Sonetos sobre Sombra

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Sonetos de sombra escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Alvorecer

A noite empalidece. Alvorecer…
Ouve-se mais o gargalhar da fonte…
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

HĂĄ andorinhas prontas a dizer
A missa d’alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe… um vulto que se esvai…
Em cada sombra Colombina trai…
Anda o silĂȘncio em volta a q’rer falar…

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pĂĄlido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar…

O Perfume

O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.
Mas o que sou nem eu sei…
Sou uma sombra de lume!

Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei
A essĂȘncia que me resume.

Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo
Vida de Sonho e Verdade!

Passam os dias, e em vĂŁo!
– Eu sou a Recordação;
Sou mais, ainda: a Saudade.

Blasfémia

SilĂȘncio, meu Amor, nĂŁo digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim…
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pĂĄtio alucinante de Granada!

Dos meus cĂ­lios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dĂĄs jĂĄ foram meus!

Em ti sou GlĂłria, Altura e Poesia!
E vejo-me — milagre cheio de graça! —
Dentro de ti, em ti igual a Deus!…

Prende o Teu Coração ao Meu

De noite, amada, prende o teu coração ao meu
e que no sono eles dissipem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.

Nocturna travessia, brasa negra do sono
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade dum comboio desvairado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.

Por isso, amor, prende-me ao movimento puro,
Ă  tenacidade que em teu peito bate
com as asas dum cisne submerso,

para que às perguntas estreladas do céu
responda o nosso sono com uma Ășnica chave,
com uma Ășnica porta fechada pela sombra.

Quem?

NĂŁo sei quem Ă©s. JĂĄ nĂŁo te vejo bem…
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!…)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?

NĂ©voa? Quimera? Fumo? Donde vem?…
– NĂŁo sei se tu, amor, assim me vĂȘs!…
Nossos olhos nĂŁo sĂŁo nossos, talvez…
Assim, tu nĂŁo Ă©s tu! NĂŁo Ă©s ninguĂ©m!…

És tudo e nĂŁo Ă©s nada… És a desgraça…
És quem nem sequer vejo; Ă©s um que passa…
És sorriso de Deus que nĂŁo mereço…

És aquele que vive e que morreu…
És aquele que Ă© quase um outro eu…
És aquele que nem sequer conheço…

Vingança

“Vingança…”
I
Ontem eu a possuĂ­ … e vocĂȘ nĂŁo Ă© minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu …
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que vocĂȘ nĂŁo deu …

De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que Ă© real e se impĂŽs ao meu”eu”…
E o corpo que eu tocava e a minha mĂŁo sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos – era o seu!

Ontem por mais que a idéia seja estranha e louca,
– vocĂȘ foi minha enfim!… apertei-a ao meu peito…
desmanchei seus cabelos… machuquei-lhe a boca!

E possuĂ­a afinal, – num Ă­mpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixĂŁo e amor!

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mĂŁos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque Ă© ausĂȘncia e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nĂłs exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
MomentĂąneo relĂąmpago nĂŁo dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo hĂșmido e ouco,
Pareço, atĂ© no tom lĂșgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estĂąncia para mim tĂŁo prĂłpria Ă© esta!
Causais-me um doce, e fĂșnebre transporte,
Áridos matos, lÎbrega floresta!

Ah! nĂŁo me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidĂŁo e a morte.

XVII

Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pĂĄlida, perdida
Entre a névoa, abre as pålpebras medrosas

Mas um perfume cĂĄlido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.

Cinco Sentidos

Cinco sentidos sĂŁo os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridĂŁo,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.

Mas decerto haverĂĄ mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visĂŁo,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerĂŁo.

E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,

Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂ­do:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pĂĄlida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
PÎs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pĂĄlpebras sĂŁo cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…

Quem Sabe?…

Ao Ângelo

Queria tanto saber por que sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber por que seguro
Nas minhas mĂŁos o bem que nĂŁo Ă© meu!

Quem me dirå se, lå no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordĂŁo de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de Eternidade,
A tropeçar na sombra, é a Verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?

Que Importa?…

Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violĂȘncias de paixĂŁo
Como bate no peito Ă  outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusĂŁo
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um sĂł instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…

Morte nĂŁo Ă© a EsquĂĄlida Caveira

Morte nĂŁo Ă© a esquĂĄlida caveira
Dura, disforme, seca e carcomida:
Ela um destroço é, uma caída
Da abreviada, racional carreira.

De ossos e carne envernizada, inteira,
Por vida tem a nossa prĂłpria vida.
Come, bebe, passeia, estĂĄ vestida
E, até morrer, é nossa companheira.

E sombra que sentimos e nĂŁo vemos,
Segue-nos sempre aonde quer que vamos,
SĂł nos deixa nos Ășltimos extremos.

A Morte Ă© sempre a vida que logramos,
Pois morte sĂŁo os dias que vivemos
E, vida, sĂł o instante que expiramos.

PenetrĂĄlia

Falei tanto de amor!… de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relĂąmpago breve com que veio…

O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplĂ­cio, no Ă­ntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao pĂșblico recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.

NĂŁo proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava… E ainda hoje, tĂ­mido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.

Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

LXVIII

Apenas rebentava no oriente
A clara luz da aurora, quando Fido,
O repouso deixando aborrecido,
Se punha a contemplar no mal, que sente.

VĂȘ a nuvem, que foge ao transparente
AnĂșncio do crepĂșsculo luzido;
E vĂȘ de todo em riso convertido
O horror, que dissipara o raio ardente.

Por que (diz) esta sorte, que se alcança
Entre a sombra, e a luz, nĂŁo sinto agora
No mal, que me atormenta, e que me cansa?

Aqui toda a tristeza se melhora:
Mas eu sem o prazer de uma esperança
Passo o ano, e o mĂȘs, o dia, a hora.

Caminho Do SertĂŁo

A meu irmĂŁo JoĂŁo Cancio

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
VĂȘ-la atravĂ©s da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nĂłs dois, meu pobre irmĂŁo, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para nĂŁo assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
TurĂ­bulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusÔes, santíssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂ­ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!

A Espera

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vĂȘ-la surgir, num vulto, adiante,
– os lĂĄbios frios, trĂȘmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O cĂ©u desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico Ă  sombra da noite perscrutando…

E ela nĂŁo vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
Ă© o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…