A Felicidade não Inclui o Êxtase
A sensação de sermos unos com a natureza animal, vegetal e mineral, e a satisfação de mergulhar nessa sensação, não é de todo degradante. É tão bom sentir pulsar dentro de nós toda a vida, e simultaneamente buscar aquela existência superior cuja realização só nos é possível sonhar ou pressentir!
Não permitis que considerem fantasmas os dois grandes pólos do homem, a verdade e a felicidade; quando sonhamos sonhos de felicidade, é certo já a termos conquistado.
A satisfação de uma paixão absolutamente pessoal é embriaguez ou prazer: não é felicidade.
A felicidade é algo duradouro e indestrutível; caso contrário, não seria felicidade. Aqueles que gostariam de perpetuar a embriaguez e de incluir nela a felicidade, andam atrás do impossível. O êxtase é um estado excepcional cuja permanência nos mataria, e a natureza inteira depressa se eclipsaria sob a influência desse estado delirante.
Textos sobre Dois
451 resultadosDe Duas Maneiras Cega a Fortuna
No golfo de uma privança, nunca o perigo é mais certo, que quando a fortuna é mais próspera. De duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como fouce; com uma mão abraça, e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira, e com a que corta mostra o desengano. Consiste a prudência em que se temam os resplendores da luz, para que se não cegue aos rigores do golpe. Não faz mal à embarcação o penedo que sobressai por cima da água; porque para evitar o perigo sabe o piloto desviar a nau, por ver manifesto o perigo. Nos penedos que as águas escondem, aí naufraga sempre o baixel; porque cobriu com capa de cristal uma ruína de penhasco, e os que, navegando pelo mar, caminham com os olhos nas ondas, facilmente se esvaem, e quanto maior é na cabeça o esvaecimento, vem a ser mais no coração a fraqueza. Não sabe o que navega quanto tem vencido de distância, se do mesmo mar não tira os olhos, e só fazendo balizas na terra sabe o quanto no mar caminham. É um golfo grande o da privança, e a maior prudência consiste em que se divirtam de alguma vez os olhos,
O Amor é Inevitável
(O Amor) É inevitável, faz parte da combustão da natureza, é força, mar, elemento, água, fogo, destruição, é atmosfera, respira-se, quando se morre abandona-se, o amor deixa, fica isolado, é um elemento, come-se, bebe-se, sustenta pão, pão diário para rico e pobre, pão que ilumina o forno do amassador, aparece nas condições mais estranhas, bicho que nasce, copula dentro de si mesmo, paira, espermatozóide e óvulo, as duas coisas ao mesmo tempo, amor é assim outro elemento fundamental da natureza, as pessoas vivem tanto com o amor, ou tão alheias do amor, que nem notam, raro percebem que o amor existe, raro percebem que respiram, que a água está, é indispensável, ninguém pode viver alheio aos elementos, ao amor.
Toda a Aproximação é um Conflito
Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro?
Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes (…) Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta,
O Amor na Lama
– Esteban, o homem não poderia fazer grandes obras sem trabalhos pequenos; na maqueta do carpinteiro está todo o edifício do arquiteto, não há profissões grandes e pequenas: alegro-me que tenhas decidido ficar connosco na carpintaria, mas convém que te lembres disso. Não te esqueças de que Deus também se senta numa cadeira e come a uma mesa e dorme numa cama. Como qualquer um. Pode prescindir dos retábulos, das estátuas e dos livros que lhe dedicam, incluindo a Bíblia, mas não da cadeira, da mesa e da cama. — O meu tio esforçava-se muito. Queria que eu me sentisse bem na profissão. Que começasse a gostar dela. Acreditava que eu vivia como um fracasso a decisão de ter abandonado a Escola de Belas–Artes. Intuía certamente que eu precisava de desenvolver a minha autoestima. Mas tudo isso me parecia mera retórica — e era-o —, a verdade é que por essa altura já tinha começado a sair com Leonor e era ela quem eu amava, aprendia a gostar de mim através dela. Descobria o meu corpo em cada palmo do corpo dela, e o meu corpo ganhava valor porque lhe pertencia, era o seu complemento: acreditava que partilhávamos dois corpos que jamais poderiam separar-se e viver cada um por si.
O Que Sou e o Que Faço Neste Mundo
Involuntariamente, inconscientemente, nas leituras, nas conversas e até junto das pessoas que o rodeavam, procurava uma relação qualquer com o problema que o preocupava. Um ponto o preocupava acima de tudo: por que é que os homens da sua idade e do seu meio, os quais exactamente como ele, pela sua maior parte, haviam substituído a fé pela ciência, não sofriam por isso mesmo moralmente? Não seriam sinceros? Ou compreendiam melhor do que ele as respostas que a ciência proporciona a essas questões perturbadoras? E punha-se então a estudar, quer os homens, quer os livros, que poderiam proporcionar-lhe as soluções tão desejadas.
(…) Atormentado constantemente por estes pensamentos, lia e meditava, mas o objectivo perseguido cada vez se afastava mais dele. Convencido de que os materialistas nenhuma resposta lhe dariam, relera, nos últimos tempos da sua estada em Moscovo, e depois do seu regresso à aldeia, Platão e Espinosa, Kant e Schelling, Hegel e Schopenhauer. Estes filósofos satisfaziam-no enquanto se contentavam em refutar as doutrinas materialistas e ele próprio encontrava então argumentos novos contra elas; mas, assim que abordava – quer através das leituras das suas obras, quer através dos raciocínios que estas lhe inspiravam – a solução do famoso problema,
Somos Cidadãos Sem Laços de Cidadania
É escusado. Em nenhuma área do comportamento social conseguimos encontrar um denominador comum que nos torne a convivência harmoniosa. Procedemos em todos os planos da vida colectiva como figadais adversários. Guerreamo-nos na política, na literatura, no comércio e na indústria. Onde estão dois portugueses estão dois concorrentes hostis à Presidência da República, à chefia dum partido, à gerência dum banco, ao comando de uma corporação de bombeiros. Não somos capazes de reconhecer no vizinho o talento que nos falta, as virtudes de que carecemos. Diante de cada sucesso alheio ficamos transtornados. E vingamo-nos na sátira, na mordacidade, na maledicência. Nas cidades ou nas aldeias, por fás e por nefas, não há ninguém sem alcunha, a todos é colado um rabo-leva pejorativo. Quem quiser conhecer a natureza do nosso relacionamento, leia as polémicas que travámos ao longo dos tempos. São reveladoras. A celebrada carta de Eça a Camilo ou a também conhecida deste ao conselheiro Forjaz de Sampaio dão a medida exacta da verrina em que nos comprazemos no trato diário. Gregariamente, somos um somatório de cidadãos sem laços de cidadania.
As Notícias São o Contrário da Vida
As notícias são o contrário da vida. Uma notícia é uma novidade; é uma excepção. Mas a pergunta mais difícil (provocando a resposta mais interessante) é: “São uma excepção a quê?”
A noção corrente, idiota, é que “cão morde homem” não é notícia, mas que “homem morde cão” é. Mentira. A grande maioria dos cães não morde as pessoas. E quando há uma pessoa que morde um cão não só é raro, como desinteressante.
Atrás – ou à frente – desta simplificação está a questão bastante mais importante de como se dão os cães e os homens. As mordeduras são episódios pouco representativos e facilmente explicáveis, sem explicarem nada.
Um psicopata assassina muitas pessoas. É uma notícia. Mas que nos diz dos noruegueses? Nada. Que nos diz sobre o comportamento dos europeus? Nada.
A realidade é o contrário da notícia. A notícia é histriónica e histérica, separada da normalidade, que nunca é unívoca ou definidora. Existem dois impulsos. O mais antigo é realçar a surpresa e a indignação. O mais moderno é notar as ausências e as diferenças, mas investigar e descrever as presenças circundantes, onde e entre as quais ocorrem tanto a novidade como a antiguidade.
O Governo Mundial
Pode evitar-se a guerra por algum tempo por meio de paliativos, expedientes ou uma diplomacia subtil, mas tudo isso é precário, e enquanto durar o nosso sistema político actual, pode ser considerado como quase certo que grandes conflitos hão-de surgir de vez em quando. Isso acontecerá inevitavelmente enquanto houver diferentes Esados soberanos, cada um com as suas forças armadas e juiz supremo dos seus próprios direitos em qualquer disputa. Há somente um meio de o mundo poder libertar-se da guerra, é a criação de uma autoridade mundial única, que possua o monopólio de todas as armas mais perigosas.
Para que um governo mundial pudesse evitar graves conflitos, seria indispensável possuir um mínimo de poderes. Em primeiro lugar precisava de ter o monopólio de todas as principais armas de guerra e as forças armadas necessárias para o seu emprego. Devia também tomar as precauções indispensáveis, quaisquer que fossem, para assegurar, em todas as circunstâncias, a lealdade dessas forças ao governo central.
O governo mundial tinha de formular, portanto, certas regras relativas ao emprego das suas forças armadas. A mais importante determinaria que, em qualquer conflito entre dois Estados. cada um tinha de se submeter às decisões da autoridade mundial.
O Conceito de Nós Próprios
Cada homem, desde que sai da nebulose da infância e da adolescência, é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo. Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios – mãe e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual – abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais – é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
O primeiro passo passou para uma regeneração,
Um Sentimento de Inquietação
Deu-se então em mim uma espécie de estalido. O panorama que se avistava daquele quarto provocava-me um sentimento de inquietação, uma apreensão que eu já conhecera. Aquelas fachadas, aquela rua deserta, aquelas silhuetas de sentinela no crepúsculo perturbavam-me à maneira insidiosa de um perfume ou de uma canção outrora familiares. E tive a certeza de que muitas vezes, àquela mesma hora, ficava ali, imóvel, à espreita, sem fazer o mínimo gesto, sem ousar sequer acender a luz. Quando tornei a entrar na sala, julguei que já não havia lá ninguém, mas afinal estava a dona da casa estendida no banco de veludo. Dormia. Aproximei-me silenciosamente e sentei-me na outra ponta do banco. Uma bandeja com um bule e duas chávenas, no meio do tapete de lã branca. Tossi um pouco. Ela não acordou. Então, deitei chá nas duas chávenas. Estava frio.
O Humor é um Indicador do Equilíbrio
O humor surge quando a razão não está em perfeito equilíbrio com as coisas e, das duas uma, ou luta por dominá-las sem o conseguir – caso em que se fala do «mau humor» -, ou se deixa dominar até certo ponto por elas, não se importando, salvo honore, de entrar no jogo – caso em que estamos perante o chamado «bom humor». Um bom símbolo para estas vicissitudes da razão seria um pai que condescende em brincar com os filhos e que acaba por ter mais prazer com a brincadeira do que aquele que lhes proporciona.
Não Há Amor como o Primeiro
Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor — é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.
Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.
O Amor Maior
O amor é preocupação. Ter o coração já previamente ocupado. Ter medo que alguma coisa de mal aconteça à pessoa amada. Sofrer mais por não poder aliviar o sofrimento da pessoa amada do que ela própria sofre.
O amor é banal. É por isso que é tão bonito. O que se quer da pessoa amada: antes que ela nos ame também, é que ela seja feliz, que seja saudável, que tudo lhe corra bem. Embora se saiba que o mundo não o permite, passa-se por cima da realidade, do raciocínio do que é possível, e quer-se, e espera-se, que Deus abra, no caso dela, uma excepção.A paixão pode parecer mais interessante. Mas irrita-me que se compare com o amor. Como se pode comparar dois sentimentos que não têm uma única semelhança? Se o amor e a paixão coincidem, é como a cor do céu e do mar num dia de Verão — é uma alegria, mas nada nos diz acerca do que distingue o ar da água.
Dizer que o amor pode começar como paixão é uma forma falaciosa de estabelecer uma continuidade entre uma e outra, geralmente pejorativa para o amor, que é entendido como um resíduo da paixão,
Moral Convencional e Moral Verdadeira
A respeitabilidade, a regularidade, a rotina – toda a disciplina de ferro forjada na moderna sociedade industrial – atrofiaram o impulso artístico e aprisionaram o amor de forma tal que não mais pode ser generoso, livre e criador, tendo de ser ou furtivo ou pedante. Aplicou-se controle às coisas que mais deveriam ser livres, enquanto a inveja, a crueldade e o ódio se espraiam à vontade com as bençãos de quase toda a bisparia. O nosso equipamento instintivo consiste em duas partes – uma que tende a beneficiar a nossa própria vida e a dos nossos descendentes, e outra que tende a atrapalhar a vida dos supostos rivais. Na primeira incluem-se a alegria de viver, o amor e a arte, que psicologicamente é uma consequência do amor. A segunda inclui competição, patriotismo e guerra. A moral convencional tudo faz para suprimir a primeira e incentivar a segunda. A moral verdadeira faria exactamente o contrário.
As nossas relações com os que amamos podem ser perfeitamente confiadas ao instinto; são as nossas relações com aqueles que detestamos que deveriam ser postas sob o controle da razão. No mundo moderno, aqueles que de facto detestamos são grupos distantes, especialmente nações estrangeiras. Concebemo-las no abstracto e engodamo-nos para crer que os nossos actos (na verdade manifestações de ódio) são cometidos por amor à justiça ou outro motivo elevado.
O Maior Amor e as Coisas que Se Amam
Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.
Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral. Hora a hora a (…) que escreve as sátiras surge colérica em mim. Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada.
Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n’ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo.
Fim-de-Semana em Casa
É sábado. É Inverno. É dia de acastelar. Saímos com sacos, «tupper-wares», rolos de notas e troco, listas.
Vamos aos mercados, às lojas, aos restaurantes. O objectivo é enchermo-nos de víveres, jornais e revistas, queijinhos frescos, nozes e avelãs, coentros e beringelas, feijoadas de chocos e caldeiradas, velharias, bolos e pilhas sobressalentes.
Só o bastante para nos acastelarmos em casa, repimpões, com tudo ao nosso alcance, até à longínqua segunda-feira. Dia em que saíremos – talvez – quando todos os forasteiros e fim-de-semaneiros tiverem voltado para casa deles.
Não temos um fosso ou sequer um ferrolho na porta – mas corremo-lo à mesma, idealmente, tropeçando de verdade nas cabeças de alhos-porros e nas ramas das beterrabas, protuberando dos sacos de plástico deitados, mortos, no chão da cozinha.
Será a mentalidade medieval do campismo ou o ideal «hippy» da auto-suficiência? Não. Constitui açambarcamento? É anti-social? Também não. É apenas o prazer do ninho. Com ameias.
Quanto pior o tempo, melhor sabe fecharmo-nos no nosso castelinho, seguros que estamos abastecidos, de tudo, para dois dias inteiros, prontos para sobrevivermos alegremente até ao fim do fim-de-semana. Cá nos acastelamos e cá nos vamos arranjando.
Noutra dimensão, graças a compras sabichonas,
A Honra e a Vergonha
A raiz e a origem dos sentimentos de honra e vergonha, inerentes a todo o homem que não é totalmente corrompido, e o supremo valor atribuído ao primeiro reside no que vem a seguir. O homem, por si só, consegue muito pouco e é um Robinson abandonado: apenas em comunidade com os outros ele é e consegue muito. Ele dá-se conta de tal situação a partir do momento em que a sua consciência começa, de algum modo, a desenvolver-se, e logo que nasce nele a aspiração por ser considerado um membro útil da sociedade, portanto, alguém capaz de cooperar como homem pleno e, por conseguinte, tendo o direito de participar das vantagens da comunidade humana. Ele consegue-o realizando, em primeiro lugar, aquilo que se exige e espera em geral de cada um, depois, realizando aquilo que se exige e espera dele na posição especial que ocupa. Mas logo ele reconhece que, nesse caso, o importante não é o que ele representa na sua própria opinião, mas na opinião dos outros.
Por conseguinte, tal é a origem da sua aspiração zelosa pela opinião favorável de outrem, e assim também surge o valor supremo nela depositado. Esses dois elementos aparecem na espontaneidade de um sentimento inato,
Regras Gerais da Arte da Guerra
Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria,e, ainda, para satisfazer aqueles – se fosse esse o caso – que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:
– Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo.
– Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória.
– Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer.
– É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude.
As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,