Primeiras VigĂlias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lĂąnguido cĂĄlix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas Ăąnsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ă sensuais visĂ”es da adolescĂȘncia,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixÔes despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂnea da inocĂȘncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Passagens sobre InocĂȘncia
134 resultadosA ignorĂąncia Ă© a verdadeira inocĂȘncia. O maior pensador Ă© o maior debochado.
In Extremis
1
Só a criança conhece a Eternidade
Que Ă© inocĂȘncia do desconhecido.
E o que me dĂĄ saudade
Ă havĂȘ-la em mim perdido.Outra herança de tudo que nĂŁo sou
Podeis levå-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.Ah! como a onda do mar que Ă© mais bravia
à que abraça os escolhos,
SĂł terra de poesia
Foi na minh’alma dor, o luto dos meus olhos.Entre o homem e o mundo hĂĄ um novelo
De linha preta:
Meu acto de FĂ© Ă© ser criança, e crĂȘ-lo,
Que Ă© ser poeta.2
O que levamos da terra
Ă o cĂ©u que possuĂmos:
Esperança das sepulturas.E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.SĂȘ, Ăł Morte, o meu dia de JuĂzo
Se Ă© fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mĂŁos dos homens
Com suas luvas pretas,
Ser real Ă© assumir a prĂłpria promessa: assumir a prĂłpria inocĂȘncia e retomar o gosto do qual nunca se teve consciĂȘncia: o gosto do vivo.
A inocĂȘncia, surpreendida em aparĂȘncias criminosas, condena-se quase sempre por uma espĂ©cie de mudez idiota, semelhante Ă do crime sem defesa.
Aos Amores!
A vida que tudo arrasta os amores também
uns dão à costa, exaustos, outros vao mais além
navegadores sĂł solitĂĄrios dois a dois
heróis sem nome e até por isso heróisDesde que o John partiu a Rosinha passa mal
vive na Loneley Street, Heartbreak Hotel, Portugal
ainda em si mora a doce mentira do amor
tomou-lhe o gosto ao provar-lhe o saborOs amores sĂŁo facas de dois gumes
tĂȘem de um lado a paixĂŁo, do outro os ciĂșmes
sĂŁo desencantos que vivem encantados
como velas que ardem por dois ladosAos amores!
No convento as noviças cantam as madrugadas
e a bela monja escreve cartas arrebatadas
“Ă© por virtude tua que tu Ă©s o meu vĂcio
por ti eu lanço os ventos ao precipĂcio”O Rui da Casa Pia sabe que sabe amar
sopra na franja, maneira de se pentear
vai Ă posta restante para ver quem lhe escreveu
foi uma bela monja que nunca conheceuAos amores!
(desordeiros irresistĂveis deleituosos entranhantes
verdadeiros evitåveis buliçosos como dantes
bicolores transgressores impostores cantadores)A Marta,
A ignorĂąncia nĂŁo Ă© inocĂȘncia, mas pecado.
Cabelos Brancos
Cobrem-me as fontes jĂĄ cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.Cabelos brancos, vĂĄ, sejamos francos,
Minha inocĂȘncia quando os encontrou
Era um mistĂ©rio vĂȘ-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂŽ.Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂa vĂȘ-los …
E fiquei sempre triste de criança.
O arrependimento Ă© a inocĂȘncia dos pecadores.
JuĂzes Imparciais
Se quisermos ser juĂzes imparciais em qualquer circunstĂąncia, devemos, antes de mais, ter em conta que ninguĂ©m estĂĄ livre de culpa; o que estĂĄ na origem da nossa indignação Ă© a ideia de que: «Eu nĂŁo errei» e «Eu nĂŁo fiz nada». Pelo contrĂĄrio, tu recusas admitir os teus erros! Indignamo-nos quando somos castigados ou repreendidos, cometendo, simultaneamente, o erro de acrescentar aos crimes cometidos, a arrogĂąncia e a obstinação. Quem poderĂĄ dizer que nunca infringiu a lei? E, se assim for, Ă© bem estreita inocĂȘncia ser bom perante a lei! QuĂŁo mais vasta Ă© a regra do dever do que a regra do direito! Quantas obrigaçÔes impĂ”em a piedade, a humanidade, a bondade, a justiça e a lealdade, que nĂŁo estĂŁo escritas em nenhuma tĂĄbua de leis!
Mas nĂłs nĂŁo podemos satisfazer-nos com aquela noção de inocĂȘncia tĂŁo limitada: hĂĄ erros que cometemos, outros que pensamos cometer, outros que desejamos cometer, outros que favorecemos; por vezes, somos inocentes por nĂŁo termos conseguido cometĂȘ-los. Se tivermos isto em conta, somos mais justos para com os delinquentes, e mais persuasivos nas admoestaçÔes; em todo o caso, nĂŁo nos iremos contra os homens bons (de facto, contra quem nĂŁo nos sentiremos irados,
O Mundo nĂŁo se Fez para Pensarmos Nele
O meu olhar Ă© nĂtido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trĂĄs…
E o que vejo a cada momento
Ă aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas nĂŁo penso nele
Porque pensar Ă© nĂŁo compreender …O Mundo nĂŁo se fez para pensarmos nele
(Pensar Ă© estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…Eu nĂŁo tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza nĂŁo Ă© porque saiba o que ela Ă©,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que Ă© amar …
Amar Ă© a eterna inocĂȘncia,
Em cada pessoa mora uma inocĂȘncia prĂłpria.
A inocĂȘncia Ă© a saĂșde da alma; a do corpo Ă© a alegria.
A inocĂȘncia genuĂna rende-se; nĂŁo sabe defender-se.
Estes SĂtios!
Olha bem estes sĂtios queridos,
VĂȘ-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois nĂŁo sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocĂȘncia e vigor!
Oh! aqui, aqui sĂł se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui sĂł vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o nĂveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocĂȘncia infantil do pudor.
E oh! deixar tais delĂcias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razĂŁo Ă impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono Ă vaidade,
Ter de rir nas angĂșstias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! nĂŁo, nĂŁo… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize Ă sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
A Felicidade de uma RazĂŁo Perfeita
Creio que estaremos de acordo em que Ă© para proveito do corpo que procuramos os bens exteriores; em que apenas cuidamos do corpo para benefĂcio da alma, e em que na alma hĂĄ uma parte meramente auxiliar – a que nos assegura a locomoção e a alimentação – da qual dispomos tĂŁo somente para serviço do elemento essencial. No elemento essencial da alma hĂĄ uma parte irracional e outra racional; a primeira estĂĄ ao serviço da segunda; esta nĂŁo tem qualquer ponto de referĂȘncia alĂ©m de si prĂłpria, pelo contrĂĄrio, serve ela de ponto de referĂȘncia a tudo. TambĂ©m a razĂŁo divina governa tudo quanto existe sem a nada estar sujeita; o mesmo se passa com a nossa razĂŁo, que, aliĂĄs, provĂ©m daquela.
Se estamos de acordo nesse ponto, estaremos necessariamente tambĂ©m de acordo em que a nossa felicidade depende exclusivamente de termos em nĂłs uma razĂŁo perfeita, pois apenas esta impede em nĂłs o abatimento e resiste Ă fortuna; seja qual for a sua situação, ela manter-se-ĂĄ imperturbĂĄvel. O Ășnico bem autĂȘntico Ă© aquele que nunca se deteriora.
O homem feliz, insisto, é aquele que nenhuma circunstùncia inferioriza; que permanece no cume sem outro apoio além de si mesmo,
O mesmo acontece ao mĂ©rito e Ă inocĂȘncia: perde-se, desde que deles nos sustentemos.
Nada se parece tanto com a inocĂȘncia como uma indiscrição.
O pudor Ă© uma provocação sexual. A verdadeira inocĂȘncia Ă© impudica.
InocĂȘncia, na acepção em que tomamos a palavra, quer dizer ignorĂąncia do que Ă© impuro. Quem cora ao ouvir uma imprudĂȘncia, claro Ă© que distingue, e quem distingue duas coisas conhece-as ambas.