Citação de

Descalça Vai para a Fonte

Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e nĂŁo segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limĂŁo,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e nĂŁo segura.

Leva na mĂŁo a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e nĂŁo segura.

As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e nĂŁo segura.

NĂŁo na ver o Sol lhe val,
Por nĂŁo ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vĂŞ tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e nĂŁo segura.

Também nós imos já perto da Fonte;
E, Em quanto no cantar nos entretemos,
Temo que a vinda cá pouco nos monte.

Dizes bem; melhor Ă© nos desviemos,
Por que nos nĂŁo divisam nem por sonho,
Que, uma sĂł que nos veja, as nĂŁo veremos.

E mais, se eu nĂŁo vou cego, daqui ponho
Que são as que lá assomam na treposta.
De sĂł cuidares isso me envergonho.

Tu não me queres crer? Vá sobre aposta.
Mui bem dizes, daquelas sĂŁo sem falta;
Passas tu como furĂŁo pola posta?

Madanela Ă© de todas a mais alta,
Que aparece vestida de pombinho;
Também Andresa vai: nada nos falta.

O adufe ouço, ouço o pandeirinho;
Vamo-nos por detrás deste valado:
Iremos encontrá-las ao caminho.
Afasta ora estas silvas com o cajado.