Não temais a derrota de hoje. Concentrai vossos corações e vossas mãos num único alvo: a vitória final!
Passagens sobre Hoje
1117 resultadosO Supremo Palhaço da Criação
A velha noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar alegremente para o baú das ilusões perdidas. O facto é que a vida do homem, quanto mais estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um sub-produto acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido desses mesmos deuses.
(…) O que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria seja abandonada pela grande maioria dos homens. Pelo contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adoptada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos? Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível,
Intragável é Estar Parado
Intragável é estar parado. Não mudar. Aguentar. Sobreviver. Permanecer. Mesmo que seja pouco, mesmo que seja insuficiente. Manter tudo como está apenas para não correr o risco de ficar pior. Intragável é não perdoar, não ilibar. E só criticar, só apontar, só atacar. E não criar, não refazer, não imaginar. Intragável é não acreditar. Intragável é o que não é maravilhoso, o que não é delicioso, o que não é fantástico, monumental, abençoado, miraculoso, espantoso. Intragável é acordar para o dia a recusar o dia, a não querer o dia, a não apetecer o dia, a não pensar nas mil e uma maneiras de o tornar inesquecível. Deixar estar. Não mexer, não querer a ferida se for através da ferida que se chega à cura. Ser cauteloso, prevenido. Intragável é o que não é exagerado, o que não é desproporcionado, o que não parece incomportável. Se não parece incomportável, é insuportável. Não quero. Não admito. Não me admito. Intragável é repetir. Hoje como réplica exacta de ontem e como réplica exacta de amanhã. As mesmas coisas, as mesmas palavras, os mesmos actos, os mesmos movimentos. Sempre igual. Sempre o mesmo. Intragável é continuar por continuar, andar por andar, viver por viver.
Amar até Sempre
A Maria João e eu vivemos juntos, todos os dias, a não ser os poucos (mais do que quarenta) em que os hospitais nos desinstalaram, desde o primeiro dia de Janeiro do ano 2000.
Mas, mesmo que conte só a data do casamento – no dia 30 deste mês, uma sexta-feira, alcançaremos 11 anos de casamento – acho que prescindimos alegremente de qualquer crise. O meu amor por ela é cada vez maior. O amor dela por mim, de tanto ser amada, começa a ser uma possibilidade. Foram só menos de quatro mil dias – uma pequena parte das nossas vidas – mas foram quatro mil dias de amor, felicidade ou medo de não ser amado, mais a sorte de ter sido. Uma eternidade.
Assim aconselho os amantes e os apaixonados: a primeira coisa a reter, sejam quais forem as primeiras e segundas reacções das pessoas amadas, é que se está a espalhar e visitar uma sorte amorosa sobre elas. Não é uma questão de amor. É uma questão de tempo. Esperar e não reparar é fundamental. Para quem ama, amanhã, por muito improvável que seja, é melhor do que ontem. Mas hoje pode ser, quando se tem sorte,
Cada Dia que Passa me Aproxima de Si
Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita à luz de uma só vela – e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois acabou-se! Não retiro. A minha querida dizia no outro dia que devíamos mostrar um ao outro todos os estados de espírito em que tivéssemos estado. Mostro-lhe, assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciência por uma palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e consolador «petit mot». (…) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além, com as suas afeições e a sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».
Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (…) Eu também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, séria diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade, gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notícias do coração» –
Nós somos hoje responsáveis pelo futuro mais longínquo da humanidade.
O Homem Que Confessa os Seus Pecados Nunca é o Mesmo Que os Cometeu
Monstro, robot, escravo, ser maldito – pouco importa o termo utilizado para transmitir a imagem da nossa condição desumanizada. Nunca a condição da humanidade no seu conjunto foi tão ignóbil como hoje. Estamos todos ligados uns aos outros por uma igniminiosa relação de senhor e servo; todos presos no mesmo círculo vicioso entre julgar e ser julgado; todos empenhados em destruir-nos mutuamente quando não conseguimos impor a nossa vontade. Em vez de sentirmos respeito, tolerância, bondade e consideração, para já não falar em amor, uns pelos outros, olhamo-nos com medo, suspeita, ódio, inveja, rivalidade e malevolência. O nosso mundo assenta na falsidade. Seja qual for a direcção em que nos aventuremos, a esfera de actividade humana em que nos embrenhemos, não encontramos senão enganos, fraudes, dissimulação e hipocrisia.
Conhecer do facto de que, por muito alto que estejam colocados, os homens não conseguem, não ousam, pensar livremente, independentemente, quase desespero de me fazer ouvir. E se falo ainda, se me arrisco a exprimir os meus pontos de vista sobre certas questões fundamentais, é porque estou convencido de que, por muito negro que seja o panorama, uma mudança drástica é, não só possível, mas até inevitável. Sinto que é meu direito e meu dever de ser humano promover essa mudança.
Hoje eu saí de casa tão feliz, que nem me lembrei que em algumas horas a tristeza bate, me sacode e me faz sentir dores que eu não imaginava que continuavam ali.
Só à noitinha
Tive-lhe amor
Gemi de dor
De dor violenta
Chorei sofri
E até por si
Fui ciumenta
Mas todo o mal
Tem um final
Passa depressa
E hoje você
Não sei porquê
Já não me interessaBendita a hora
Que eu esqueci
Por ser ingrato
E deitei fora
As cinzas do seu retrato
Desde esse dia
Sou feliz sinceramente
Tenho alegria
P’ra cantar e andar contente
Só à noitinha
Quando me chega a saudade
Choro sózinha
P’ra chorar mais à vontade
Viver o Hoje
Nunca a vida foi tão actual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado.
Elegia Marítima
Nasceu da terra. Seu corpo,
feito do limo das grutas,
surgiu cavalgando um rio
por uma estrada de luas.Através de ondas agrestes
de um oceano vegetal,
de onde acenavam aos olhos
ilhotas de manacás,alcançou o colo das praias
que a mão lasciva do mar
aperta, despe e mergulha
em seu aroma de sal.Ali viveu junto às vagas
essa esquiva amendoeira,
cabelos soltos à brisa,
pés escondidos na areia.Um dia o mar a arrastou
através de ilhas sem fim.
Parti com ela. E hoje canta
a morte dentro de mim.
Hoje eu acordei com uma tal nostalgia de ser feliz.
Hoje lembrando-me dela; Me vendo nos olhos dela; Sei que o que tinha de ser se deu; Porque era ela; Porque era eu
Só o ateísmo pode pacificar o mundo de hoje.
Português Vulgar
O meu gato deixa-se ficar
em casa, arejando o prato
e o caixote das areias. Já não vai
de cauda erguida contestar o domínio
dos pedantes de raça, pelos
quintais que restam. O meu gato
é um português vulgar, um tigre
doméstico dos que sabem caçar ratos e
arreganhar dentes a ordens despóticas. Mas
desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos
das traseiras até ao soberano desprezo
pela ração enlatada, pelo mercantilismo
veterinário ou pela subserviência dos cães
vizinhos. Já falei deste gato
noutro poema e da sua genealogia
marinheira, embarcada nas antigas
naus. Se o quiserem descobrir, leiam
esse poema, num livro certamente difícil
de encontrar. E quem procura hoje
livros de poemas? Eu ainda procuro,
nos olhos do meu gato, os
dias maiores de Abril.
Hoje adulador, amanhã traidor.
O Matrismo
Acho que não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje. Ou valerá a pena, no aspecto da realização pessoal, mas não é isso que vem modificar o mundo, que vem dar um novo rumo às sociedades, que vem revitalizar a vida. Ora bem, a mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para os impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas. E no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo.
Hora
Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta – por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.E dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.E de novo caminho para o mar.
Saudade
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos…Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos…Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;E em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!…
A literatura fazia-se com manifestos; hoje faz-se sem literatura.