Infância
Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada…
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia,
Passagens sobre Perda
119 resultadosA tortura é uma invenção maravilhosa e absolutamente segura para causar a perda de um inocente.
Eu Não Lastimo O Próximo Perigo
Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.
Uma perda pode converter-se num benefício e um benefício, numa perda
Uma perda pode converter-se num benefício e um benefício, numa perda.
Conhecimento do Amor
Amor, como o compreendo agora, é mais
renúncia que desejo. Outrora hostil,
agressivo, hoje súplica, murmúrio
íntimo, cinzas em silêncio, amor,
à morte assemelhando-se, besouro
em agonia, dor da perda, o sonho
estraçalhado, renunciar, renu-
nciar sempre, e sem espera, ao corpo amado.A vida me consente essa amargura
e é preciso vivê-la sem demora,
abrir os olhos, aceitar a sombra,
meditar sem rancor a decepção —
instante em que a mulher se distancia
e a voz ao telefone ri tranquila
anunciando a partida: outros braços,
agora, amor, mesclado de impotência
e irrisão, lágrimas que não se mostram.Toda renúncia compõe jogo amargo
de desespero e morte. Renunciar,
ainda que de joelhos, deitado, o corpo
ansiando pelo teu amor se fira,
e o coração, tumulto, empalideça
e nada reste enfim que a vida mesma,
percorrida com calma e indiferença.Assim, amor, te compreendo agora:
— devoção malquerida a toda hora.
Quando não se repara a quem se dá, mais se perde dando que perdendo; perde-se a única coisa que se perde; e se não se sabe dar, perde-se aquilo que se deu e aquele a quem se deu; perda deveras considerável.
Nada é perda de tempo se você usar a experiência sabiamente.
A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.
Existe uma grande ânsia de retorno a um tempo em que não são necessárias escolhas, livre de remorsos da inevitável perda que todas as escolhas (embora maravilhosas) possam implicar.
O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio.
Ao sábio não o movem nem a afeição nem o ódio, o lucro nem a perda
Ao sábio não o movem nem a afeição nem o ódio, o lucro nem a perda, as honrarias nem os vexames. E por essa razão é ele tido em tão alta estima por todo o mundo.
O Dom de Deixar Ir
É preciso aprender a viver. A qualidade da nossa existência depende de um equilíbrio fundamental na nossa relação com o mundo: apego e desapego. Nesta vida, a ponderação, a proporção e a subtileza são sempre melhores que qualquer arrebatamento. Mas o essencial é aprender que a existência é feita de dádivas e perdas.
Eis porque quem reza deve pedir e agradecer: tudo é, na verdade, um dom. Tudo passa… importa pois prepararmo-nos para a perda, ainda que tantas vezes não seja senão temporária… Alegrias e dores. Só há felicidade num coração onde habita a sabedoria e paciência dos tempos e dos momentos, a paz de quem sabe que são muitos os porquês e para quês que ultrapassam a capacidade humana de compreender.
Na vida, tudo se recebe e tudo se perde.
Amar é um apego natural mas também obriga a que deixemos o outro ser quem é, abrindo mão e permitindo-lhe que parta, ou que fique, sem desejar outra coisa senão que seja radicalmente livre. Aprendendo que há muito mais valor no ato de quem decide ficar do que naquele de quem só está por não poder partir.Nada verdadeiramente nos pertence. O sublime do amor está aí,
Fracasso ou êxito, perda ou lucro – são apenas cenas representadas pela Vida no efêmero palco do mundo fenomênico.
A Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.
O Poema é uma Árvore de um Só Fruto
Creio que nenhum de vós há-de estranhar que eu diga que o poeta é aquele que perdeu a palavra antes de a poder dizer; dito de outro modo. Ele é o que fala ou escreve antes de conhecer o enunciado do que vai dizer. O grito, o silêncio, a aridez da não inspiração determinam inicialmente a criação poética; o poema nunca é real, nunca se efectiva numa conclusão, ou num objectivo determinado. O poema nasce de um grito, de um assombro, de uma ruptura, da noite do nada e da disponibilidade da linguagem relacional; é sempre a transposição de um referente real ou imaginário para uma linguagem de equivalência, mas necessariamente, livremente, distanciada da referência. Esta linguagem é a «coerência da incoerência», «uma linguagem na linguagem», mantendo embora a voz mesma do existente ausente que é o poeta, no «fingimento», na ficção, na heteronímia do poema. Longe de ser um astro fixo, o poema suspende o enunciado para fluir numa relação metamórfica de palavras, de imagens, de sons e de relações que são todos os elementos consonantes do poema; o poema é, assim, um ébrio fluir de chamas, de estrelas, de possibilidades, de vibrações, de silêncios de uma respiração errante em que a verdade nos escapa no mistério da sua nostalgia,
A perda de um inimigo não compensa a de um amigo.
E se uma pouca vida, estando ausente,
Me deixa Amor, é por que o pensamento
Sinta a perda do bem que está presente.
Que é demasiada metafísica para um só tenor, não há dúvida; mas a perda da voz explica tudo, e há filósofos que são, em resumo, tenores desempregados.
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.
O ganho tem uma irmã que se chama perda.