Textos sobre Vez

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Textos de vez escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Alegria é Felicidade Imediata

Quem é alegre tem sempre razão de sê-lo, ou seja, justamente esta, a de ser alegre. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto esta qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada. Se alguém é jovem, belo, rico e estimado, então perguntemos, caso queiramos julgar a sua felicidade, se é também jovial. Se, pelo contrário, ele for jovial, então é indiferente se é jovem ou velho, erecto ou corcunda, pobre ou rico; é feliz.
Na primeira juventude, abri certa vez um livro velho e lá estava escrito: «Quem muito ri é feliz, e quem muito chora é infeliz» – uma observação bastante ingénua, mas que não pude esquecer devido à sua verdade singela, por mais que fosse o superlativo de uma verdade evidente. Por esse motivo, devemos abrir portas e janelas à jovialidade, sempre que ela aparecer, pois ela nunca chega em má hora, em vez de hesitar, como muitas vezes o fazemos, em permitir a sua entrada, só porque queremos saber primeiro, em todos os sentidos, se temos razão para estar contentes. Ou ainda, porque tememos que ela nos perturbe nas nossas ponderações sérias e preocupações importantes. Todavia, é muito incerto que elas melhorem a nossa condição;

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Um Homem de Sucesso

Uma pessoa não é exatamente o que come, como diz o ditado e como eu próprio dei por garantido; uma pessoa é sobretudo o lugar onde come, e com quem come, e a correção com que nomeia o que come e a segurança com que escolhe, da ementa, os pratos certos, perante testemunhas. Um homem de sucesso é, muito especialmente, aquele que depois diz onde comeu e com quem. São essas coisas que definem o seu estatuto e a altitude a que voa, e que determinam se vaie a pena perder um quarto de hora com ele, pagar-lhe um copo e até tentar marcar um jantar para outro dia, estabelecer uma relação. Ou se, pelo contrário, deves responder-lhe que estás atrasado para uma reunião e consultar duas ou três vezes o relógio antes de te afastares rapidamente, mesmo que ele esteja disposto a pagar–te o jantar.

O Homem Congrega Todas as Espécies de Animais

Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar!
Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebréus de trela que vivem do seu mérito, que se destinam à guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há também dogues irascíveis, cuja única qualidade é a fúria; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que têm espírito e que fazem sempre mal. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.

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Sejamos Alegres

Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como,

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Orientar Filosoficamente a Vida

A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.
Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia.

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A Inteligência não é o Fundo do nosso Ser

A inteligência não é o fundo do nosso ser. Pelo contrário. É como uma pele sensível, tentacular que cobre o resto do nosso volume íntimo, o qual por si é sensu stricto ininteligente, irracional. Barrès dizia isto muito bem: L’intelligence, quelle petite chose à la surface de nous. Aí está ela, estendida como um dintorno sobre o nosso ser mais interior, dando uma face às coisas, ao ser – porque o seu papel não é outro senão pensar as coisas, pensar o ser, o seu papel não é ser o ser, mas reflecti-lo, espelhá-lo. Tanto não somos ela que a inteligência é uma mesma em todos, embora uns dela tenham maior porção que outros. Mas a que tiverem é igual em todos: 2 e 2 são para todos 4. Por isso Aristóteles e o averroísmo acreditaram que havia um único noûs ou intelecto no Universo, que todos éramos, enquanto inteligentes, uma só inteligência. O que nos individualiza está por trás dela.
Mas não vamos agora espicaçar uma tão difícil questão. Baste o que foi dito para sugerir que em vão pretenderá a inteligência lutar num match de convicção com as crenças irracionais, habituais. Quando um cientista sustém as suas ideias com uma fé semelhante à fé vital,

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As Liberdades Essenciais

As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo,

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Sociedade de Indivíduos Normalizados

O apagamento da personalidade acompanha as condições da existência concretamente submetida às normas espectaculares da sociedade de consumo, e também cada vez mais separada das possibilidades de conhecer experiências que sejam autênticas e, através delas, descobrir as suas preferências individuais.
O indivíduo, paradoxalmente, deverá negar-se permanentemente se pretende ser um pouco considerado nesta sociedade. Esta existência postula com efeito uma fidelidade sempre variável, uma série de adesões constantemente enganosas a produtos falaciosos. Trata-se de correr rapidamente atrás da inflacção dos sinais depreciados da vida.
Em todas as espécies de assuntos desta sociedade, onde a distribuição dos bens está de tal maneira centralizada que se tornou proprietária, de uma forma simultaneamente notória e secreta, da própria definição do que poderá ser o bem, acontece atribuir-se a certas pessoas qualidades, ou conhecimentos ou, por vezes, mesmo vícios, perfeitamente imaginários, para explicar através de tais causas o desenvolvimento satisfatório de certas empresas; e isto com o único fim de esconder, ou pelo menos dissimular tanto quanto possível, a função de diversos acordos que decidem sobre tudo.

Pai

Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.

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Não Estás a Ver

Todos os dias, todos nós assistimos – seja como utentes, vítimas ou observadores – a uma prática irritantemente portuguesa.
Alguém faz uma longa e pormenorizada descrição de uma coisa extraordinária (ou, mais amiúde, banal) que lhe aconteceu. Nós ouvimos, com paciência e empatia exageradas, e comentamos conforme as mais bem equilibradas expectativas.
Descrevem-nos um momento de horror (“atravessou-se um gato na estrada, tive de desviar-me e quase bati noutro carro”) e, quando nós simpatizamos (muitos de nós tendo passado pela mesma experiência de medo de morrer ou matar), o nosso interlocutor dá como perdidos os quartos de hora que gastou a dar-nos uma narrativa completa e, apesar da nossa sincera afirmação de empatia (“Coitado! Sei exactamente o que sentiste!”), atira-nos invariavelmente à cara a mesma psicopática acusação: “Não estás a ver!”
É português pensar que aquilo que se sente ou que nos acontece não pode ser sentido ou acontecer a mais ninguém. Temos a ideia estúpida, avançada por Camões – do saber de experiência feito -, que cada um sabe o que sabe e vive o que vive. Dizer “não estás a ver” a quem vê perfeitamente – o mais das vezes espontaneamente – é uma espécie de distanciação.

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Aspectos da Virtude

O que tomamos por virtudes muitas vezes não passa de um conjunto de acções diversas e de diversos interesses que o acaso e a nossa indústria sabem ajustar; e nem sempre é por valentia e por castidade que os homens são valentes e as mulheres castas.
A virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia.
(…) Os vícios entram na composição das virtudes como os venenos na dos remédios. A prudência mistura-os, tempera-os, e serve-se deles eficazmente contra os males da vida.

A Ignorância não Exclui a Firmeza de Opinião

Tendo estudado a sabedoria em livros traduzidos do grego, do chinês ou do sânscrito, tenho uma certa desvantagem em relação aos ignorantes que só aprenderam em jornais desportivos ou revistas de moda. Quando enfrento um assunto difícil cuja elucidação requer anos de reflexão, sinto-me intimidado com a consciência da minha insuficiência, que me trava os impulsos no momento em que eles, impelidos pelo propulsor da sua ignorãncia, estão seguros de ter encontrado, ainda antes de ter procurado. Como posso fazê-los compreender que tenho razão em não proclamar que a tenho, antes de dedicar tempo a demonstrar-lhes que estão errados? Não, eles não desistem. De resto, as minhas hesitações atraiçoam-me. A verdade é uma flecha que vai direita ao alvo. Os escrúpulos intelectuais são tremuras do espírito. Se visar mal, como posso atingir o alvo?
Apercebemo-nos de que a ignorância não exclui a firmeza de opinião. Existe até uma cumplicidade objectiva entre elas. Quanto menos sabem, mais ostentam, diz o profeta. A indigência intelectual tira partido do seu pretenso parentesco com a Verdade. Contudo, é preciso ser ingénuo para pensar que o saber liberta o espírito dessa lei de gravitação que faz com que todo o pensamento orbite em torno da Verdade.

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A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia

O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.

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Sexo, Poder e Dinheiro

A nossa sociedade gravita em torno de 3 eixos. Muito poucos são os que não se deixam cair em nenhuma das reais tentações do aparente.
O culto destas dimensões imediatas da identidade remete para planos secundários todas as categorias interiores que a estruturam e consubstanciam, dispensando ponderação e reflexão, abrem alas a uma preguiça estranha que se contenta com o superficial. Quase uma animalidade consentida, mas sem sentido.
O sexo, fazendo parte da vida, não é contudo o mais importante. O hábito consome-se com tremenda rapidez, e o corpo é apenas uma ínfima parte do que somos, o albergue temporário de uma interioridade composta por, tantas vezes, tenebrosas podridões, vulgaridades comuns e, por vezes também, belezas indescritíveis. Felizmente, o ser humano é capaz de ver para bem mais longe do que a vista alcança, e ver o outro através do seu corpo.

O poder atrai e corrompe, muito antes de ser atingido. Promete o que há de melhor pela amplificação da liberdade, mas como não dá nunca o discernimento essencial às escolhas que determinam os passos que nos aproximam da felicidade, ilude enquanto afoga quem se julga por ele abraçado.

O dinheiro é o que parece mover com mais eficácia o mundo,

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As Nossas Verdades

A aprendizagem transforma-nos, faz o mesmo que toda a alimentação que também não «conserva» apenas -: como sabe o fisiólogo. Mas no fundo de nós mesmos, muito «lá no fundo», há, na verdade, qualquer coisa rebelde a toda a instrução, um granito de fatum espiritual, de decisões predestinadas e de resposta a perguntas escolhidas e pré-formuladas. A cada problema fundamental ouve-se inevitavelmente dizer «isso sou eu»; por exemplo, a respeito do homem e da mulher, um pensador não pode aprender nada de novo mas apenas aprender até ao fim, – prosseguir até ao fim na descoberta do que, para ele, era «coisa assente» a esse respeito. Encontram-se por vezes certas soluções de problemas que alimentam precisamente a nossa grande fé; talvez de ora em diante lhes chamemos as nossas «convicções».

Mais tarde – só se verá, nessas convicções, pegadas que conduzem ao autoconhecimento, indicadores que conduzem ao problema que nós somos, – ou mais exactamente, à grande estupidez que somos, ao nosso fatum espiritual, ao incorrigível, que se encontra totalmente «lá no fundo». – Depois dessa atitude simpática que acabo de assumir em relação a mim próprio, talvez me seja mais facilmente permitido dizer francamente algumas verdades sobre «a mulher em si»: uma vez que agora já se sabe de antemão que são apenas –

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A Embriaguez também é Necessária

Às vezes também é preciso chegar até a embriaguez, não para que ela nos trague, mas para que nos acalme: pois ela dissipa as preocupações, revolve até o mais fundo da alma e a cura da tristeza assim como de certas enfermidades. E Líber foi chamado o inventor do vinho não porque solta a língua, mas sim porque liberta a alma da escravidão das inquietações; restabelece-a, fortalece-a e fá-la mais audaz para todos os esforços. Mas, como na liberdade, também no vinho é salutar a moderação. Crê-se que Sólon e Arcésilas eram dados ao vinho; a Catão, reprovou-se-lhe a embriaguez: mais facilmente se fará honesto esse crime do que Catão desonroso.

O Ridículo do Adulador e do seu Alvo

Um lisonjeador que não se procura esconder, só engana os tolos. É preciso que se desconfie dos que, mais espertos, se escondem aos olhares para mais secretamente se insinuarem no vosso espírito. Nem sempre é fácil reconhecê-lo; pois muitas vezes ele contradiz-se para melhor aprovar, e para mais seguramente lisonjeá-la ele combate a vossa opinião, até por fim entregar as armas e confessar-se vencido, deixando ao antagonista a honra de um vão triunfo. Que mais vergonhoso existe que o ser assim enganado? Guardemo-nos de que digam de nós como no «Epicleros»: «Hoje ludibriastes brilhantemente todos esses velhotes idiotas de comédia». Pois, até nas peças de teatro, os velhotes crédulos e imprevidentes fazem sempre um papel muito ridículo.

Ser Português é Difícil

Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».

Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),

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Cada Homem Só se Pode Salvar ou Perder Sozinho

Também eu acredito que a existência precede a essência. Que tudo começa quando o coração pulsa pela primeira vez, e tudo acaba quando ele desiste de lutar. Que todas as paisagens são cenários do nosso drama pessoal, comentários decorativos da nossa aventura íntima e profunda. E que, por isso, cada homem só se pode salvar ou perder sozinho, e que só ele é o responsável pelos seus passos, que só as suas próprias raízes são raízes, e que está nas suas mãos a grandeza ou a pequenez do seu destino. Companheiro doutros homens, será belo tudo quanto de acordo com o semelhante fizer, todas as suas fraternidades necessárias e louváveis. Mas que será do tamanho e da qualidade da sua realização singular, da força da sua unidade, da posição que escolheu e da obra que realizou, que a consciência lhe perguntará dia a dia, minuto a minuto.

O Efeito Nefasto da Afirmação e Repetição

A afirmação e a repetição são agentes muito poderosos pelos quais são criadas e propagadas as opiniões. A educação é, em parte, baseada neles. Os políticos e os agitadores de toda a natureza fazem disso um uso quotidiano. Afirmar, depois repetir, representa mesmo o fundo principal dos seus discursos.
A afirmação não precisa de se apoiar numa prova racional qualquer: deve, simplesmente, ser curta e enérgica, e cumpre que impressione. Pode-se considerar como tipo dessas três qualidades o manifesto seguinte, recentemente reproduzido em vários jornais:

Quem produziu o trigo, isto é, o pão para todos? O camponês!

Quem faz brotar a aveia, a cevada, todos os cereais? O camponês!

Quem cria o gado para dar a carne? O camponês!

Quem cria o carneiro para proporcionar a lã? O camponês!

Quem produz o vinho, a cidra, etc.? O camponês!

Quem nutre a caça? O camponês!

E, entretanto, quem come o melhor pão, a melhor carne?

Quem usa as mais belas roupas?

Quem bebe o bordeaux e o champagne?

Quem se aproveita da caça?

O burguês!!

Quem se diverte e repousa à vontade?

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