A MĂĄscara Falsa da Felicidade
Um erro sem dĂșvida bem grosseiro consiste em acreditar que a ociosidade possa tornar os homens mais felizes: a saĂșde, o vigor da mente, a paz do coração sĂŁo os frutos tocantes do trabalho. SĂł uma vida laboriosa pode amortecer as paixĂ”es, cujo jugo Ă© tĂŁo rigoroso; Ă© ela que mantĂ©m nas cabanas o sono, fugitivo dos grandes palĂĄcios. A pobreza, contra a qual somos prevenidos, nĂŁo Ă© tal como pensamos: ela torna os homens mais temperantes, mais laboriosos, mais modestos; ela os mantĂ©m na inocĂȘncia, sem a qual nĂŁo hĂĄ repouso nem felicidade real na terra.
O que Ă© que invejamos na condição dos ricos? Eles prĂłprios endividados na abundĂąncia pelo luxo e pelo fasto imoderados; extenuados na flor da idade por sua licenciosidade criminosa; consumidos pela ambição e pelo ciĂșme na medida em que estĂŁo mais elevados; vĂtimas orgulhosas da vaidade e da intemperança; ainda uma vez, povo cego, que lhe podemos invejar?
Consideremos de longe a corte dos prĂncipes, onde a vaidade humana exibe aquilo que tem de mais especioso: aĂ encontraremos, mais do que em qualquer outro lugar, a baixeza e a servidĂŁo sob a aparĂȘncia da grandeza e da glĂłria, a indigĂȘncia sob o nome da fortuna,
Passagens sobre InocĂȘncia
134 resultadosNosso corpo esquece tanto quanto nossa alma. Ă talvez essa capacidade de esquecer que em muitos de nĂłs, explica a renovação da inocĂȘncia.
Se Queremos Alcançar Neste Mundo a Verdadeira Paz
Se queremos alcançar neste mundo a verdadeira paz e se temos de levar a cabo uma verdadeira guerra contra a guerra, teremos de começar pelas crianças; e nĂŁo serĂĄ necessĂĄrio lutar se permitirmos que cresçam com a sua inocĂȘncia natural; nĂŁo teremos de transmitir resoluçÔes insubstanciais e infrutĂferas, mas iremos do amor para o amor e da paz para a paz, atĂ© que finalmente todos os cantos do mundo fiquem cobertos por essa paz e por esse amor pelo qual, consciente ou inconscientemente, o mundo inteiro clama.
O erro Ă© a noite dos espĂritos e a armadilha da inocĂȘncia.
O Verdadeiro Gesto de Amor
Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguĂ©m Ă© o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontĂĄveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor Ă© a invenção de tudo, uma originalidade inesgotĂĄvel. Fundamentalmente, uma inocĂȘncia.
O melhor sono da vida a inocĂȘncia o dorme, ou a virtude.
Peso do Mundo
A poesia nĂŁo Ă©, nunca foi
uma enumeração ou composto
de exuberĂąncia, bondade,
altitude, nem arado
ou dĂĄdiva sobre chĂŁo
prenhe de mortos.Nem o arrependimento
de Deus por ter criado o homem
com o rosto da sua memĂłria,
ao lado dos seus vermes.TĂŁo-pouco fĂŽlego dos que amam
abrindo a porta lĂmpida
do corpo e chovendo sobre a terra,
ou carregam como tartarugas
o peso do mundo.Nem reverĂȘncia por um tigre,
pela leveza maligna de todas as patas,
pela sonolĂȘncia junto Ă estirpe
aprisionada também
na dureza de ser tigre.Ă o milagre de uma arma
total, de uma sĂł palavra
reduzindo o ĂĄtomo Ă completa inocĂȘncia.
O fim da histĂłria serĂĄ o começo da paz: o reino da inocĂȘncia recobrada.
A inocĂȘncia confere poder, mas a inocĂȘncia Ă© destruĂda, e Ă© isso que estou a tentar devolver-vos para que possam ser novamente inocentes.
Loucura e inocĂȘncia sĂŁo tĂŁo parecidas, que a diferença, embora essencial, mal se percebe.
O erro Ă© a noite da inteligĂȘncia e o laço da inocĂȘncia.
E quando um bom em tudo Ă© justo e santo,
Em negĂłcio do mundo pouco acerta,
Que mal co’eles poderĂĄ ter conta
A quieta inocĂȘncia, em sĂł Deus pronta.
A idĂ©ia mais natural para o homem, a que lhe surge ingenuamente, como no fundo da sua natureza, Ă© a idĂ©ia da sua inocĂȘncia. Sob esse aspecto, somos todos como aquele francesinho que, em Buchenwald, teimava em querer apresentar um reclamação ao escrivĂŁo, prisoneiro como ele, que registrava sua chegada. Uma reclamação? O escrivĂŁo e os seus colegas riam: âInĂștil, meu velho. Aqui, nĂŁo se reclama.â âMas, veja bem, meu senhorâ, dizia o francesinho, âo meu caso Ă© excepcional. Sou inocente!
O Futuro Perfeito
Ă minha neta Anica
A neta explora-me os dentes,
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiĂȘncia,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada Ă inocĂȘncia.Finjo que lhe como os dedos,
Fura-me os olhos cansados,
Intima aos meus prĂłprios medos
Deixa-mos sossegados.E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo da sua vida.
A inocĂȘncia Ă© a forma celestial da ignorĂąncia.
MarĂlia De Dirceu
Soneto 3
Enganei-me, enganei-me – paciĂȘncia!
Acreditei Ă s vezes, cri, Ormia,
Que a tua singeleza igualaria
A tua mais que angĂ©lica aparĂȘncia.Enganei-me, enganei-me – paciĂȘncia!
Ao menos conheci que nĂŁo devia
PĂŽr nas mĂŁos de uma externa galhardia
O prazer, o sossego e a inocĂȘncia.Enganei-me, cruel, com teu semblante,
E nada me admiro de faltares,
Que esse teu sexo nunca foi constante.Mas tu perdeste mais em me enganares:
Que tu nĂŁo acharĂĄs um firme amante,
E eu posso de traidoras ter milhares.
O mundo dĂĄ a inocĂȘncia por momentos. O mundo leva a inocĂȘncia consigo, como um barco que se afasta cada vez mais do sĂtio de onde partiu. A inocĂȘncia fica lĂĄ longe.
A Morte e o Sexo
A vida då-nos indicaçÔes sob vårias formas de que a morte não deveria assustar-nos, pelo contrårio, que é agradåvel. O sono é-nos dado como um protótipo da morte, e lutamos por ele todas as noites, que nos då o maior esquecimento da vida. Não tememos o esquecimento; desejamo-lo porque nos då paz.
O sexo também nos sugere como serå agradåvel a morte, mas não prestamos atenção. Se pudéssemos morrer duas vezes, então talvez não receåssemos a segunda vez. Tal como uma virgem receia a dor causada pela introdução do pénis, mas sente prazer da segunda vez e fica cheia de vontade de sexo e ansiosa por isso, não prestando atenção à insignificùncia da dor comparada com o prazer que recebe.
Por isso sĂł temos uma morte, para que ao percebermos o seu encanto da primeira vez, nĂŁo nos sentĂssemos mais poderosamente atraĂdos por ela do que pela vida. Deus nĂŁo seria capaz de nos manter vivos, como nĂŁo foi capaz de nos manter na inocĂȘncia, e estarĂamos continuamente a lutar por nos sucidarmos.
O sexo Ă©-nos dado como uma substituição para a morte mĂșltipla. Depois de nos restabelecermos de uma morte doce, ficamos cheios de vontade de a experimentar outra vez.
A Ășnica precaução contra os remorsos da morte Ă© a inocĂȘncia da vida.
Da Natureza do Mistério
As coisas misteriosas sĂŁo o que hĂĄ de mais belo, grandioso, e doce na existĂȘncia. Os mais maravilhosos sentimentos sĂŁo os que nos agitam com certa confusĂŁo: pudor, amor casto, amizade virtuosa, rescendem misterioso perfume. Dirieis que os coraçÔes amantes com meias palavras se compreendem e se franqueiam. A inocĂȘncia, santa ignorĂąncia, nĂŁo Ă© per si o mais inefĂĄvel dos mistĂ©rios? Exulta a infĂąncia porque tudo ignora; amisera-se a velhice porque tudo sabe: felizmente para ela, principiam os mistĂ©rios da morte onde fenecem os da vida. DĂĄ-se nos afectos o que se dĂĄ nas virtudes: as mais angĂ©licas sĂŁo as que, derivadas imediatamente de Deus, Ă maneira da caridade, folgam de esconder-se Ă vista, como a origem delas.