Existem apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é que tudo é um milagre.
Passagens sobre Dois
1685 resultadosPero Coelho
(Descobridor do Ceará)
Na umidade do cárcere de Olinda
– Enjaulado jaguar que a vida acaba
Lembrando a selva rumorosa e linda –
Sonha o conquistador da Ibiapaba.O sonho é o resto da jornada: é a vinda;
E a morte; é a sede; é o desespero; a taba
Toda investindo. A terra em fogo. Um baba;
Outro cai; outro fica; outro se finda…Dois filhos morrem nos seus braços: vede!
E nem, sequer, irmão de Agar, tem perto,
Nos olhos água que lhes mate a sede!E, ao fim de tudo, acusações e gritas…
Ah! por que não tombara no Deserto
Abraçado com os seus israelitas!?…
XXXI
Estes os olhos são da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta região se vê banhada;Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo:Mas ah delírio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
Todos Amam Precisamente o que lhes Falta
Todos amam precisamente o que lhes falta. A escolha individual, que se funda nessas considerações meramente relativas, é bem mais determinada, mais decidida e mais exclusiva do que a escolha que se baseie em considerações absolutas; é desses aspectos relativos que vulgarmente nasce o amor de paixão, enquanto os amores comuns e passageiros só são guiados por considerações absolutas. Nem sempre é a beleza regular e perfeita que dá origem às grandes paixões. Para uma inclinação verdadeiramente apaixonada é necessária uma condição que só nos é possível descrever através de uma metáfora tirada à química. As duas pessoas devem neutralizar-se uma à outra, tal como um ácido e uma base alcalina num sal neutro.
Existem pessoas que são realmente bons gestores, pessoas que conseguem gerir grandes organizações, e por outro lado existem pessoas que são muito analíticas e focadas na estratégia. Esses dois tipos não costumam residir na mesma pessoa. Eu coloco-me no segundo grupo.
A cadeia do casamento é tão pesada, que são precisos dois para carregar com ela e, muitas vezes, três.
Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.
Eu e a minha mulher ficamos na dúvida entre tirar férias ou nos divorciarmos. Optámos pela segunda hipótese. Duas semanas no Caribe podem ser divertidas, mas um divórcio dura para sempre.
Já vi uma moça, uma linda moça, que dos treze aos vinte e dois anos sonhava em ser mulher e, daí por diante, desejava ser homem.
A Glória em Função dos Feitos e das Obras
Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,
Um, nunca tem razão; a dois, começa a verdade. Um, não se pode provar; dois, já não podem continuar a refutar-se.
Não há nem felicidade nem infelicidade neste mundo, há apenas a comparação de um estado com outro. Apenas um homem que se sentiu o desespero final é capaz de sentir a felicidade suprema. É necessário ter desejado a morte a fim de saber como é bom viver. A soma de toda a sabedoria humana será contida nestas duas palavras: esperar e ter esperança.
Os Amantes
Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
O crime de morte é relação tão absorvente entre duas pessoas, que uma delas acaba suprimida; ou as duas.
Criação
Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em florificações, enchendo o espaço!
O Cinismo dos Valores
Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente… Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.
Há duas espécies de homens: uns, justos, que se consideram pecadores, e os pecadores que se consideram justos.
Romance de Dubrovnik
São estas casas de cinza
De cinza petrificada
É como se aqui a vida
tivesse jogado às cartas
e só a morte saíra
ganhando em cada jogada
É esta rua comprida
mas que se chama Platza
(embora em eslava grafia
se escreva apenas Placa)
e que na Ragusa antiga
já dois mundos separava
De um lado terra latina
e do outro terra bárbara
São as verdes gelosias
são as muralhas douradas
a segredarem que a vida
se inda quisesse ganhava
É agora ao meio-dia
a Porta Pile empilhada
E são cachos de turistas
trepando pelas muralhas
tirando fotografias
contudo não vendo nada
São fileiras de boutiques
São cafés sob as arcadas
É tudo a fingir que a vida
não se dá por derrotada
É no porto a maresia
quando mais avança a tarde
incrustada em cada esquina
suspensa de cada iate
Mas das naves bizantinas
é que ela sente saudades
e das galeras esguias
que Veneza lhe enviava
se bem que tal nostalgia
inda hoje a sobressalte
Nenhum sabor tem a vida
se a morte a não acicata
E são argolas vazias
as que há no porto à entrada
e de onde outrora pendiam
correntes sempre de guarda
Quem aliás adivinha
as marítimas estradas
que deste porto saíam
que neste nó se cruzavam
Com certeza agora vivem
na tinta azul de outros mapas
Ou permanecem cativas
Ou ficaram bloqueadas
São em redor tantas ilhas
tanta rocha tanta escarpa
tantas flutuantes ravinas
Mas quando a noite se abate
não são mais do que faíscas
no mar de prata lavrada
E já a Lua surgia
na sua rica dalmática
Nem mais a preceito vinha
do que no céu da Dalmácia
Será que o fulgor da vida
vem da morte iluminada
Subo ao monte Zarkovica
(Na língua serbo-croata
deve ler-se Djarkovitza)
e à sombra desta latada
bebo um copo de mastika
olho de novo a cidade
Ó memória empedernida
de uma divina morada
Ó ferradura de cinza
de algum cavalo com asas
Ó mediterrânea figa
mais propriamente adriática
que foi feita por Posídon
e no litoral deixada
O que a morte à vida ensina
através dos deuses passa
Mas não é só nas ruínas
que fica a sua pegada
As duas virtudes cardinais na guerra são a força e a fraude.
Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança; e o Caminho Marítimo da Índia; e as duas Grandes Américas, e que levaste a chatice a estas Terras e que trouxeste de lá mais chatos p’raqui e qu’inda por cima cantaste estes Feitos…