Ode à Amizade
Se depois do infortúnio de nascermos
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de Calúnias
Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A Divina Amizade não viera
Com piedosa mão limpar o pranto,
Embotar com dulcíssono conforto
As lanças da Amargura;
O Sábio espedaçara os nós da vida
Mal que a Razão no espelho da Experiência
Lhe apontasse apinhados inimigos
C’o as cruas mãos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho — por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludíbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a não doura, a não afaga;
Se com mais fortes nós, que a Natureza,
Lhe não ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
Nectárea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Passagens sobre Alvo
88 resultadosOs Malefícios da Rivalidade na Escola
Poucas serão as escolas em que o mestre não anime entre os alunos o espírito de emulação; aos mais atrasados apontam-se os que avançaram como marcos a atingir e ultrapassar; e aos que ocuparam os primeiros lugares servem os do fim da classe de constantes esporas que os não deixam demorar-se no caminho, cada um se vigia a si e aos outros e a si próprio apenas na medida em que se estabelece um desnível com o companheiro que tem de superar ou de evitar.
A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam.
Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores; e é certamente esta predominância dada ao espírito de batalha um dos grandes malefícios dos sistemas escolares assentes sobre a rivalidade entre os alunos;
Primeiro Round
Caminho o transitório bem tranqüilo
por que me soube, desde muito cedo,
flecha veloz, arco e alvo, num estilo
de quem despe o taxímetro do enredonuma velocidade sem sigilo.
Nunca o subterfúgio. Nunca o medo.
Pelo menos aquele com vacilo
de transgredir. Não. Nem me sei rochedo.Meu corpo alberga o frágil nesse asilo
em que só vencedores têm lugar.
Sou campeão de perdas. Foi cochilo,creio, me ter um sócio do bazar
de Fernando Pessoa. Sim, pugilo
pelos ringues, no entanto, sem ganhar.
O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo.
Bailados do Luar
Pétalas de rosas
tombam lentamente, silenciosas…
E de vagar
vem entrando
a farândola rítmica
e silente
dos góticos bailados do luar!…Sobre as dobras macias
e assediantes
da seda do meu leito desmanchado,
esguias sombras
adelgaçando afagos,
poisam no meu peito desvestido…
E a boca hipnótica e algente
do meu luarento amante,
vai esculpindo o meu corpo
pálido e vencido!…No espaço azul e vago,
esvoaça subtiltmente
a cálida lembrança
da tua voz!Busco a verdade viva do teu beijo
e encontro apenas
esta estranha heresia,
crispando o alvo recorte
do meu corpo magoado!…Estilhaçam-se, vibrando
numa ânsia doentia,
os meus nervos nostálgicos,
irreverentes
empalidecendo
em dolências inocentes
o rubor do meu desejo
insaciado…As rosas vão tombando lentamente,
devagar,
sobre a carícia dormente
e embruxada…
dos espásmicos beijos do luar…
Oiço a tua voz
em toda a parte!E perco-me dentro dos meus próprios braços,
tumultuosos e exigentes,a procurar-te!
Foi Contigo que Aprendi a Amar
Foi contigo que aprendi a cidade,
sílaba a sílaba,
pedra, aço e lascas de cristal.A cidade dos pássaros interditos
na ocasionalidade
de um galho por acaso.A cidade das buganvílias
violáceas de medo,
excrescentes de lirismo.A cidade dos pães calcetados
e dos meninos que, de
fome, os apetecem.A cidade das culatras
inevitáveis
para o alvo que lhes sobra.A cidade protestada a prazo
de um dia
de nunca mais.A cidade geometrizada
na infalibilidade
dos seus labirintos.Foi contigo, foi.
Foi contigo que aprendi a amar
desordenadamente.
Moças na Praia
Nem sombra de mangas penugem
sol talvez a asa de uma andorinha(a ferir guitarra). Brilhando
no meio dos peixes as pernas folhas
que a noite aconchegou. A distância(ao vivo) entre a humidade e o
desejo inapreensível. Os seios
(o alvo) rumor de bebidas no parqueà espera do conhecimento hora e corpo
(os corpos) a crescerem maduros
contra a morte.
Sinto de vez em quando uma infelicidade que quase me deslumbra, e ao mesmo tempo estou convencido da sua necessidade e da existência de um alvo em direcção ao qual nos encaminhamos ao suportar toda a espécie de infelicidade.
Ser Marginal
Ser marginal. Não ser fora-da-lei por desprezo da norma comum. Por amoralidade, miserabilismo, ou abjecção. Ser apenas do lado da vida em que não passa muita gente, se é quase anónimo, fora do alvo que é visado pela notoriedade, curiosidade pública, grande reputação. Ser em humildade, na discrição de nós, na curta dimensão de nós. Não é por comodismo, orgulhosa modéstia, ressentimento. Não por nada disso ou outras coisas disso, mas só para nos não perdermos de nós, não nos esbanjarmos na invasão da dissipação alheia. Não por nada disso mas só pela economia do pouco que nos pertence e mal dá para abastecer uma vida. Ser marginal – sê marginal. Afecta a ti próprio o espaço que é para ti e para ti te foi dado. Na intimidade de ti, na reserva de ti, na pobreza de ti. O mais que viesse e te invadisse o teu espaço, que é que te dava? A ampliação do teu rumor na amplificação alheia dele, seria alheio e não teu. A tua voz é breve, não a amplies ao que não é. E o teu pensar, o teu sentir, o teu ser. Não os sejas mais do que és. E então verdadeiramente serás.
O Professor como Mestre
Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama;
O jornalista atribui a si mesmo uma missão, e essa missão tem notáveis semelhanças com uma operação de guerra: trata-se de conquistar audiências, bombardear com notícias num tempo precioso e milimetricamente calculado. O jornalista está em cima do acontecimento como se o evento fosse um alvo preciso. O acontecimento é a presa dessa aranha que é o repórter, nessa teia noticiosa que dá a volta ao planeta.
Suporte Real para a Emoção
Um fidalgo dos nossos, extremamente sujeito à gota, sendo pressionado pelos médicos a abandonar totalmente o uso das carnes salgadas, acostumara-se a responder muito espirituosamente que desejava ter o que culpar pelos ataques e tormentos do mal e que vituperando e maldizendo ora o salsichão, ora a língua de boi e o presunto, sentia-se proporcionalmente aliviado. Mas, seriamente, assim como o braço que é erguido para bater nos dói se o golpe falhar e ele for ao vento; e assim como para tornar agradável uma vista é preciso que ela não esteja perdida e isolada no vazio do ar, mas tenha uma proeminência para apoiá-la a razoável distância,
Assim como o vento, se espessas florestas não lhe opõem resistência, perde as forças e se dissipa no espaço vazio… (Lucano)
Da mesma forma parece que a alma estimulada e posta em movimento se perde em si mesma se não lhe dermos uma presa: é preciso sempre fornecer-lhe um objecto sobre o qual ela se lance e actue.
Diz Plutarco, a propósito dos que se afeiçoam a macacos e cachorrinhos, que a parte amorosa que existe em nós, na falta de um alvo legítimo, em vez de ficar inútil forja assim para si um alvo falso e fútil.
África
Na partilha das sáfaras conquistas
Desta Líbia de mouros rancorosos,
O Deserto foi dado aos Poderosos
E o Oásis, florido e mínimo, aos Artistas.E os felizes, quais são? Os mil sofistas
Da Ventura, a pedir, de olhos gulosos,
Terra e mais terra? Ou o que limita os gozos
E em sete palmos acomoda as vistas?Certo, não sereis vós, ó Donatários
Do alvo Deserto, que velais, em guerra,
A áurea carga dos vossos dromedários.Mas, tu, ó Poeta, que, por onde fores,
Teus sete palmos hás de achar na terra
Abrindo em trigo, rebentado em flores!
Devíamos morrer de desespero, quando descobrimos que o que tínhamos tomado por alvo dos nossos pensamentos, dos nossos desejos, dos nossos sonhos, não existe, ou não é mais do que um nevoeiro a que a distância empresta formas fantásticas.
A gente tem que mirar no alvo e atirar, pronto, foi. A flecha não volta. Se acertamos ou erramos, não tem volta. Foi assim que levei a vida.
Todos atiram ao alvo e poucos acertam, porque o acertar é de uma só vez, e o errar é de muitas.
2A Sombra – Bárbara
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;Um dorso de Valquíria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.
Sorte
Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta…
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.– Prometes ser discreto? – Ó meu amor! prometo…
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!
Quem Confia Supera-se
Quanto mais confiante fores, maior ameaça és.
Quem confia supera-se, é maior e mais alto. Conquista mais, é mais forte e vê mais longe. Sabe por onde caminhar, sabe melhor o que não quer e sabe antecipar-se. Vive, portanto, melhor preparado para resistir a tudo e persistir perante qualquer adversidade.
Quem confia sempre alcança.
Somos uma sombra na vida dos encolhidos. Um despertador que não para de lhes gritar aos ouvidos expressões como: «mexe-te», «vês como eles conseguem», «não vales nada» ou «quem te dera ser como eles». E isto, naturalmente, incomoda-os. Dá-lhes a volta ao estômago. Mas em vez de tal chamariz de verdade os acicatar e os empurrar para a ação, acabam por escolher transformar isso em inveja, raiva e ódios de estimação ao ponto de olharem para ti, não como uma força inspiradora capaz de lutar por tudo o que quer, mas como um alvo a abater. É como se o objetivo das suas vidas passasse a ser a destruição do chato despertador que não para de lhes zumbir a realidade, em lugar de ser a realização das suas próprias e eventuais vontades.
Dito isto, prepara-te para teres de lidar com eles todos os dias.
Ódios e Rancores
Recusa ser testemunha em processos: serias necessariamente alvo do rancor de uma das partes. Nunca forneças informações acerca de um homem que não seja bem nascido – e menos ainda se é de baixa extracção -, e faz como se tudo ignorasses a seu respeito. Se, em conversa, resolveres lançar uma ofensa contra alguém, sobretudo não tomes um ar pesado, mas continua a falar como se nada fosse. Em presença de terceiros, não manifestes a ninguém favores especiais, pois considerar-se-ia que desprezas os outros e serias votado a um ódio constante.
Evita avançar na carreira de modo demasiado rápido ou vistoso. É necessário que, perante uma luz que se torna cada vez mais brilhante, os olhos se habituem a pouco e pouco; caso contrário, desviam-se. Nunca vás contra o que agrada à gente do povo, quer se trate de simples tradições ou mesmo de hábitos que te repugnam.
Se és forçado a admitir que cometeste uma acção odiosa, não atices o ódio que desperta dando a impressão que não a lastimas ou, pior ainda, troçando das tuas vítimas, ou orgulhando-te do que fizeste: serias odiado duas vezes mais. O melhor é ausentares-te, deixares agir o tempo e não te manifestares.