O Desejo do Homem é Contrário à Sua Unidade
Houve tempo em que o homem inventou o amor cortês para não perder a intimidade das mulheres. Elas estavam a ser atraídas pela formidável influência da Igreja que as recebia permitindo-lhes uma personalidade estável. As mulheres amam essa personalidade estável que Freud soube preservar nas suas relações com Marta, a mulher de toda a sua vida. Ler a correspondência de Freud com Marta é muito salutar neste mundo a abarrotar de esgotamentos nervosos e falsas ou reais confidências. Um dos seus clientes (Schonberg) causava-lhe grande preocupação. Um dia, a cunhada, vendo o doente cumprimentar uma senhora, disse: «O facto de ele ser outra vez bem educado com as mulheres é também um índice de melhoria». Freud não deixa de referir isto, que corresponde a uma personalidade venerável. As mulheres acham que é sinal de normalidade serem tratadas com cortesia. O desejo não lhes diz nada, comparado com uma palavra doce e conveniente. Isto não é uma síntese do comportamento dos homens e das mulheres. Mas sim uma certeza – o que não proíbe toda a espécie de averbamentos necessários à verdade.
Nietzsche, imoralista por definição, disse que não há nada mais contrário ao gosto do que o homem que deseja.
Passagens sobre Doces
569 resultadosDia de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela,
Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas
Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao pólo em serras escumosas;Ó benignas manhãs!, tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!Voltai, retrocedei, formosos dias:
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;E ao ver-te sentirá minha alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias,
Da estação que remoça a natureza.
Na Ribeira Do Eufrates Assentado
Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memória
aquele breve bem, aquela glória,
que em ti, doce Sião, tinha passado.Da causa de meus males perguntado
me foi: Como não cantas a história
de teu passado bem, e da vitória
que sempre de teu mal hás alcançado?Não sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e não chores dessa sorte.Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.
Os melhores momentos do amor são aqueles de uma serena e doce melancolia, em que choras sem saber porquê, e quase aceitas tranquilamente uma desventura que não conheces.
A natureza é um doce guia, mas não mais doce do que prudente e justa.
Esperanças de um Vão Contentamento
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
Aparição
Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!
O Pai
Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.Depois… Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar… E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.Escutarei de noite as tuas palavras:
… menino, meu menino…E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.Tradução de Rui Lage
Os Vestidos Elisa Revolvia
Os vestidos Elisa revolvia
que lh’Eneias deixara por memória:
doces despojos da passada glória,
doces, quando seu Fado o consentia.Entr’eles a fermosa espada via
que instrumento foi da triste história;
e, como quem de si tinha a vitória,
falando só com ela, assi dezia:-Fermosa e nova espada, se ficaste
só para executares os enganos
de quem te quis deixar, em minha vida,Sabe que tu comigo t’enganaste;
que, para me tirar de tantos danos,
sobeja me a tristeza da partida.
Era um capricho e nada mais, Doce como um dia de abril, Mas o seu olhar azul de anil Roubou de vez a minha paz.
Stella
Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.Tíbio clarão já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lágrimas a pares,Do amor silencioso,
Místico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.A virgem da manhã
Já todo o céu domina…
Amoroso Desdém num Belo Agrado
Amoroso desdém num belo agrado,
No mais duro ferir um doce jeito,
Tirania suave em brando aspeito,
Olhos de fogo em coração nevado,No vestir um asseio descuidado,
Ingratidão amável no respeito,
O brio, a graça, o riso em um sujeito,
Variamente com o grave misturado.Animado primor da formosura,
Luzido discursar de engenho agudo,
Custosa luz, incêndio pretendido,Alma no talhe, garbo na postura,
Capricho no cuidado, ar no descuido,
Armas são com que amor me tem rendido.
Quatro Sonetos De Meditação – II
Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doceNa sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silêncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepúsculo mórbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhosE eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.
Esperança! Doce palavra feita de bruma efêmera que o clarão do ideal enche de íris maravilhosos.
Hoje
Fiz anos hoje… Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outr’ora.Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vôo a mão da sorte…
Minha ventura só durou um dia.
Certo prazer existente na tristeza é mais doce do que o prazer do prazer.
Passei Ontem A Noite Junto Dela.
Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela…Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando…
Cheio de amores! E dormir solteiro!
A Proibição
Tem cuidado ao amar-me.
Pelo menos, lembra-te que to proibi.
Não que restaure o meu pródigo desperdício
De alento e sangue, com teus suspiros e lágrimas,
Tornando-me para ti o que foste para mim,
Mas tão grande prazer desgasta a nossa vida duma vez.
Para evitar que teu amor por minha morte seja frustrado,
Se me amas, tem cuidado ao amar-me.Tem cuidado ao odiar-me,
E com os excessos do triunfo na vitória,
Ou tornar-me-ei o meu próprio executor,
E do ódio com igual ódio me vingarei.
Mas tu perderás a pose do conquistador,
Se eu, a tua conquista, perecer pelo teu ódio:
Então, para evitar que, reduzido a nada, eu te diminua,
Se tu me odeias, tem cuidado ao odiar-me.Contudo, ama-me e odeia-me também.
Assim os extremos não farão o trabalho um do outro:
Ama-me, para que possa morrer do modo mais doce;
Odeia-me, pois teu amor é excessivo para mim;
Ou deixa que ambos, eles e não eu, se corrompam
Para que, vivo, eu seja teu palco e não teu triunfo.
Então, para que o teu amor,
Feliz, feliz Natal, a que faz que nos lembremos das ilusões de nossa infância, recorde-lhe ao avô as alegrias de sua juventude, e lhe transporte ao viajante a sua chaminé e a seu doce lar!