A Mais Perfeita Imagem
Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão
que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurônio meu, unia memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.
Passagens sobre Imagem
488 resultadosSó é possível pensar com palavras, isto é, com imagens. Por isso as palavras dominam o mundo, e as ideias, em sua acção imediata, pertencem a elas.
Teorias Precipitadas
É vulgar uma teoria ser resultado da precipitação de um entendimento impaciente que, desejoso de se ver livre dos fenómenos, os substitui por imagens, conceitos, ou com frequência por meras palavras. Pressente-se, e por vezes vê-se até com clareza, que se trata apenas de expedientes. Mas não é sabido que a paixão e o partidarismo se deixam atrair pelos expedientes? E com toda a razão, porque tanta falta lhes fazem.
(…) Avançar precipitadamente para o fim a alcançar, sem reflectir sobre os meios. Como se, para poder ajudar tão cedo quanto possível uma cirança de berço, lhe quiséssemos matar o pai.
Se atentarmos em certos problemas de Aristóteles ficamos supreendidos com o dom de observação e com a imensidade de coisas que não escapavam ao olhar dos gregos. E contudo cometiam o erro da precipitação, já que saltavam imediatamente dos fenómenos para a explicação, de onde resultaram formulações teoréticas totalmente inadequadas. Trata-se todavia de um erro geral que ainda hoje continua a ser cometido.
A imagem é uma coisa, o ser humano é outra. É difícil manter uma imagem.
Deus Precisa de Companhia
A minha proposição inicial, que me atrevo a considerar indiscutível, é de que Deus criou o universo porque «se sentia» só. Em todo o tempo antes, isto é, desde que a eternidade começara, «tinha estado» só, mas, como não «se sentia» só, não necessitava inventar uma coisa tão complicada como é o universo. Com o que Deus não contara é que, mesmo perante o espectáculo magnífico das nebulosas e dos buracos negros, o tal sentimento de solidão persistisse em atormentá-lo. Pensou, pensou, e ao cabo de muito pensar fez a mulher, «que não era à sua imagem e semelhança». Logo, tendo-a feito, viu que era bom. Mais tarde, quando compreendeu que só se curaria definitivamente do mal de estar só deitando-se com ela, verificou que era ainda melhor. Até aqui tudo muito próprio e natural, nem era preciso ser-se Deus para chegar a esta conclusão. Passado algum tempo, e sem que seja possível saber se a previsão do acidente biológico já estava na mente divina, nasceu um menino, esse sim, «à imagem e semelhança de Deus». O menino cresceu, fez-se rapaz e homem. Ora, como a Deus não lhe passou pela cabeça a simples ideia de criar outra mulher para a dar ao jovem,
Torna-te capaz de reverenciar todas as pessoas e todas as coisas, imparcialmente. Se não consegues reverenciar imparcialmente a Imagem Verdadeira de todas as pessoas e coisas, então é preferível reconheceres o feio como feio, o bonito como bonito, o chiqueiro como lugar imundo e o palácio como local limpo e bonito. Assim, estarás sendo mais honesto contigo mesmo.
A Felicidade Abafa as Contradições
Na maior parte dos casos, a condição primordial para a felicidade não consiste em resolver contradições, mas em fazê-las desaparecer, do mesmo modo que numa alameda comprida se fecham as lacunas. E tal como por toda a parte as relações visíveis se deslocam diante dos nossos olhos para que surja uma imagem que eles possam abarcar, onde o que é premente e próximo parece grande e ao longe até as coisas enormes parecem pequenas, onde as lacunas se fecham e o todo se mostra como algo de acabado e ordenado, assim também acontece com as relações invisíveis, que a razão e o sentimento afastam tanto que daí resulta inconscientemente uma situação em que sentimos que a dominamos completamente.
O Homem Certo
Hoje, numa época em que se misturam todos os discursos, em que profetas e charlatães usam as mesmas fórmulas com mínimas diferenças, cujo percurso nenhum homem ocupado tem tempo de seguir, num tempo em que as redacções dos jornais são constantemente incomodadas por gente que acha que é um génio, é muito difícil ajuizar do valor de um homem ou de uma ideia. Temos de nos deixar guiar pelo ouvido para podermos perceber se os rumores, os sussurros e o raspar de pés diante da porta da redacção são suficientemente fortes para poderem ser admitidos como voz da polis. A partir desse momento, porém, o génio passa a outra condição. Deixa de ser matéria fútil da crítica literária ou teatral, cujas contradições os leitores que qualquer jornal deseja ter levam tão pouco a sério como a tagarelice de uma criança, para aceder ao estatuto de factos concretos, com todas as consequências que isso tem.
Certos fanáticos insensatos ignoram a necessidade desesperada de idealismo que se esconde por detrás de tal situação. O mundo dos que escrevem porque têm de escrever está cheio de grandes palavras e conceitos que perderam a substância. Os atributos dos grandes homens e das grandes causas sobrevivem ao que quer que seja que lhes deu origem,
Frieza
Os teus olhos são frios como espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!…”
O Meu Génio Vem de Ti
O que me acalma ou o que me agita, o que me torna alegre ou triste, o que refulge no meio da noite, a meu lado, e me alumia mil vezes melhor do que o candeeiro de trabalho, o que me encanta os dias durante os meus passeios solitários, os meus estudos, os meus devaneios, e até as mais enfadonhas tarefas, é a tua imagem, a lembrança de que existes, de que me amas, de que me esperas, de que pensas em mim! Se tenho algum génio, é de ti que me vem.
Aproveitar o Tempo
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha…
O trabalho honesto e superior…
O trabalho à Virgílio, à Mílton…
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)…
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos –
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.Verbalismo…
Sim, verbalismo…
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça…
Não ter um acto indefinido nem factício…
Não ter um movimento desconforme com propósitos…
Boas maneiras da alma…
Elegância de persistir…Aproveitar o tempo!
‘Deixa que os mortos sepultem os seus mortos’ – Poucos são os que compreendem o verdadeiro sentido destas palavras de Cristo. Ele não aconselhou a vivificar os mortos; quis dizer o seguinte: ‘Deixa a sombra (o corpo carnal) sepultar-se a si mesma; a morte é própria da sombra. Não vês que atua Imagem Verdadeira (Eu verdadeiro) vive eternamente?’. Bem-aventurados são os que conscientizam o seu Eu eternamente vivo, não se apegando nem à vida nem à morte do corpo carnal.
Como Vemos os Outros
Nós temos em toda a vida, especialmente na esfera da comunicação espiritual, o hábito errado de emprestarmos às outras pessoas muito daquilo que nos é próprio, como se tivesse de ser mesmo assim. Mas como elas, além disso, nos mostram também o que têm de si próprias, daí resultam, dado que nós procuramos criar uma unidade com as duas partes, autênticos monstros, semelhantes àqueles que, numa casa com muitos cantos, a luz de uma lanterna produz com uma parte de sombras e uma parte de objectos reais. Não há nenhuma operação mais útil mas, ao mesmo tempo, mais difícil que deduzir da imagem do outro aquilo que inconscientemente lhe foi emprestado. No entanto, só assim fazemos dos outros verdadeiras pessoas – ou, dito de uma forma mais breve: o homem julga compreender os homens quando acrescenta a uma suposta e ilimitada analogia com o seu próprio eu ainda alguma coisa que é contrária a esse eu. É a experiência que leva cada um a poder lidar com pessoas que tem de imaginar, na sua essência, diferentes de si mesmo.
O Acto de Criação é de Natureza Obscura
O acto de criação é de natureza obscura; nele é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. É no mar crepuscular e materno da memória, onde as águas «superiores» não foram ainda separadas das «inferiores», que as imagens do poeta sonham pela primeira vez com a precária e fugidia luz da terra.
Diante do papel, que «la blancheur défend», o poeta é uma longa e só hesitação. Que Ifigénia terá de sacrificar para que o vento propício se levante e as suas naves possam avistar os muros de Tróia? Que augúrios escuta, que enigmas decifra naquele rumor de sangue em que se debruça cheio de aflição? Porque ao princípio é o ritmo; um ritmo surdo, espesso, do coração ou do cosmos — quem sabe onde um começa e o outro acaba?
Os Ses Importantes da Vida
Hoje escrevo-te sobre os ses importantes da vida. Agarra-te bem a eles, e depois, quando te sentires assustada em algum momento, volta a agarrar-te a eles. Vais ver que nunca te vai faltar nada. Prometo.
Se amares com toda a segurança, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, quando se ama com toda a segurança não se ama coisa nenhuma.
Se não tiveres medo de dizer que amas, como se sentisses que estavas a expor o mais imenso lado de ti, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, é só o que nos faz ter medo que vale a pena ter medo perder.Se não adormeceres todos os dias com uma inexplicável vontade de voltar a acordar só para estares nos braços da pessoa com quem adormeceste, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, só o que nos faz adormecer felizes sem deixar de nos fazer ter vontade de acordar felizes é que é mesmo amor.
Se não acordares todos os dias com uma vontade inexplicável de voltar a adormecer só para poderes adormecer em paz ao lado de quem amas, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, só o que nos faz acordar felizes sem deixar de nos fazer ter vontade de adormecermos felizes é que é mesmo amor.
Se Nada Há de Novo
Se nada há de novo e tudo o que há
já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espírito em seus signos iniciais.Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que é a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
louvaram mais com bem menores pretextos.Tradução de Carlos de Oliveira
Quem tem a mente alegre não precisa recorrer especialmente ao método de sorrir diante de um espelho. Basta contemplar a própria alegria interior. Assim, finalmente conseguirá ver com os olhos da mente a sua própria imagem plena de luz. Este é o estado espiritual mais elevado.
Agradar a Todos e a Ninguém
Aqueles que procuram agradar andam muito enganados. Para agradar, tornam-se maleáveis e dúcteis, apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam por trair em todas as coisas, para serem como os desejam. Que hei-de eu fazer dessas alforrecas que não têm ossos nem forma? Vomito-os e restituo-os às suas nebulosas: vinde ver-me quando estiverdes construídos.
As próprias mulheres se cansam quando alguém, para lhes demonstrar amor, aceita fazer-se eco e espelho, porque ninguém tem necessidade da sua própria imagem. Mas eu tenho necessidade de ti. Estás construído como fortaleza e eu bem sinto o teu núcleo. Senta-te ali, porque tu existes.
A mulher desposa e torna-se serva daquele que é de um império.
Feliz é aquele que se apóia em seu Deus interior. Não teme antecipadamente nem se aflige com o que poderá ocorrer no futuro. Deus interior é a Imagem Verdadeira.
O Livro da Vida
Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.Mas o tempo caminha; os anos vão correndo;
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão…
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer,