consciente saberá que o êxito é prejuízo. Deve-se estar disponível para decepcionar os que confiaram em nós. Decepcionar é garantir o movimento. A confiança dos outros diz-lhes respeito. A nós mesmos diz respeito outra espécie de confiança. A de que somos insubstituíveis na nossa aventura e de que ninguém a fará por nós. De que ela se fará à margem da confiança alheia.
A Educação da Fé
Sendo a fé um dom, como pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que, quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam. Não é isso. Trata-se de focos de comunicação que dispensam a organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.
A prova de que o cristão vive como um bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco,
De que Serve Discutir as Ideologias?
Para compreendermos o homem e as suas necessidades, para o conhecermos naquilo que ele tem de essencial, não precisamos de pôr em confronto as evidências das nossas verdades. Sim, têm razão. Têm todos razão. A lógica demonstra tudo. Tem razão aquele que rejeita que todas as desgraças do mundo recaiam sobre os corcundas. Se declararmos guerra aos corcundas, aprenderemos rapidamente a exaltar-nos. Vingaremos os crimes dos corcundas. E, sem dúvida, também os corcundas cometem crimes.
A fim de tentarmos separar este essencial, é necessário esquecermos por um instante as divisões que, uma vez admitidas, implicam todo um Corão de verdades inabaláveis e o inerente fanatismo. Podemos classificar os homens em homens de direita e em homens de esquerda, em corcundas e não corcundas, em fascistas e em democratas, e estas distinções são incontestáveis.
Mas sabem que a verdade é aquilo que simplifica o mundo, e não aquilo que cria o caos. A verdade é a linguagem que desencadeia o universal.
Newton não «descobriu» uma lei há muito disfarçada de solução de enigma, Newton efectuou uma operação criativa. Instituiu uma linguagem de homem capaz de exprimir simultaneamente a queda da maçã num prado ou a ascensão do sol.
Hábito e Inércia
Ao princípio, somos carne animada pela alma; a meio caminho, meias máquinas; perto do fim, autómatos rígidos e gelados como cadáveres. Quando a morte chega, encontramo-nos em tudo semelhantes aos mortos. Esta petrificação progressiva é obra do hábito.
O hábito torna-nos cegos às maravilhas do mundo – indiferentes e inconscientes perante os milagres quotidianos -, embota a força dos sentidos e dos sentimentos – torna-nos escravos dos costumes, mesmo tristes e culpados: suprime a vista, espanto, fogo e liberdade. Escravos, frígidos, insensatos, cegos: tudo propriedade dos cadáveres. A subjugação aos hábitos é uma subjugação da morte; um suicídio gradual do espírito.
O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciência e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O círculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.
É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sólido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matéria não passa de espírito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espírito e matéria e termina-se apenas como matéria. A casca converteu em madeira a própria linfa.
A casca é necessária para proteger o albume,