Há dentro de nós a exigência absoluta de sermos eternos e a certeza de o não sermos. O absurdo é a centelha do contacto destes dois opostos.
Passagens sobre Absoluto
296 resultadosA objecção, o desvio, a desconfiança alegre, a vontade de troçar são sinais de saúde: tudo o que é absoluto pertence à patologia.
Um Homem Realizado
Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério» não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o… A realidade em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível… Nem a religião nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada, perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto, continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo; incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar: aí está ele,
É erro não distinguir. Não são bons os ódios absolutos.
Se você pegar o mais ardente dos revolucionários, dar poder absoluto a ele, assim em um ano ele será pior do que o próprio czar.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
A Liberdade é um Dever
Hoje a liberdade é tida como um direito absoluto. Mas não há liberdade absoluta. A liberdade não é sequer um direito. A liberdade é um dever, um dever fortíssimo. A liberdade é o respeito pelo próximo. O Espinoza dizia: nós supomo-nos livres porque ignoramos as forças que impedem os nossos actos. De maneira que há forças que nos são estranhas, não somos nós. Eu sinto-me um joguete, uma marioneta. Sou conduzido por forças que ignoro. Eu sinto isso, eu pressinto isso.
A Vida é Absoluta Convicção
A vida é primariamente encontrar-se, cada qual, submergido entre as coisas, e enquanto é apenas isso consiste em sentir-se absolutamente perdido. A vida é perdição. Mas por isso mesmo obriga, quer queiramos quer não, a um esforço para se orientar no caos, para se salvar dessa perdição. Este esforço é o conhecimento que extrai do caos um esquema de ordem, um cosmos. Este esquema do universo é o sistema das nossas ideias ou convicções vigentes. Quer queiramos quer não, vivemos com convicções e de convicções. O mais teoreticamente céptico existe apoiando-se num suporte de crenças sobre o que as coisas são. A vida é absoluta convicção. A dúvida intelectual mais extrema é vitalmente uma absoluta convicção de que tudo é duvidoso. E algo ou tudo ser duvidoso não é uma crença num ser menor do que qualquer outra de aspecto mais positivo.
Ser Mãe é Aceitar. Tudo.
Ser mãe é receber em si um outro que lhe vem de fora e acolhê-lo em vista de um futuro que pressente mas que, de maneira nenhuma, sabe explicar. Ser mãe é, antes de mais, aceitar. Tudo. Tudo.
É aceitar em si um outro para o qual ela se torna o mundo: gerando-o, alimentando-o, comendo, bebendo e respirando com ele… ele dentro de si, ela em volta dele.
É deixar esse outro ir embora e voltar a recebê-lo em cada dia, quando ele volta, quando ele se revolta e, também, quando ele não volta…
Ser mãe é acolher o que o outro lhe dá. Mas não como quem se alimenta do que lhe vem de fora, transformando-o em vida, que acolhe em si, e devolvendo ao mundo, já morto, aquilo que sobra. Ser é mãe é dar-se como alimento, transformando-se na vida daquele a quem se dá para depois… voltar depois ao mundo, gasta, apenas com o que lhe sobra.
Ser mãe é dar-se. Aceitando sempre qualquer resultado e resposta.Uma mãe, mais do que dar um filho ao mundo, deve dar um mundo ao filho. Um melhor que este, cheio de esperança e sonhos,
Vence a Tua Inércia!
O destino que nos oprime é a inércia do nosso espírito. Através do alargamento e formação da nossa actividade transmutamo-nos, nós próprios, em Destino.
Tudo parece fluir para nós vindo do exterior, porque nós não fluímos para o exterior. Somos negativos, apenas, porque o queremos – quanto mais positivos nos tornarmos, mais negativo será o mundo à nossa volta – até que, por fim, já não haverá negação e nós seremos tudo em tudo.
Deus quer deuses.
Se o nosso corpo, em si mesmo, não é senão um centro de acção comum dos nossos sentidos – se nós possuímos o domínio dos nossos sentidos – se os podemos fazer agir à vontade – se os podemos centrar em comunidade, então não depende senão de nós o darmos a nós próprios o corpo que queremos.
Sim, se os nossos sentidos não são senão modificações do órgão pensante – do elemento absoluto – então poderemos, também, pela dominação deste elemento, modificar e dirigir, como nos agradar, os nossos sentidos.
A liberdade é um fato de experiência que não pode ser negado. Não se trata contudo de uma liberdade absoluta. Como tudo o que diz respeito só homem, ela é limitada e parcial.
A amizade é regida pelo mesmo mecanismo que o amor, é instantânea e absoluta.
Conceitos de Perfeição
Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
Por muitas que pareça que devem ser as maneiras por que se pode ter a vida por imperfeita, elas são, fundamentalmente, apenas três. Com efeito, há só três conceitos possíveis de imperfeição, e, portanto, da perfeição que se lhe opõe.Podemos ter qualquer coisa por imperfeita simplesmente por ela ser imperfeita; é a imperfeição que imputamos a um artefacto mal fabricado. Podemos, por contra, tê-la por imperfeita porque a imperfeição resida, não na realização, senão na essência. Será quantitativa ou qualitativa a diferença entre a essência dessa coisa imperfeita e a essência do que consideramos perfeição; quantitativa como se disséssemos da noite, comparando-a ao dia, que é imperfeita porque é menos clara; qualitativa como se, no mesmo caso, disséssemos que a noite é imperfeita porque é o contrário do dia.
Pelo primeiro destes critérios, aplicando-o ao conjunto da vida,
O corpo carnal é o cavalo de montaria; e a Vida, o cavaleiro. Mesmo que o cavaleiro seja hábil, não poderá cavalgar bem se o cavalo for manco. Por outro lado, se o cavalo for excelente e manso, até mesmo um cavaleiro inábil poderá cavalgá-lo relativamente bem. Nesta metáfora, a ‘habilidade de cavalgar’ corresponde à ação do espírito em relação ao corpo. Mesmo que a ação do espírito seja bastante eficiente, isto não serve como critério absoluto para avaliar a grandeza da Vida.
O Afecto não é Real
O afecto é um fabricante de ilusões, e quem quer que deseje o real deverá ser uma pessoa desinteressada. A partir do momento que sabemos que uma coisa é real, já não conseguimos estar ligados a ela.
O afecto não é mais do que a insuficiência do sentimento da realidade. Estamos envolvidos com a posse de uma coisa porque acreditamos que se deixarmos de a possuir, ela deixa de ser. Muitas são as pessoas que não sentem, com toda a sua alma, que existe uma diferença absoluta entre a destruição de uma cidade e o seu exílio irremediável longe desta mesma cidade.
O Absoluto é um Fardo Insuportável
Para oferecer conforto rudimentar, retirei peso às palavras e às ações.
O conhecimento completo emudece as palavras e tolhe as ações.
O absoluto é um fardo insuportável.
A irresponsabilidade faz tanta falta como a responsabilidade, cada uma tem a sua hora,
os sábios usam-nas ao mesmo tempo, mais de uma ou mais de outra, tanto de uma como de outra,
os sábios conseguem distinguir as ocasiões e as medidas,
e não duvidam que precisam de uma e de outra.