Ao Longo da Escrita deste Livro
No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mãe incentivou-me a dar um passeio. Há muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lês que treslês, mas mantém o hábito de, cuidadosa, depois de bater à porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: não te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, não tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capítulo altruísta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mãos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizá-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distância de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que não se alterou quando saí do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome é que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pôr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panões carregados debaixo da última oliveira e os levaram às costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panões vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.
Passagens sobre História
759 resultadosSó sentimos medo de perder aquilo que temos, sejam nossas vidas ou nossas plantações. Mas esse medo passa quando entendemos que nossa história e a história do mundo foram escritas pela mesma mão.
Um bom escritor não precisa de biografias. Toda a sua história está em suas obras.
A história tem muitos mais exemplos de fidelidade dos cães do que dos amigos.
Parto-me desses Olhos Graciosos
Bem pode, Sílvia minha, qualquer serra
tirar a estes meus olhos sua glória,
qualquer monte terá de mim vitória,
qualquer pequeno espaço, enfim, de terra.Mas contra um pensamento fazem guerra,
que traz em si pintada vossa história,
e quanto mais contrastes, mais memória
conserva um coração que vos encerra.Parto-me desses olhos graciosos,
mas por eles vos juro, que mudança
se não veja nos meus eternamente,Que a mágoa de os ver ficar chorosos
estímulo será para a lembrança
de quem se vê de vós viver ausente.
Adiei o momento de contar histórias porque tinha outras coisas para fazer. Só depois de ter feito tudo o que queria – o meu lugar na universidade, os ensaios publicados, dois filhos – perguntei-me: ‘O que vou fazer agora?’. Vou contar histórias.
E dir-vos-ei das aves larga história.
A história é uma apelação dos erros contemporâneos para os juízes da posteridade.
A história é a vida das colectividades; a novela é a vida dos indivíduos.
A presença de Deus no seio da humanidade não se realizou num mundo ideal, idílico, mas neste mundo real, marcado por tantas coisas boas e más, marcado por divisões, malvadezes, pobreza, prepotências e guerras. Ele optou por habitar a nossa história como ela é, com todo o peso dos seus limites e dos seus dramas, das nossas dificuldades, dos nossos pecados.
Há um julgamento de Deus e também um julgamento da história sobre os nossos atos, a que não se pode escapar.
Os Estados não se avaliam pelo dinheiro que têm, mas sim pela sua história e pela sua gente. Nesse sentido, Portugal não pode ser considerado um País pobre, bem pelo contrário.
Tudo Esqueço
Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
– a ilusão, num segundo, mais querida…
– a mulher, num segundo, mais amada…a visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
– uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!Os desejos… os sonhos… os amores…
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores…Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu…
A Vantagem de Ter Pouca Memória
Não há outro homem a quem aventurar-se a falar de memória assente tão mal. Pois praticamente não reconheço em mim vestígio dela, e não creio que haja no mundo uma outra tão prodigiosa em insuficiência. Tenho banais e comuns todas as minhas outras qualidades. Mas nesta creio ser singular e muito raro, e digno de por ela ganhar nome e fama.
(…) Em certa medida, consolo-me. Em primeiro lugar porque esse é um mal pelo qual encontrei principalmente o meio de corrigir um mal pior que poderia facilmente ter surgido em mim, ou seja, a ambição, pois é uma falta (a falta de memória) inadmissível para quem se envolve nos negócios do mundo; e porque, como mostram vários exemplos semelhantes do andamento da natureza, esta de bom grado fortaleceu em mim outras faculdades na medida em que aquela se enfraqueceu, e facilmente eu iria deitando e enlaguescendo o meu espírito e o meu discernimento sobre os rastros de outrem, como faz o mundo, sem exercer as suas próprias forças, se as ideias e opiniões alheias estivessem presentes em mim pelo benefício da memória.
E porque as minhas falas são mais curtas, pois o armazém da memória costuma ser mais bem provido de matéria do que o da invenção;
Cada um de nós carrega consigo a riqueza e o peso da sua própria história, que o distingue de qualquer outra pessoa. A nossa vida, com as suas alegrias e as suas penas, é uma coisa única e irrepetível, que decorre sob o olhar misericordioso de Deus.
O Talento na Juventude e na Velhice
Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser moço, nem genial por se ser velho. A certidão de idade não confere superioridade de espírito a ninguém. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e moços (que aliás enche a história das literaturas); e não percebo a razão por que os homens se lançam tantas vezes recíprocamente em rosto, como um agravo, a sua velhice ou a sua juventude.
Ser idoso não quer dizer que se seja necessáriamente intolerante e retrógado; e engana-se quem supuser que a mocidade, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas que ilustram a história da ciência e contribuiram para o progresso humano são, em geral, obra dos velhos sábios; e a mocidade literária, negando embora sistemáticamente o passado, é nele que se inspira, até que o escritor adquire (quando adquire) personalidade própria.
(…) A mocidade, em geral, não cria; utiliza, transformando-o, o legado que recebeu. Juventude e velhice não se opõem; completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços;
Por muito que se goste de chorar o passado ou preferir o presente, a História demonstra, em traços largos, que o futuro é sempre melhor para a maioria das pessoas. A sensação do dia-a-dia de estar tudo cada vez pior perde sempre quando é comparada com as condições há apenas um século atrás. Nem é preciso recuar no tempo – basta ver a facilidade com que se morre nos países muito mais pobres do que o nosso, que são muito mais do que metade dos que existem. Nos mais pobres, a expectativa média de vida é igual à nossa há dois séculos atrás.
Da sua experiência ou da experiência gravada de outros (história), os homens aprendem somente o que suas paixões e seus preconceitos metafísicos lhes permitem.
Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números! Gostaria de ter começado esta história à moda dos contos de fada.
Diversidade Condicionada
Se, como escrevi em ‘Raça e História’, existe entre as sociedades humanas um certo óptimo de diversidade além do qual elas não conseguiram prosseguir, mas abaixo do qual tampouco podem descer sem perigo, deve-se reconhecer que essa diversidade resulta em grande parte do desejo de cada cultura de se opor às que a cercam, de distinguir-se delas, em suma, de serem elas mesmas; não se ignoram, imitam-se ocasionalmente, mas, para não perecerem, é necessário que, sob outros aspectos, persista entre elas uma certa impermeabilidade.