Passagens sobre Verbos

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Frases sobre verbos, poemas sobre verbos e outras passagens sobre verbos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Ser Escritor

E, então, porque não podemos viver de outra maneira, escrevemos. E cai-nos o cabelo e apodrecem-nos os dentes, como dizia Flannery O’Connor.

E somos uns chatos. E somos maus maridos e maus filhos e maus amigos. E sentimos culpa, e sentimo-nos indignos de estima, e continuamos, mesmo assim, a não responder quando falam connosco.

E não telefonamos nos anos, nem aparecemos nos churrascos, nem vamos ao café. E, se vamos, a única coisa de que falamos é disso: do livro. E tudo aquilo sobre que se conversa pode servir ao livro, caso contrário não nos importa.

E somos os maiores quando um parágrafo nos sai bem, e ficamos de rastos quando não encontramos um verbo. E sabemos que tem de ser mesmo assim, porque se não for o romance fica uma merda. Mas sentimos culpa na mesma.

E não pagamos as contas, e esquecemo-nos de pedir a garrafa do gás, e calçamos meias de pares diferentes. E de repente queremos fumar dois maços de cigarros e beber meia garrafa de uísque, sozinhos no jardim, a olhar para a noite e a chorar.

E temos de fazer um esforço para mudar de roupa,

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As Lágrimas e o Amor

As lágrimas das raparigas refrescam-me. Levantam-me o moral. Às vezes lambo-as dos cantos dos olhos. São mini-margaridas, sem álcool, inteiramente naturais. Dizer «Não chores» funciona sempre, porque só mencionar o verbo «chorar» emociona-as e liberta-as, dando-lhe a carta branca para chorar ainda mais. Só intervenho com piadas e palavras de esperança e de amor quando elas vão longe demais e começam, por exemplo, a pingar do nariz.

As raparigas, depois de chorar, ficam com vontade de fazer amor. É como se tivessem apanhado uma carga de chuva. Ficam todas molhadas. Nós somos a toalha que está mais à mão. O turco maluco com que se embrulham e enxutam. É horrível, não é? Mas só um santo não se aproveitaria.

E as raparigas que choram depois de se virem? Estarão assim tão arrependidas? Comovidas? Simplesmente agradecidas? Gostaria de pensar que sim. As três coisas, pelo menos. Elas próprias não sabem. Riem-se logo de seguida. As piores são as que se riem logo ao princípio. Mas as piores também são muito queridas.

Menina e Moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;

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O verbo grego «batizar» significa «emergir». O banho com a água é um rito comum em várias crenças para exprimir a passagem de uma condição para outra, sinal de purificação para um novo começo. Mas para nós, cristãos, não deve passar despercebido que, se é o corpo a ser imergido na água, é a alma que é imersa em Cristo para receber o perdão do pecado e resplandecer de luz divina.

Soneto Da Rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude.

Para que o sonho viva de certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Quando Canta A Maldonado

Quando canta a Maldonado
E os quadris saracoteia,
Não é mulher, é sereia,
Não é mulher, é o pecado.

Ao vê-la, pois, enleado
Perco o siso, o verbo, a ideia,
E um desejo audaz se enleia
Neste peito meu bronzeado.

Chamei-te sereia! engano!
Nunca tolice maior
Borbotou do lábio humano.

Que toda a sereia, flor,
Finda em peixe… e ou eu me engano,
Ou tu acabas… melhor.

Troco-me por Ti

Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Já me borrei de tanto rir ouvindo o infinito sempre explicado. Se sendo é um verbo, prefiro ficar sendo calado.

Seja o que for que se pretenda dizer, há apenas uma palavra para expressá-lo, apenas um verbo para animá-lo e apenas um adjetivo para qualificá-lo.

No jogo do casamento jogam-se coisas valiosas, como liberdade, propriedades e outras vidas. Na versão clássica do jogo, que é a melhor, os homens não querem casar. Só que são apanhados. A semelhança entre o verbo «casar» e «caçar» não pode ser por acaso. Num bom jogo do casamento, os homens não casam – «são casados». São as mulheres que os casam, que nem coelhos, cosendo-os depois com mimos e temperos, à casadoura. E eles adoram.

A Coragem no Gesto de Viver

O solitário gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.

Natal

1

A voz clamava no Deserto.

E outra Voz mais suave,
Lírio a abrir, esvoaçar incerto,
Tímido e alvente, de ave
Que larga o ninho, melodia
Nascente, docemente,
Uma outra Voz se erguia…

A voz clamava no Deserto…

Anunciando
A outra Voz que vinha:
Balbuciar de fonte pequenina,
Dando
À luz da Terra o seu primeiro beijo…
Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.

2

Das entranhas profundas
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia,
– À distância de Séculos, – dizia,
Pressentia
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo
Os cárceres do mundo…

A voz dura e ardente
Clamava no Deserto…

Natal de Primavera,
A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante,
Mais humana e mais doce
E irmã dos Poetas
Que a voz trovejante
Dos profetas
Solitários.

3

A divina alvorada
Trazia
Lírios no regaço
E rosas.
Natal. Primeiro passo
Da secular Jornada,
Era um canto de Amor
A anunciar Calvários,

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Equu (Para O Poeta Rafael Courtoisie)

Nos astros me perdia logo cedo
enquanto a luz vestia-me de noites.
Então chorava no meu ombro o enredo
grave galope breve com seus coices.

As éguas do destino cospem medos
sabendo-me alazão de muitas foices,
ou pangaré lunar dos meus degredos.
Por isso perseguiam-me nas noites

àquelas mais escuras sem estrelas
nas quais sou presa fácil sem que fosse
porque flechando verbos sei contê-las.

Não eram éguas mouras dos desertos
senão potrancas férteis com seus roces
estas que vinham mansas muito perto.

Não importa o que tenhamos a dizer, existe apenas uma palavra para exprimi-lo, um único verbo para animá-lo e um único adjectivo para qualificá-lo.

Não: Devagar

Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar…
Sim, devagar…
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar…
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima…

Talvez isso tudo…
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar…
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo…
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

E o Amor…

E o amor é então todo o longínquo
ardor? O à espera eterno e a solidão
que nele nasce e dele vai até
mais não ser que o relembrar anterior?

Ah, mas se o amor fosse tudo em si…
A lágrima e o riso, o verbo e a carne,
se o amor sonhasse na claridade
e sem ela não fosse um maior sonho…

Aí vem a névoa, aí vem o sopro
da vida a levantar o dolorido
princípio sem fim do talvez, do quase…

E o amor é então todo o longínquo
ardor, o eterno à espera e a solidão
que nele nasce e morre, nasce e morre.