O silêncio é às vezes o que faz mais mal quando a gente sofre.
Passagens sobre Mal
1898 resultadosAquilo que os homens menos vos perdoam é o mal que disseram de vós.
Quem chora, seu mal consola.
O Homem Deformado pela Sociedade
Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices. O homem — não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade — o homem assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra.
Rei nascido de todo o criado, perdeu a realeza: príncipe deserdado e proscrito, hoje vaga foragido no meio de seus antigos estados, altivo ainda e soberbo com as recordações do passado, baixo, vil e miserável pela desgraça do presente.
Destas duas tão apostas actuações constantes, que já per si sós o tornariam ridículo, formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado e impossível, complicado de regras a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias a qual mais aposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele o homem, desfigurou-o, contorceu-o, fê-lo o tal ente absurdo e disparatado, doente, fraco, raquítico; colocou-o no meio do Éden fantástico de sua criação — verdadeiro inferno de tolices — e disse-lhe,
Todos nós temos a força suficiente para suportar os males alheios.
A filosofia triunfa facilmente sobre os males passados e os futuros; mas os males presentes triunfam sobre ela.
O homem, seja qual for o glorioso nome com que se adorna, é, em minha opinião, um animal infeliz. Fazemos pouco bem e muito mal e, o que é mais grave, fazemos mal o pouco bem que fazemos.
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
A Felicidade na Perseverança
Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem – quereis saber – e qual é a fonte de onde emana?Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo,
Reformar é não Ter Emenda Possível
Todo o dia, em toda a sua desolação de nuvens leves e mornas, foi ocupado pelas informações de que havia revolução. Estas notícias, falsas ou certas, enchem-me sempre de um desconforto especial, misto de desdém e de náusea física. Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se. A violência, seja qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada de estupidez humana. Depois, todos os revolucionários são estúpidos, como, em grau menor, porque menos incómodo, o são todos os reformadores.
Revolucionário ou reformador – o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.
O homem de sensibilidade justa e recta razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso em seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida.
Tudo para nós está em nosso conceito do mundo;
Na Arca Aberta, o Justo Peca
Na arca aberta o justo peca,
não em canastra fechada;
mas vós da minha coitada
fechada a fazeis caneca:
vindes lá de seca e meca
com tal pressa e furor tal,
que fazeis, para meu mal,
com mau termo e ruim modo,
do meu queijo lama e lodo,
e do meu pão cinza e sal.Quando as peras me levais,
então para peras levo,
pois vos pago o que não devo,
e vós rindo vos ficais:
se pêra flamenga achais
a comeis em português,
e me fazeis d’essa vez,
com estrondo e com arenga,
os narizes á flamenga
muito mal em que me pez.Não vos escapam por pés
minhas cerejas bicais,
nem as ginjas garrafais,
se as tenho alguma vez:
porque mal, em que me pez,
como cerejas se vão
pelos pés á vossa mão
e da vossa mão á minha,
a cereja é marouvinha
as ginjas galegas são.Passa hoje por lebre o gato,
por perdiz passa o francelho
por capão o galo velho,
Serradura
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o “Matin” de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.Folhetim da “Capital”
Pelo nosso Júlio Dantas –
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?
Do Mal Guardado Come o Gato
Dizem que o gato e o ladrão
leva o mal arrecadado;
mas vós do melhor guardado
na canastra lançais mão.
Porque vossos dentes são
umas mui agudas puas,
e vossas unhas gazuas,
e vós uns salteadores;
e assim vos fazeis senhores
de minhas cousas e suas.
A suspensão, remoção ou cessão de um grave mal são reputados pelo paciente como um grande bem: deixar de sofrer é também gozar.
Mal por mal, não se deve dar.
Os portugueses estão sempre mal dispostos. Dispõem-se mal. Indispõem-se muito. Não percebem que a vida é uma coisa complicada, com muito recheio, só parcialmente compreensível, sujeita tanto às leis da ciência, como ao acaso. A vida é muito confusa. É chata, linda, irregular, boa, injusta, curta de mais e comprida em demasia.
O Amor é um Exagerador
As coisas boas, como o amor e a sabedoria, não trazem a felicidade pela simples razão que as coisas boas têm, para ser boas, de ser «boas por si mesmas». Não podem ser boas por aquilo que trazem. Pelo contrário, têm um preço. O mais das vezes, o preço do amor e da sabedoria, ambos artigos finos, artigos de luxo, coisas boas, é a infelicidade. Quando se ama, ou quando se estuda muito, fica-se sujeito às vontades e às verdades mais alheias. Nada depende quase nada de nós. E sofre-se. Irritam as pessoas que esperam que o amor traga a felicidade. É como esperar que os morangos tragam as natas. O amor não é um meio para atingir um fim — não é através do amor que se chega à felicidade. O amor é um exagerador — exagera os êxtases e as agonias, torna tudo o que não lhe diz respeito (o mundo inteiro) numa coisa pequenina. Assim como a arte tem de ser pela arte e a ciência pela ciência (seria um horror ouvir alguém dizer «Eu quero ser pintor ou biólogo para ganhar muito dinheiro e ir a muitas festas e ter duas carrinhas Volvo com galgos do Afeganistão lá dentro»),
O Jornal é o Fole Incansável que Assopra a Vaidade Humana
Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da Vaidade! (…) Como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do Mundo, ou nas direcções do pensamento , do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades! O jornal é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! Já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal!
O mal dos outros, meu gozo é.
A Terra protesta pelo mal que lhe causamos, por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus pôs nela. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência que existe no coração humano ferido pelo pecado manifesta-se nos sintomas de doença que verificamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos.