In Extremis
1
Só a criança conhece a Eternidade
Que é inocência do desconhecido.
E o que me dá saudade
É havê-la em mim perdido.Outra herança de tudo que não sou
Podeis levá-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.Ah! como a onda do mar que é mais bravia
É que abraça os escolhos,
Só terra de poesia
Foi na minh’alma dor, o luto dos meus olhos.Entre o homem e o mundo há um novelo
De linha preta:
Meu acto de Fé é ser criança, e crê-lo,
Que é ser poeta.2
O que levamos da terra
É o céu que possuímos:
Esperança das sepulturas.E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.Sê, ó Morte, o meu dia de Juízo
Se é fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mãos dos homens
Com suas luvas pretas,
Passagens sobre Inocência
134 resultadosSer real é assumir a própria promessa: assumir a própria inocência e retomar o gosto do qual nunca se teve consciência: o gosto do vivo.
A inocência, surpreendida em aparências criminosas, condena-se quase sempre por uma espécie de mudez idiota, semelhante à do crime sem defesa.
Aos Amores!
A vida que tudo arrasta os amores também
uns dão à costa, exaustos, outros vao mais além
navegadores só solitários dois a dois
heróis sem nome e até por isso heróisDesde que o John partiu a Rosinha passa mal
vive na Loneley Street, Heartbreak Hotel, Portugal
ainda em si mora a doce mentira do amor
tomou-lhe o gosto ao provar-lhe o saborOs amores são facas de dois gumes
têem de um lado a paixão, do outro os ciúmes
são desencantos que vivem encantados
como velas que ardem por dois ladosAos amores!
No convento as noviças cantam as madrugadas
e a bela monja escreve cartas arrebatadas
“é por virtude tua que tu és o meu vício
por ti eu lanço os ventos ao precipício”O Rui da Casa Pia sabe que sabe amar
sopra na franja, maneira de se pentear
vai à posta restante para ver quem lhe escreveu
foi uma bela monja que nunca conheceuAos amores!
(desordeiros irresistíveis deleituosos entranhantes
verdadeiros evitáveis buliçosos como dantes
bicolores transgressores impostores cantadores)A Marta,
A ignorância não é inocência, mas pecado.
Cabelos Brancos
Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
Não vou a festas. E não vou, não vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E não vou, não vou.Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocência quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avô.Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doía vê-los …
E fiquei sempre triste de criança.
O arrependimento é a inocência dos pecadores.
Juízes Imparciais
Se quisermos ser juízes imparciais em qualquer circunstância, devemos, antes de mais, ter em conta que ninguém está livre de culpa; o que está na origem da nossa indignação é a ideia de que: «Eu não errei» e «Eu não fiz nada». Pelo contrário, tu recusas admitir os teus erros! Indignamo-nos quando somos castigados ou repreendidos, cometendo, simultaneamente, o erro de acrescentar aos crimes cometidos, a arrogância e a obstinação. Quem poderá dizer que nunca infringiu a lei? E, se assim for, é bem estreita inocência ser bom perante a lei! Quão mais vasta é a regra do dever do que a regra do direito! Quantas obrigações impõem a piedade, a humanidade, a bondade, a justiça e a lealdade, que não estão escritas em nenhuma tábua de leis!
Mas nós não podemos satisfazer-nos com aquela noção de inocência tão limitada: há erros que cometemos, outros que pensamos cometer, outros que desejamos cometer, outros que favorecemos; por vezes, somos inocentes por não termos conseguido cometê-los. Se tivermos isto em conta, somos mais justos para com os delinquentes, e mais persuasivos nas admoestações; em todo o caso, não nos iremos contra os homens bons (de facto, contra quem não nos sentiremos irados,
O Mundo não se Fez para Pensarmos Nele
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
Em cada pessoa mora uma inocência própria.
A inocência é a saúde da alma; a do corpo é a alegria.
A inocência genuína rende-se; não sabe defender-se.
Estes Sítios!
Olha bem estes sítios queridos,
Vê-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois não sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocência e vigor!
Oh! aqui, aqui só se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui só vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o níveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocência infantil do pudor.
E oh! deixar tais delícias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razão à impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono à vaidade,
Ter de rir nas angústias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! não, não… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize à sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
A Felicidade de uma Razão Perfeita
Creio que estaremos de acordo em que é para proveito do corpo que procuramos os bens exteriores; em que apenas cuidamos do corpo para benefício da alma, e em que na alma há uma parte meramente auxiliar – a que nos assegura a locomoção e a alimentação – da qual dispomos tão somente para serviço do elemento essencial. No elemento essencial da alma há uma parte irracional e outra racional; a primeira está ao serviço da segunda; esta não tem qualquer ponto de referência além de si própria, pelo contrário, serve ela de ponto de referência a tudo. Também a razão divina governa tudo quanto existe sem a nada estar sujeita; o mesmo se passa com a nossa razão, que, aliás, provém daquela.
Se estamos de acordo nesse ponto, estaremos necessariamente também de acordo em que a nossa felicidade depende exclusivamente de termos em nós uma razão perfeita, pois apenas esta impede em nós o abatimento e resiste à fortuna; seja qual for a sua situação, ela manter-se-á imperturbável. O único bem autêntico é aquele que nunca se deteriora.
O homem feliz, insisto, é aquele que nenhuma circunstância inferioriza; que permanece no cume sem outro apoio além de si mesmo,
O mesmo acontece ao mérito e à inocência: perde-se, desde que deles nos sustentemos.
Nada se parece tanto com a inocência como uma indiscrição.
O pudor é uma provocação sexual. A verdadeira inocência é impudica.
Inocência, na acepção em que tomamos a palavra, quer dizer ignorância do que é impuro. Quem cora ao ouvir uma imprudência, claro é que distingue, e quem distingue duas coisas conhece-as ambas.
A Máscara Falsa da Felicidade
Um erro sem dúvida bem grosseiro consiste em acreditar que a ociosidade possa tornar os homens mais felizes: a saúde, o vigor da mente, a paz do coração são os frutos tocantes do trabalho. Só uma vida laboriosa pode amortecer as paixões, cujo jugo é tão rigoroso; é ela que mantém nas cabanas o sono, fugitivo dos grandes palácios. A pobreza, contra a qual somos prevenidos, não é tal como pensamos: ela torna os homens mais temperantes, mais laboriosos, mais modestos; ela os mantém na inocência, sem a qual não há repouso nem felicidade real na terra.
O que é que invejamos na condição dos ricos? Eles próprios endividados na abundância pelo luxo e pelo fasto imoderados; extenuados na flor da idade por sua licenciosidade criminosa; consumidos pela ambição e pelo ciúme na medida em que estão mais elevados; vítimas orgulhosas da vaidade e da intemperança; ainda uma vez, povo cego, que lhe podemos invejar?
Consideremos de longe a corte dos príncipes, onde a vaidade humana exibe aquilo que tem de mais especioso: aí encontraremos, mais do que em qualquer outro lugar, a baixeza e a servidão sob a aparência da grandeza e da glória, a indigência sob o nome da fortuna,
Nosso corpo esquece tanto quanto nossa alma. É talvez essa capacidade de esquecer que em muitos de nós, explica a renovação da inocência.