Textos sobre Alma

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Textos de alma escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Companhia do Amor

O que eu sinto não seria para si uma coisa nova de que necessitasse uma clara afirmação; é o mesmo que eu sentia quando passeávamos ambos nas areias da Costa Nova. Ou antes, não é o mesmo sentimento: é outro mais belo, mais completo; porque tendo, apesar de tudo, ficado comigo, desde que nos separámos, e tendo sido o doce e fiel companheiro da minha vida desde então – esse sentimento penetrou-me de um modo mais absoluto e mais absorvente, exaltou-se e idealizou-se, e de tal sorte me invadiu todo que eu cheguei a não ter pensamento, ideia, esperança, plano, a que não estivesse misturada a sua imagem. E na Costa Nova ainda não era assim. Dizer porque é que eu, apesar de tudo, insistia em pensar em si, não sei. O facto de não serem dependentes da vontade os movimentos do coração não é uma suficiente explicação: porque eu podia resistir à importunidade desta ideia, e em lugar disso abandonava-me a ela como à minha única alegria. Devo portanto concluir que havia um pressentimento latente, uma vaga quase certeza, uma fé secreta de que a afinidade que existe entre as nossas naturezas se viria um dia a manifestar apesar de tudo,

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Ser Feliz é uma Responsabilidade Muito Grande

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus.

As Lágrimas e os Homens

Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas,

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Alma e Corpo – A Ilusão da Integridade

Em qualquer momento em que a consideremos, a nossa alma total tem sempre um valor quase fictício, apesar do numeroso balanço das suas riquezas, pois ora umas, ora outras, são indisponíveis, quer se trate de riquezas efectivas como de riquezas da imaginação… Pois as perturbações da memória estão ligadas às intermitências do coração.
É sem dúvida a existência do nosso corpo, semelhante para nós a um vaso em que estaria encerrada a nossa espiritualidade, que nos induz a supor que todos os nossos bens interiores, as alegrias passadas, todas as nossas dores, estão perpetuamente em nossa possessão.

O Meu Amor

[Citações da entrevista do jornal Público a Miguel Esteves Cardoso (MEC) e Maria João Pinheiro (MJ), no dia 21 de Abril de 2013]

MEC – Ela é sempre maravilhosa. Vivia muito desconfiado nos, sei lá, nos primeiros meses e anos. Desconfiava de que ela tivesse uma Maria João verdadeira que não fosse assim mágica. Que fosse prática e muito diferente. Que houvesse – há sempre – uma pessoa escondida dentro dela. Mas não. Não há.
(…)
MJ – O Miguel é uma pessoa. Uma pessoa maravilhosa. Um tesouro.
(…)
MJ – Foi conhecer a pessoa mais generosa, perfeita, bondosa. A alma mais pura.
MEC – Devíamos dar mais entrevistas. Eu nunca ouço isto. Estou inchado. Se achavas isso antes, por que é que não disseste?
(…)
MEC – Sim. E fiquei como nunca fiquei antes. Fiquei assim toinggg. Parecia extremamente feliz. E eu: «Ah!!» E luminosa. Risonha. Como se fosse um prémio. Sabe?, um prémio. «Aqui está a tua sorte.» Senti uma ausência de dúvida. Eh pá. Só queria que fosse minha.
(…)
MEC – É a mulher mais bonita que alguma vez vi. Era linda de morrer e podia ser uma víbora.

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A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade

O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si… Volta a ti… Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no Céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas? O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será absorvido pela suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a única razão da sua felicidade será de não mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.
Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela,

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Diferentes Caminhos para uma Felicidade Sempre Insuficiente

O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de factores irá influenciar a sua escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário tornar-se independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros;

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Em que Medida o Homem Activo é Preguiçoso

Creio que cada um deve ter uma opinião própria sobre todas as coisas, acerca das quais são possíveis opiniões, porque ele mesmo é uma coisa singular, única, que ocupa uma posição nova, nunca vista, em relação a todas as outras coisas. Mas a preguiça, que jaz no fundo da alma do homem activo, impede-o de tirar água do seu próprio poço. Com a liberdade das opiniões passa-se o mesmo que com a saúde: ambas são individuais, nem de uma nem de outra se pode formular um conceito universalmente válido. Aquilo de que um indivíduo necessita para a sua saúde já é motivo de doença para outro, e muitos caminhos e meios para se chegar à liberdade de espírito podem ser considerados por naturezas superiormente desenvolvidas como caminhos e meios que afastam da liberdade.

A Adulação na Amizade

Pois que é próprio da verdadeira amizade dar e receber conselhos, dá-los com franqueza e sem azedume, recebê-los com paciência e sem repugnância, persuadamo-nos bem de que não ha defeito maior na amizade que a lisonja, a adulação, as baixas complacências. Com efeito, não se poderia dar bastantes nomes ao vício desses homens frívolos e enganadores, que falam sempre para agradar, e jamais para dizer a verdade.
A dissimulação é funesta em todas as coisas (pois corrompe e altera em nós o sentimento da verdade) mas é, sobretudo, contrária à amizade. Destrói a sinceridade, sem a qual não subsiste mesmo o próprio nome da amizade. Se a força da amizade consiste em fazer de várias almas uma só, como seria assim, se em cada homem a alma não é a mesma, não é constante, mas variável, mutável, tomando mil formas? De facto, que há de mais mutável, de mais versátil que a alma daquele que se transforma não apenas segundo o sentimento e a vontade dum outro, mas a um pequeno sinal deste, a um mínimo gesto seu? «Ele diz não? Eu digo não; ele diz sim? eu digo sim: numa palavra, eu me impus a obrigação de tudo aplaudir»,

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Suportar a Adversidade

Das ocorrências indesejadas, falando de maneira genérica, algumas acarretam naturalmente dor e vexação, mas, na maior parte dos casos, é falsa a noção que nos habituou a nos enfadarmos com elas. Como específico contra este tipo de ocorrência, é conveniente ter à mão um dito de Menandro: «Nada te aconteceu de facto enquanto não te importares muito com o ocorrido». Isso quer dizer que não há motivo para o teu corpo e a tua alma se mostrarem afectados se, por exemplo, o teu pai é de baixa extracção, a tua mulher cometeu adultério, tu mesmo te viste privado de alguma coroa honorífica ou privilégio especial, pois nada disso te impede de prosperar de corpo ou alma.
Para a primeira categoria – doenças, privações, a morte de amigos ou filhos -, que parece acarretar naturalmente dor e vexação, esta linha de Eurípedes deve estar à mão: “Ai! por que ai? É o quinhão da mortalidade que nos coube”. Nenhum outro argumento lógico pode romper de forma tão efectiva a espiral descendente das nossas emoções, do que a reflexão de que somente através da compulsão comum da Natureza, um dos elementos da sua constituição física, é que o homem se torna vulnerável à Fortuna;

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Sem Poesia Não Há Humanidade

Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.

O Céu e a Terra

Aqueles que afirmam existir mais coisas no céu que na terra, têm razão e não têm, por serem ambos a mesma coisa, embora em planos inversos. Todas as almas sabem disto, quando estão no etéreo, à espera de reencarnar, mas depois esquecem-se, quando mergulham no limbo e se agarram ao corpo mirrado de uma coisa viva que há-de ser.
E, tenho para mim, que as beatas não fazem por mal quando batem no peito e censuram o resto do mundo por não ser igual a si. Buscam, talvez, um comportamento livre dos corpos que as aproxime do que elas foram um dia: uma coisa diáfana e sem corpo, desprendidas da realidade da carne.

O Retiro da Alma

Há quem procure lugares de retiro no campo, na praia, na montanha; e acontece-te também desejar estas coisas em grau subido. Mas tudo isto revela uma grande simplicidade de espírito, porque podemos, sempre que assim o quisermos, encontrar retiro em nós mesmos. Em parte alguma se encontra lugar mais tranquilo, mais isento de arruídos, que na alma, sobretudo quando se tem dentro dela aqueles bens sobre que basta inclinar-se para que logo se recobre toda a liberdade de espírito, e por liberdade de espírito, outra coisa não quero dizer que o estado de uma alma bem ordenada. Assegura-te constantemente um tal retiro e renova-te nele. Nele encontrarás essas máximas concisas e essenciais; uma vez encontradas dissolverão o tédio e logo te hão-de restituir curado de irritações ao ambiente a que regressas.

Estúpida Coerência

Uma coerência tola é o espantalho das pequenas mentes, adorada pelos pequenos homens de Estado, filósofos e sacedotes. Uma alma grande não tem nada que ver com a consistência… Diz o que pensas hoje em palavras duras e amanhã diz o que o amanhã pensar, outra evz em palavras duras, ainda que contradiga tudo o que disseste hoje.

Têm-se Deveres Conforme o Alcance do Espírito

Em quase todos os acontecimentos da vida, uma alma generosa vê a possibilidade duma acção de que uma alma comum não tem a mesma ideia. No próprio instante em que a possibilidade dessa acção se torna visível para a alma generosa, é de seu interesse levá-la a cabo. Se não executasse essa acção que acaba de lhe surgir no espírito, desprezar-se-ia a si própria; seria infeliz. Têm-se deveres conforme o alcance do espírito. (…) É contra a natureza do homem, é impossível para o homem não fazer sempre, e em qualquer momento que se queira examiná-lo, o que nesse momento é possível e lhe dá prazer.

A Felicidade é uma Interrupção de Futilidade

É nas decisões fúteis, das quais nem a vida nem o estado de espírito depende, que reside a felicidade.
São estes os dias felizes, que Beckett invoca e amaldiçoa, por terem passado, na peça que tem o mesmo nome. Somos sobressaltados por ninharias, que conseguem fazer-se passar por importantes, como escolher entre uma camisa do verde do mar ou do azul do céu.
As decisões fúteis, quando a cabeça é desocupada daquilo que a preocupa, para se ocupar de uma ninharia, como decidir entre o ruivo ou o rascasso ou entre a pêra -pérola e a carapinheira, são o indício seguro da felicidade. Se a escolha primária é entre continuar a viver e deixar de viver e as escolhas secundárias são afluentes da primeira, devemos dar graças.
São uma sorte temporária e alegre a oportunidade e a ocupação mental que nos permitem pensar mais naquilo que nos interessa, sem interessar, do que naquilo que nos deveria interessar, caso estivéssemos tão aflitos que não conseguíssemos pensar noutra coisa senão sobreviver.
Quanto mais tempo perdermos nas escolhas e nas questões de que não dependem as nossas vidas ou as nossas almas – naquelas que não interessam, a bem ver,

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A Grandiosidade do Homem Depende da Mulher, mas Só Enquanto não a Possui…

O homem deve à mulher tudo quanto fez de belo, de insigne, de espantoso, porque da mulher recebeu o entusiasmo; ela é o ser que exalta. Quantos moços imberbes, tocadores de flauta, não celebraram já o tema? E quantas pastoras ingénuas não o ouviram também? Confesso a verdade quando digo que a minha alma está isenta de inveja e cheia de gratidão para com Deus; antes quero ser homem pobre de qualidades, mas homem, do que mulher – grandeza imensurável, que encontra a sua felicidade na ilusão. Vale mais ser uma realidade, que ao menos possui uma significação precisa, do que ser uma abstracção susceptível de todas as interpretações. É, pois, bem verdade: graças à mulher é que a idealidade aparece na vida; que seria do homem, sem ela? Muitos chegaram a ser génios, heróis, e outros santos, graças às mulheres que amaram; mas nenhum homem chegou a ser génio por graça da mulher com quem casou; por essa, quando muito, consegue o marido ser conselheiro de Estado; nenhum homem chegou a ser herói pela mulher que conquistou, porque essa apenas conseguiu que ele chegasse a general; nenhum homem chegou a ser poeta inspirado pela companheira de seus dias, porque essa apenas conseguiu que ele fosse pai;

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Riqueza Ilimitada mas Mortal

Eu não posso, pensando bem, descobrir como é possível a nós, que demos tanta importância à riqueza ilimitada e que, para falar a verdade, a divinizamos, não admitir nas nossas almas os males que crescem com ela. Acompanha, com efeito, a riqueza sem medida e sem coração, ligada a ela, e como se diz marchando no mesmo passo, a prodigalidade, e à medida que a riqueza abre o acesso às cidades e às casas ela entra junto e coabita. Depois, com o tempo, segundo os sábios, esses seres fazem os seus ninhos nas vidas humanas e rapidamente engendram outros seres, no momento da procriação, como a cupidez, o orgulho e a luxúria, que não são seus bastardos mas filhos legítimos.
Mas se permitir que esses filhos da riqueza avancem na idade, logo para as almas eles engendrarão tiranos inexoráveis, a violência, a ilegalidade e a imprudência. Pois é assim necessariamente; os homens não olham mais para o alto e não dão importância ao renome na posteridade, mas a destruição das vidas (dos homens) completa-se pouco a pouco num tal ciclo e a grandeza das almas fenece, enfraquece e não é mais assunto de emulação, quando se reserva a sua admiração às partes mortais de si mesmo,

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