Uma Vida Calma e Tranquila
A primeira pergunta que Diógenes fez a Alexandre é a primeira pergunta que qualquer pessoa inteligente deve fazer a si própria. Diógenes não desperdiçou um único momento.
– Alexandre, estás a tentar conquistar o mundo inteiro. Então e tu? Terás tempo suficiente, depois de conquistares o mundo, para te conheceres a ti próprio? Tens certezas sobre o amanhã ou sobre o próximo momento?
Alexandre nunca tinha conhecido um homem assim. Ele já tinha vencido grandes reis e imperadores, mas percebeu que Diógenes era um homem muito poderoso. Baixando os olhos, Alexandre respondeu:
– Não te posso dizer que esteja certo sobre o momento seguinte. Mas posso prometer-te uma coisa: quando tiver conquistado o mundo, vou desejar descansar e viver uma vida calma, tal como tu.
Diógenes estava a gozar um banho de sol matinal junto a um rio, rodeado por bonitas árvores. Ele riu-se… por vezes penso que o seu riso ainda deve continuar a ecoar.
Pessoas como Diógenes pertencem à eternidade. As suas assinaturas não são feitas na água.
Alexandre sentiu-se ofendido e perguntou-lhe porque se estava a rir.
– É muito simples! – respondeu Diógenes. – Se eu posso descansar e viver uma vida calma sem ter conquistado o mundo,
Textos sobre Conhecidos
80 resultadosO Inconsciente
Nas discussões sobre o inconsciente nas quais, contra todas as autoridades estabelecidas e reconhecidas, jamais cedo uma polegada de terreno, existe mais do que um problema de palavras. Que um mecanismo semelhante ao instinto dos animais nos faça muitas vezes falar e agir e em seguida pensar, isto é conhecido e nem se discute. Mas trata-se de saber se o que sai assim das minhas entranhas, sem que eu o tenha composto, nem deliberado, é uma espécie de oráculo, isto é, um pensamento vindo das profundezas; ou se devo antes considerá-lo como um movimento da natureza que não tem mais sentido do que o movimento da folhagem do vento.
A Construção da Personalidade Criadora
A harmonia do comportamento social requer, todos o sabemos, tanto o isolamento como o convívio. Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à cordialidade natural das afinidades electivas, não enriquecem o património de uma sociedade. Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria.
A solidão favorece a intensidade do pensamento; por outro lado, torna de certo modo celerado o homem que lida com a força material, com a técnica, com os outros homens. O impulso é a força que actualiza estas duas atitudes. Os ricos de impulso que se prontificam a uma reacção agressiva ou escandalosa, esses são associais especialmente difíceis. Todo o revolucionário é associal, se o impulso for nele um desvio da vida instintiva, e não uma atitude de homem capaz de obedecer e mandar a si próprio.
«A felicidade máxima do filho da terra há-de ser a personalidade» – disse Goethe. Personalidade criadora, obtida à custa do ajustamento das nossas próprias leis interiores, que não serão mais, no futuro, forças repelidas ou encobertas, mas sim valiosas contribuições para o tempo do homem. Quando tudo for analisado e conhecido, só o justo há-de prevalecer.
A Falsa Polidez
As ofensas, que na verdade consistem sempre na exteriorização da falta de consideração, colocar-nos-iam bem menos fora de nós mesmos se, por um lado, não nutríssimos uma representação tão exagerada do nosso elevado valor e da nossa dignidade – portanto, um orgulho desmesurado – e, por outro, se estivéssemos bastante cientes daquilo que, via de regra, no fundo do coração, cada um crê e pensa dos outros.
Que contraste flagrante entre a susceptibilidade da maioria das pessoas à mais ténue alusão de censura a seu respeito, e aquilo que ouviriam de si, caso surpreendessem as conversas dos seus conhecidos! Deveríamos, antes, ter em mente que a polidez habitual é apenas uma máscara burlesca; desse modo, não gritaríamos tão alto todas as vezes que esta fosse deslocada ou retirada por um breve instante. . Decerto, assim o fazendo, desempenha uma figura bastante feia, como a maioria dos homens nesse estado.Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos para a Sabedoria de Vida’
Tempo e Idade
A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,
A Celebridade é um Plebeísmo
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções – ridiculamente humanas às vezes – que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio.
A Nossa Morte
O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível – morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado.
As Melhores Acções Perdem Efeito Pela Forma Como São Executadas
As melhores acções se alteram e enfraquecem pela maneira por que são praticadas, e deixam até duvidar das intenções. Aquele que protege ou louva a virtude pela virtude, que corrige e reprova o vício por causa do vício, simplesmente, naturalmente, sem nenhum rodeio, sem nenhuma singularidade, sem ostentação, sem afectação: não usa respostas graves e sentenciosas, ainda menos os detalhes picantes e satíricos; não é nunca uma cena que ele representa para o público, é um bom exemplo que dá e um dever que cumpre; não fornece nada às visitas das mulheres, nem ao pavilhão, nem aos jornalistas; não dá a um homem espirituoso matéria para boa anedota. O bem que acaba de fazer é um pouco menos sabido e conhecido pelos outros, na verdade; mas fez esse bem; que é que ele queria mais ?
O Mérito só Existe se Enaltecido por Outros
O relato das conversas de Sócrates que os seus amigos nos legaram tem a nossa aprovação apenas porque nos sentimos intimidados pela aprovação geral delas. Não se trata de uma coisa que venha do nosso conhecimento; uma vez que não se adaptam às nossas práticas; se alguma coisa de semelhante viesse a ser produzida nos nossos dias poucos haveria que as tivessem em grande consideração. Não somos capazes de apreciar qualquer honra que não esteja salientada, inflaccionada e aumentada pelo artíficio. Tais honras que tantas vezes surgem disfarçadas com a ingenuidade e a simplicidade, dificilmente seriam notadas por uma visão interior tão grosseira como a nossa… Para nós não será a ingenuidade um parente próximo da simplicidade de espírito e uma qualidade merecedora de censura? Sócrates fazia mover a sua alma com o movimento natural das pessoas comuns: assim fala um camponês, assim fala uma mulher… As suas induções e comparações são retiradas das mais comuns e mais conhecidas actividades do homem; qualquer pessoa é capaz de as compreender. Sob uma forma tão comum nos nossos dias nunca teríamos sido capazes de discernir a nobreza e esplendor destes conceitos espantosos; nós que estamos habituados a criticar todo aquele que não esteja inchado pela erudição para ser base e lugar-comum e que não temos consciência dos ricos a não ser quando pomposamente exibidos.
A Glória em Função dos Feitos e das Obras
Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,
Quem é Eleito não Pode Pensar em Desistir
Ao aceitar a candidatura, fiz uma opção, assumi um risco: aquela, a de trabalhar para as reformas, que entendo necessárias, através dos meios legais ao dispor dos deputados, cuja limitação conhecia. O risco era o de não conseguir alcançar o fim pretendido, o de ser invariavelmente vencido, o de nem sequer conseguir alargar os limites conhecidos. (…) Porque quem é eleito não pode pensar em desistir, não tem o direito de abandonar: assumiu o compromisso de lutar durante quatro anos como representante da nação neste órgão de soberania, e há de, perante ela, procurar desempenhar-se o melhor possível do cargo que lhe confiaram. Eis porque entendo que, embora não valha a pena, continuo a trabalhar o melhor que posso e sei até ao fim do mandato.
Religião e Superstição
É tão grande a fraqueza do género humano, tamanha a sua perversidade, que, sem dúvida, lhe vale mais estar subjugado por todas as superstições possíveis – desde que não tenham carácter assassino – do que viver sem religião. O homem sempre teve necessidade de um freio e, por ridículo que fosse sacrificar aos faunos, aos silvanos ou às náiades, era mais razoável e mais útil adorar essas imagens fantásticas da Divindade do que entregar-se ao ateísmo. Um ateu que fosse razoador, violento e poderoso, seria um flagelo tão funesto como um supersticioso sanguinário.
Quando os homens não dispõem de sãs noções acerca da Divindade, as ideias falsas suprem-lhes a falta, tal como nos tempos de desgraça se fazem negócios com moeda falsa quando falta a moeda boa. O pagão, se cometia um crime, temia ser punido pelos seus falsos deuses; o malabar teme ser punido pelo seu pagode. Em todo o lado onde há uma sociedade estabelecida, é necessária uma religião. As leis exercem vigilância sobre os crimes conhecidos, a religião exerce-a sobre os crimes secretos.
Mas, a partir do momento em que os homens chegam a abraçar uma religião pura e santa, a superstição torna-se não apenas inútil,
A Génese de um Poema
A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(…) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.
Moralidade e Êxito
Não são só os espectadores de um acto que, amiúde, medem o que é moral ou imoral no mesmo, consoante o êxito: não, o próprio autor também o faz. Pois os motivos e as intenções raramente são suficientemente claros e simples, e, às vezes, a própria memória parece perturbada pelo efeito do acto, de modo que a pessoa atribui ao seu próprio acto motivos falsos ou trata como essenciais os motivos secundários. O êxito dá, muitas vezes, a um acto todo o honesto brilho da boa consciência, um malogro coloca a sombra do remorso sobre a acção mais respeitável. Daí resulta a conhecida prática do político, que pensa: «Dai-me simplesmente o êxito! Com ele, também terei posto do meu lado todas as almas honestas… e ter-me-ei tornado honesto, perante mim próprio». De maneira análoga, o êxito é suposto substituir a melhor fundamentação.
Os Pseudo-Sábios
Os verdadeiros sábios perguntam como se comporta dada coisa em si mesma e na sua relação com outras coisas, sem se preocuparem com a utilidade, ou seja, com a aplicação no domínio do já conhecido ou no domínio daquilo que é necessário à vida. Há outros espíritos, gente bastante diferente, que, sendo mais agudos, mais virados para a vida, mais experimentados e familiarizados com a técnica, tratam imediatamente de encontrar as aplicações.
Os pseudo-sábios procuram apenas retirar tão depressa quanto possível algum proveito pessoal das novas descobertas, tratando de obter uma glória vã, seja pela tentativa de dar continuidade ou alargamento à descoberta em causa, seja pela introdução de correcções, ou até por uma simples anexação pessoal, por exemplo, afectando grandes preocupações em relação ao assunto. O carácter sempre prematuro desses comportamentos prejudica a verdadeira ciência, traz-lhe maior incerteza e confusão, e atrofia-lhe manifestamente aquilo que ela pode produzir de mais belo, isto é, o seu florescimento prático.
A Intimidade do Escritor
Há quase um ano sozinho, na antiga vida de solteirão. Tem sido duro, mas útil. De vez em quando faz-me bem estar só e desamparado. É nessas horas que sinto mais profundamente a significação de uma mulher ao lado do artista. A história literária exibe prodigamente o cenário feminino e mundano que aconchega os criadores e lhes embeleza a vida. Mas diz-nos pouco das companheiras quotidianas, domésticas e anónimas, a verem nascer a obra, a aquecê-la com chávenas de chá, e a renunciarem à alegria de a conhecer na emoção virginal de um leitor apanhado de surpresa. E nada de mais significativo e decisivo do que essa ajuda e do que essa renúncia. As Récamiers são o estímulo de fora, higiénico e lisonjeiro; enquanto que as outras, íntimas e apagadas, empurram o carro trôpego da criação debaixo de todos os ventos, e sem aplausos no fim. O seu lema é a aceitação calma e confiante dos desânimos, dos rascunhos, das mil tentativas falhadas. E quando a obra, finalmente acabada, empolga o público, já tem atrás de si um tal cansaço, uma tal soma de horas desesperadas, que só com um grande amor a podem ainda olhar.
Por esse amor não existir,
Conceitos de Perfeição
Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
Por muitas que pareça que devem ser as maneiras por que se pode ter a vida por imperfeita, elas são, fundamentalmente, apenas três. Com efeito, há só três conceitos possíveis de imperfeição, e, portanto, da perfeição que se lhe opõe.Podemos ter qualquer coisa por imperfeita simplesmente por ela ser imperfeita; é a imperfeição que imputamos a um artefacto mal fabricado. Podemos, por contra, tê-la por imperfeita porque a imperfeição resida, não na realização, senão na essência. Será quantitativa ou qualitativa a diferença entre a essência dessa coisa imperfeita e a essência do que consideramos perfeição; quantitativa como se disséssemos da noite, comparando-a ao dia, que é imperfeita porque é menos clara; qualitativa como se, no mesmo caso, disséssemos que a noite é imperfeita porque é o contrário do dia.
Pelo primeiro destes critérios, aplicando-o ao conjunto da vida,
Inércia e Movimento
Há uma lei natural conhecida como lei da inércia. Quando alguma coisa se encontra em determinadas condições de existência tende a conservar-se nesse estado, quer esteja em repouso quer esteja em movimento. Essa lei aplica-se igualmente para seres humanos. (…) O homem é uma porção de matéria no estado de repouso e nem sempre se quer mexer. Mas quando aquecemos e começamos realmente a andar verficamos que a inércia é como o sistema propulsor de um foguetão dentro de nós… é mil vezes mais fácil continuar a avançar que iniciar o movimento. Motivação e força motriz estabelecem as diferenças entre as pessoas. Se um homem imagina um plano de acção, reconhece um dever, abraça uma causa, veremos cada órgão do seu corpo e cada faculdade do seu espírito começar a trabalhar mais eficaz e suavemente que nunca.
A Sabedoria pelo Exemplo
Nunca digas que és filósofo – e coíbe-te o mais possível de falar por máximas a pessoas vulgares. Pratica antes o que prescrevem as máximas. Por exemplo: não digas num festim como se deve comer, mas antes come como se deve comer. Que te lembres, em boa hora, como agia Sócrates: sempre fugindo da ostentação, acontecia que, quando pessoas o procuravam para serem conhecidas de filósofos, ele próprio tecia o elogio dos recém-chegados, e aos filósofos os apresentava, tal era o seu desejo de que não dessem por ele.
Se, entre pessoas vulgares, a conversa incidir sobre esta ou aquela máxima, mantém-te em silêncio sempre que possas. Pois, caso contrário, um grande risco podes correr: vomitar de súbito o que ainda não digeriste. E se alguém te disser «Tu nada sabes», e caso não te sintas ofendido por tal despropósito, que saibas começas a ser filósofo. Porque não é restituindo aos pastores a erva comida que as ovelhas lhes provam aquilo que ingeriram. Uma só coisa é verdadeira: uma vez que as ovelhas digeriram o pasto, elas oferecem ao exterior unicamente a lã e o leite. Assim, pois, não ostentes opiniões, através de máximas, entre pessoas vulgares: melhor será que lhes mostres,
As Ideias dependem das Sensações
À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.
Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,