Amor E Religião
Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! QuantosOuviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres não ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o Céu se alara.E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto.”
Passagens sobre Deus
2120 resultadosTudo é nada, o Nada é tudo: só Caos é Deus e a Vida é o seu profeta.
Basta de dizer a Deus o que ele deve fazer.
Creio que nem mesmo nossas faltas e erros são em vão e que para Deus não será mais difícil arranjar-se com eles do que arranjar-se com nossas supostas obras boas.
A coisa de maior extensão no mundo é o universo, a mais rápida é o pensamento, a mais sábia é o tempo e mais cara e agradável é realizar a vontade de Deus.
O Nosso Infinito
Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessáriamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?
Ao mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.
Pôr o infinito de baixo em contacto com o infinito de cima,
Ar
Vivificante ar, pai da existência,
Assopro animador do Autor Divino,
Deste nosso subtil moto contino
Composto, onde um Deus pôs sua ciência!Tu tens, ó ar, a excelsa preeminência
De ser exalação do bafo Trino,
Tu susténs, sem cair, o home a pino:
Sem ti tem sempre pronta a decadência.Tu as ardentes febres lhe mitigas
Nesta, do mundo, trabalhosa lida,
Nestas da Terra (sem cessar) fadigas.Tu és o sustentáculo da vida,
Porém, quando do corpo te desligas,
Lhe dás, com dor, eterna despedida.
Deus não se esquece dos pobres.
Já então o pároco manifestava os primeiros sintomas do delírio senil que o levou a dizer, anos mais tarde, que provavelmente o diabo tinha ganho a rebelião contra Deus e que era aquele quem estava sentado no trono celeste sem revelar a sua verdadeira identidade para enganar os incautos.
O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Deus é a evidência invisível.
Um escritor faz-se de dia, sobre o asfalto e em cima do pó, sofrendo e desfrutando, odiando e querendo como só pode fazer um louco ou Deus.
Desastre
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: “Homem não desfaleça!”
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.***
Findara honrosamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atônita, exclamava:
“Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!”Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!Um fidalgote brada e duas prostitutas:
“Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!”
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.
Aquele que é incapaz de viver em sociedade, ou que não sente essa necessidade porque é [auto]suficiente, deve ser ou uma fera ou um deus.
O amor em seu grau supremo é o amor que se manifesta naturalmente quando estamos com Deus. Portanto, os atos norteados por esse amor não nos deixa a mais leve sensação de que ‘nós próprios os praticamos’.
Luta
Fluxo e refluxo eterno…
João de Deus.Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!Insondável problema!… Apavorado
Recúa o pensamento!… E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.
A caridade é a virtude predileta de Deus.
Não nego que as mulheres sejam tolas: Deus criou-as para que combinassem com os homens.
A Minha Religião é o Novo
A minha Religião é o Novo.
Este dia, por exemplo; o pôr do Sol,
estas invenções habituais: o Mar.
Ainda:
os cisnes a Ralhar com a água. A Rapariga mais bonita que
ontem.
Deus como habitante único.
Todos somos estrangeiros a esta Região, cujo único habitante
verdadeiro é Deus (este bem podia ser o Rótulo do nosso
Frasco).
Dele também se podia dizer, como homenagem:
Hóspede discreto.
Ou mais pomposamente:
O Enorme Hóspede discreto.
Ou dizer ainda, para demorar Deus mais tempo nos lábios ou
neste caso no papel, na escrita, dizer ainda, no seu epitáfio que
nunca chega, que nunca será útil, dizer dele:
em todo o lado é hóspede,
e em todo o lado é Discreto.
Supremo Enleio
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda…